Em um ‘ritual matinal’ num evento em São Paulo, o cofundador e COO da foodtech Mahta, Edgard Calfat, oferece aos convidados que sintam o cheiro do cumaru e provem a casca do açaí e as versões em pó dos outros ingredientes amazônicos que compõem o principal produto da marca.
Enquanto explica sobre as características de cada um deles, faz em menor escala o que se propõe a startup que ajudou a fundar: apresentar as propriedades nutritivas e a biodiversidade da Amazônia.
O carro-chefe da Mahta é um suplemento em pó que combina 15 frutas e castanhas da floresta. A promessa é promover um sistema regenerativo “para dentro e para fora”, diz o fundador e CEO Max Petrucci, que ofereça uma nutrição completa e respeite as comunidades locais, os pequenos produtores e o bioma de onde as matérias-primas são extraídas.
Para transformar cacau, bacuri e os demais alimentos em pó, a Mahta aposta na desidratação por congelamento e sob baixa pressão, que mantém quase a totalidade dos nutrientes, diferentemente da secagem por calor. O processo se chama liofilização e é utilizado pela Nasa para produzir as refeições de astronautas.
Completando agora um ano, a startup acaba de trazer anuncia Thiago Castanho como seu mais novo sócio e está lançando também seu primeiro leite vegetal em pó, feito de castanha-do-pará.
O chef belenense, conhecido pelo seu restaurante Remanso do Peixe e pelo reality show Iron Chef, da Netflix, além do programa Sabores da Floresta, do Canal Futura e GNT, é um dos principais embaixadores da culinária e dos ingredientes amazônicos.
Mas a barreira cultural entre a Amazônia e o restante do país ainda é uma realidade. “É preciso buscar fórmulas para que o produto amazônico conquiste o mundo e, de início, talvez não seja como a gente consome lá”, reflete Castanho.
As complexidades amazônicas
A Mahta tem uma série de projetos de pesquisa e desenvolvimento para entender as características nutricionais de diferentes alimentos e vem trabalhando com uma cooperativa de produtores do Pará para desenvolver o primeiro “whey” da floresta, na forma de proteína isolada.
Com 15 ingredientes para seus produtos, a foodtech lida com produtores espalhados por diferentes Estados, como Amapá, Roraima e Pará. “Aqui a gente não fala em ‘1% for the planet’. De toda a venda da Mahta, 20% fica com as comunidades”, diz Petrucci, ex-Microsoft e fundador da agência de marketing Garage IM.
Entre viagens e a falta de rotina no ambiente corporativo, o idealizador da foodtech começou a sentir os efeitos na saúde e a buscar formas de combinar a nutrição com seu interesse em se aprofundar na biodiversidade da Amazônia.
Ele se juntou a Calfat, ex-CEO da Puravida, marca de produtos saudáveis comprada pela Nestlé, que conhece de perto essa indústria.
Os sócios frisam que investir no extrativismo e nos sistemas agroflorestais é uma forma de valorizar os produtores locais e incentivá-los a manter a floresta em pé, em contraposição à monocultura. “É só pegar um voo para Belém pela manhã e reparar: boa parte já virou pasto e plantação de soja. É triste de ver”, afirma Castanho.
Os ingredientes precisam percorrer grandes distâncias até Manaus, onde um parceiro realiza a liofilização e, depois, o produto final é embalado em São Paulo.
O processo de desidratação faz com que os “superalimentos” possam ser armazenados por um período mais longo.
Valorizando o produtor
O público-alvo da categoria são pessoas das classes A e B, que se preocupam com nutrição e querem estar em harmonia com a floresta. Hoje, uma embalagem do superfood em pó da Mahta 440g, equivalente a 11 refeições, custa R$ 189,97. Já o leite em pó de Castanha-do-Brasil (240g), que rende quatro litros, R$ 99,20.
A venda é feita pelo ecommerce da marca, com vendas unitárias ou pelo recém-lançado serviço de assinatura mensal. A chegada da Mahta às prateleiras de supermercados é um plano ainda sem datas ou definições, e só deve ocorrer quando a marca for mais conhecida entre consumidores, afirmam os sócios.
Contra a gourmetização da Amazônia, Castanho vê no produto uma forma democratizar o acesso aos produtos locais. “Às vezes democratizar não é só deixar barato. Valorizar o produtor é também entender que não dá para chegar na feira e pechinchar o quilo da farinha sem entender o trabalho que dá”, diz
Ser chef foi um “detalhe” na decisão de entrar na sociedade, afirma Castanho, que deve assumir papel consultivo inicialmente.
“Eu entrei pelo meu estilo de vida e pela filosofia do negócio. Foi essa multidisciplinaridade da Mahta, esse pensamento de colocar o produto da Amazônia no mundo com nutrição e responsabilidade social que me chamou para a marca”.
Próximos passos
Com um pipeline de produtos na prancheta, a startup mira o lançamento por trimestre e quer chegar aos Estados Unidos, mercado que atrai a atenção dos fundadores desde o início, ainda neste ano. Para o objetivo, espera contar com um empurrão da Amazon através de um programa que incentiva iniciativas amazônicas.
Ao longo do primeiro ano de existência., a Mahta captou quase R$ 3 milhões, entre investidores-anjo e apoio da Amaz, aceleradora de negócios de impacto na Amazônia.
Uma rodada seed, de R$ 14 milhões, prevista para março, foi adiada, conta Perucci. “O negócio está indo muito bem e, agora, para chegar ao break-even [ponto em que a empresa dá lucro], a gente só precisa de mais R$ 2 milhões [em investimentos]”, diz o CEO.
Ainda em estágio inicial, a expectativa é atingir o lucro no primeiro trimestre de 2024, quando a Mahta pretende atingir receita de R$ 1 milhão mensal.