Não costumo dar grande importância à queda ou aumento de alertas de desmatamento monitorados pelo sistema Deter do Inpe. Isso porque um único mês de dados preliminares não representa uma tendência — é preciso acompanhar uma série e os resultados anuais consolidados pelo sistema Prodes.
Mas há pelo menos duas razões para comemorar a notícia de redução de 66% do desmatamento em julho deste ano, comparado ao mesmo mês do ano passado, conforme anunciado conjuntamente pelos ministérios do Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia, nesta quinta-feira.
Primeiro, porque esse pode ser o começo do fim do desmatamento.
A contabilização anual abrange de agosto a julho, o que significa que os resultados de agosto de 2022 a julho de 2023 levarão em conta os devastadores cinco meses finais do governo anterior, que causaram uma das piores temporadas de corte raso e queimadas da última década.
A queda expressiva da série Deter de janeiro a julho de 2023 perfaz 42,5% em comparação com o ano anterior. Ela nos dá esperança de que começamos a nos afastar do ponto de inflexão em que a Amazônia pode entrar em um processo irreversível de secagem e degradação, conforme alertam os cientistas.
Se deixarmos de “acumular” tanto desmatamento e degradação, ficaremos menos próximos desse ponto de colapso. E, com muito esforço público e privado, podemos quem sabe reverter o processo ecológico em curso.
Segundo, porque esse bom resultado me parece o reflexo da retomada completa da política pública de combate ao desmatamento.
A visão é clara: desmatamento zero no bioma. A implementação está sendo articulada: o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM) foi retomado e integra não somente ministérios, mas entes estaduais e municipais.
Há sinais regulatórios aos agentes econômicos, a exemplo da resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) que visa à descontaminação do financiamento bancário em relação ao risco de desmatamento.
Finalmente, é importantíssimo reconhecer que deixando o Ibama e o Icmbio trabalharem (ainda com pouco pessoal e orçamento, mas com muito foco estratégico em municípios críticos) houve aumento expressivo dos autos de infração, multas, embargos, destruição de equipamentos e apreensões nos últimos seis meses.
Cerca de 300 mil hectares já foram embargados remotamente, e 77 mil caminhões de madeira ilegal foram bloqueados no sistema, o que tem sido bastante para mudar a expectativa de impunidade para responsabilidade por parte dos desmatadores.
Esse trabalho sério e árduo segue uma fórmula conhecida e bem sucedida, criada nos anos 2000 e agora retomada. Está dando certo. E qual é seu combustível? O capital político.
A sustentação desse processo depende da liderança política, para garantir que os órgãos ambientais façam a lei ambiental ser cumprida, doa a quem doer. E mais: que ganhem mais capacidade para fazê-lo de forma cada vez mais abrangente, com orçamento e pessoal adequados.
E, claro, para assegurar que a meta de zerar o desmatamento daqui dois ciclos eleitorais seja mais do que uma vaga promessa, bonita porque distante.
A pressão política para desmobilizar essa grande estratégia de combate ao desmatamento só deve crescer daqui em diante. Por isso, é preciso dar visibilidade a quem investe capital político nisso e que poderá colher os rendimentos.
No caso, o bom dado do Deter fortalece a posição de Lula, Marina Silva e outros anfitriões brasileiros na Cúpula da Amazônia, que começa em Belém do Pará na próxima terça-feira (8) e foi desenhada para fortalecer a cooperação regional com a participação de países da região (Brasil, Colômbia, Bolívia, Peru, Equador, Venezuela, Guiana e Suriname) e que terá presença de representantes de outras nações ricas em natureza (como República Democrática do Congo e Indonésia).
A ministra Marina Silva propôs que cada país amazônico crie um plano de ação, acompanhe os dados das florestas em tempo quase real e compartilhe boas práticas para alcançar os três objetivos da cúpula: proteção da floresta e das populações tradicionais, combate à desigualdade e fortalecimento da democracia.
Nesse sentido, aqui e nesses outros países vizinhos, é preciso avançar rapidamente com as estratégias complementares ao enforcement legal, como a bioeconomia, o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), a fim de garantir a durabilidade das ações.
No caso do Brasil, essas ações precisam começar o mais rápido possível para fortalecer ainda mais a proteção da Amazônia e garantir sua sobrevivência a longo prazo.
Elas nunca irão substituir o chamado “comando-e-controle”, mas são complementos a gerar uma combinação poderosa de incentivos para que quem mantém a floresta desfrute de mais benefícios do que quem a desmatou.
Sem repressão, não existe produto florestal legal competitivo em um mercado inundado de produtos ilegais de menor custo. Com repressão e incentivos positivos, podemos consolidar a mudança de expectativas e a dissuasão de práticas predatórias.
É imprescindível que a Cúpula da Amazônia reforce a cooperação regional e estabeleça ações concretas para a proteção das florestas e territórios indígenas.
No momento, a estratégia brasileira, liderada pelo Ministério do Meio Ambiente, parece começar a dar resposta, porque o governo está acertando na dose e no foco estratégico, na Amazônia. Nos demais biomas, há outras questões a considerar.
O próximo passo é que o mesmo tônus estratégico seja dedicado a fazer da região da Amazônia Legal um exemplo de desenvolvimento resiliente e de baixas emissões, em todos os setores que afetam a vida das pessoas. Chegou a hora de um salto no desenvolvimento da Amazônia: que seja livre de combustíveis fósseis e deixe o desmatamento para um longínquo passado.