Transparência climática: cresce o número de produtos com pegada de carbono no rótulo

Encabeçado pela Nude, de leite de aveia, movimento quer educar consumidor e empresas e já tem adesões de peso, como Hering, Arezzo, Movida — e agora a Mãe Terra, da Unilever

Três embalagens TetraPak dos Nudes Zooretas: de frutas vermelhas, cacau e vitaminas.
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(Este texto foi publicado em primeira mão na newsletter Carbono Zero. Inscreva-se aqui.)

Cada vez mais, o consumidor está de olho nas calorias e na composição dos ingredientes para fazer suas escolhas no supermercados. Agora, um grupo de empresas brasileiras está se unindo para dar publicidade a outro dado crucial para a dieta, nesse caso do clima: a pegada de carbono de cada produto. 

Lançado no ano passado pela fabricante de leite de aveia Nude, o movimento #MostraSuaPegada tem hoje 30 empresas, incluindo tanto marcas mais jovens, como a Fazenda Futuro e a Linus, de sandálias veganas, até grandes companhias, como Natura, Hering, Arezzo e Movida. 

Para aderir, a exigência é que ao menos um produto tenha a pegada de carbono comunicada de forma explícita e transparente ao consumidor. Por ora, ainda são menos de 100 produtos que estampam o quanto emitem de gases de efeito estufa ao longo do seu ciclo de vida, mas a expectativa é trazer mais empresas para a conversa. 

É uma demanda do consumidor? “Infelizmente, não”, afirma a head de sustentabilidade da Nude, Mariana Spignardi. “Isso veio de uma vontade de ‘cutucar’ o consumidor para mostrar que toda escolha de consumo tem um impacto.”

Um novo lançamento da companhia tem o potencial de levar essa mensagem mais longe. Em setembro, chega às prateleiras uma linha de bebidas da Nude em parceria com a Mãe Terra, voltada para crianças. 

A ideia principal é fornecer uma opção mais saudável para compor as lancheiras em contraponto às vitaminas e achocolatados carregados nos açúcares e conservantes. Mas o atributo ambiental também vai estar estampado pela primeira vez num produto da Unilever, dona da Mãe Terra desde 2017 — ao menos considerando-se o portfólio brasileiro.

“É um grande passo trazer uma indústria presente em tantas prateleiras para essa conversa”, afirma Spignardi. A Nude já tinha feito outras parcerias sazonais, como uma linha de ovos de Páscoa com a GoldKo, mas esta será a primeira colaboração permanente no portfólio. A expectativa é que a linha kids represente 10% de seu faturamento já no primeiro ano de operação. 

Existe padrão? 

Como em quase tudo que envolve o mundo ESG, a grande questão é como é feito o cálculo dessa pegada de carbono — e como garantir que ele traga informações íntegras e não seja um instrumento de greenwashing.

Também como em quase tudo que envolve o mundo ESG, a resposta é que a régua ainda está em construção. Não há uma padronização definida para esse cálculo nem aqui nem fora do país. 

Há normas nas quais as consultorias especializadas se baseiam para fazer as contas, mas não existe um padrão universalmente aceito, como é o caso do GHG Protocol, usado para contabilizar o inventário de emissões de gases de efeito-estufa de uma empresa. 

“Entendemos que se trata de uma jornada e que há empresas em diferentes estágios. Nosso interesse neste primeiro momento é trazer o maior número de companhias possível para essa conversa de baixo carbono”, diz Spignardi. “O que pedimos é transparência de como esse número é calculado.”

Isso envolve informar se a conta vai “do berço à prateleira”, isto é, inclui a cadeia de fornecedores e a produção, ou “do berço ao túmulo”, considerando também o que acontece durante e após o uso do produto. 

No caso da Nude, seu leite de aveia tradicional de um litro tem uma pegada de carbono de 0,43 quilo de CO2 por quilo de produto (considerando toda a cadeia de valor). Segundo a empresa, na média, um litro de leite de vaca tem uma pegada de 3,2 kg de CO2 equivalente.

Carbono por quilo

Diante da falta de padrões, o grupo vem construindo “organicamente” o que seria a melhor forma de comunicar a pegada de carbono. Isso envolve a unidade de medida para facilitar a comparação do consumidor. 

“Para produtos de moda, faz mais sentido falar de unidades: o quanto emitiu aquela camiseta, aquele par de sandálias”, diz Spignardi. “Mas para o setor de alimentos e bebidas, por exemplo, faz mais sentido falar em emissão por quilo de produto.”

A própria Nude modificou seu posicionamento, num exemplo que denota a complexidade da avaliação de impacto quando se leva em conta toda a cadeia de produção. 

Quando foi lançada em 2020, a empresa informava a emissão por unidade – no caso, seu produto de 1L. Com a chegada da versão de 200 ml, a pegada passou a ser medida por peso.

A questão é que, neste caso, como se trata de mais embalagem para menos produto, a conta por unidade poderia distorcer a visão. O Nude de cacau, por exemplo, tem uma pegada de carbono de 0,4 kg de CO2/kg na versão de um litro — valor que sobe para 0,51 kg na embalagem menor, que comporta um quinto desse volume. 

Nascida com uma proposta de sustentabilidade e saudabilidade já na origem, a Nude tem vantagens claras em mostrar sua pegada, e pela sua própria natureza tem mais facilidade de medi-la. 

A marca não usa conservantes ou aditivos e tem poucos ingredientes nas suas preparações. A versão original contém  aveia, água e sal. Nas versões saborizadas, adicionam-se cacau ou baunilha. 

“Nossa cadeia é curta e por isso é mais simples medir a pegada em comparação com quem tem uma cadeia muito longa ou com muitos ingredientes”, afirma Spignardi. A companhia tem apenas um fornecedor de base de aveia, que faz contato direto com os produtores do cereal. 

Mas o cálculo exige também visibilidade sobre todos os elos, incluindo moagem, transporte, logística – o que inclui, cada vez mais, a logística reversa, para garantir a reciclabilidade das embalagens. 

“Mais que um atributo de marketing, a pegada de carbono é um diagnóstico e é só a partir dele que dá para medir o impacto que uma produto tem sobre o clima e o mundo. É um caminho para que a empresa comece a gerenciar esse impacto”, aponta. 

Crédito de carbono conta? 

O cálculo da pegada de carbono do produto também ajuda a jogar luz sobre uma das maiores zonas cinzentas — e uma das maiores fontes de greenwashing — da pauta climática: o uso indiscriminado de créditos de carbono. 

Muitas empresas têm usado o rótulo de “carbono neutro” ou “carbono zero” em seus produtos sem comunicar o que vêm fazendo além das compensações para diminuir sua contribuição para a mudança climática. 

A pegada de carbono que as empresas precisam informar no movimento é medida, obviamente, antes da compensação.

A própria Nude neutraliza suas emissões com offsets, mas deixa claro em seu relatório de sustentabilidade  que a estratégia é transitória: “Queremos gritar aos quatro cantos ‘não estamos emitindo nada de carbono!’ Mas, enquanto este dia não chega, compensamos o que emitimos.”

De volta ao paralelo com a composição nutricional, mais do que dizer se um produto é light ou zero, é preciso saber sua composição para entender se ele faz bem ou mal para a saúde. “É uma discussão complexa e cheia de nuances, mas o que queremos é educar o consumidor e trazer maturidade para o debate.”