Reunião pré-COP termina em discórdia sobre financiamento

Dinheiro é o tema principal da COP29, que acontece no Azerbaijão; impasse pode durar até a conferência de Belém

Reunião pré-COP termina em discórdia sobre financiamento
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A reunião anual da Convenção do Clima, que acontece no meio do ano e serve como uma espécie de prévia da cúpula climática da ONU, a COP, terminou nesta quinta-feira na Alemanha. Tudo aponta para uma conferência tensa no Azerbaijão, em novembro – com possíveis reflexos para Belém em 2025.

A principal decisão a ser tomada este ano diz respeito ao dinheiro, um mecanismo chamado de nova meta coletiva e quantificada, ou NCQG, na sigla em inglês. Como mostram 30 anos de negociações climáticas, não existe assunto que cause mais discórdia.

Como diz o nome, o objetivo é colocar no papel valores e pagadores para tentar dar conta das medidas de mitigação, adaptação e compensação que o mundo precisa com urgência, especialmente os países mais pobres.

O sistema em vigor, hoje, deixa de valer no ano que vem, e claramente não funcionou. A meta acordada, em 2015, era de US$ 100 bilhões anuais, mas essa cifra só foi alcançada no ano passado (e há questionamentos sobre como foi feita a contabilidade).

Desde então, os efeitos da mudança do clima se agravaram, e os países que precisam desses recursos entenderam que a linguagem, as fontes e as condições de acesso ao dinheiro devem ser muito claras.

Países árabes e africanos pedem algo entre US$ 1,1 trilhão e US$ 1,3 trilhão anuais entre 2026 e 2030, quando termina a validade do NCGQ. Os desenvolvidos nem chegaram a falar em valores. Eles querem que a soma total inclua recursos privados e contribuições dos emergentes mais ricos, como China e Brasil.

Não foi possível nem mesmo chegar a um texto base que servisse de ponto de partida para a COP29, que acontece daqui a cinco meses em Baku, a capital azerbaijana.

“O que saiu foi uma coletânea de visões das partes, sem engajamento no mérito”, diz Claudio Angelo, que acompanhou a reunião pelo Observatório do Clima, uma organização que reúne mais de cem ONGs.

Os chefes das delegações diplomáticas vão se reunir em julho, em Baku, para tentar avançar, e a Assembleia Geral da ONU, em setembro, é outro fórum em que o tema será discutido.

“Será essencial o envolvimento do segmento político nos próximos meses e muita articulação por parte da presidência da COP”, diz Natalie Unterstell, presidente do centro de estudos Talanoa e colunista do Reset.

Ela afirma que existe um “espírito colaborativo” para que a COP29 traga algum resultado, mas é possível que ele não seja completo. Neste caso, a responsabilidade de costurar um acordo ficaria com os brasileiros, que presidirão a COP30.

Apesar de a reunião ter terminado sem avanços concretos, Angelo afirma ter ouvido opiniões otimistas sobre uma resolução em novembro ­– mas o risco é que a NCGQ aceitável por todos não esteja à altura do problema.

Travas

O financiamento sempre causa entraves no complicado processo das COPs, que exige a concordância de todos os países para que uma decisão seja chancelada.

Mas, além da urgência, o tema paralisa outras discussões chave.

Os países terão de apresentar até o começo do ano que vem seus novos planos de descarbonização nacionais, conhecidos pela sigla NDC. Foi decidido na COP passada que esses planos devem ser ambiciosos e alinhados com a ciência.

Reduzir as emissões dos gases de efeito estufa é fundamental para evitar consequências ainda mais graves do que as que o mundo já enfrenta, como dias de 49°C em Nova Déli e tragédias como a do Rio Grande do Sul.

Mas muitos países dizem que, sem ajuda financeira, não têm condições de fazer o que é necessário para limitar o aquecimento global a 1,5°C em comparação com o período pré-Revolução Industrial.

As NDCs serão submetidas sob a presidência brasileira da COP, e o nível dessa ambição coletiva será uma das medidas do sucesso da conferência em Belém.

Mercado de carbono

As negociações do Artigo 6, que cria um mercado de carbono global no âmbito das Nações Unidas, também avançaram pouco em termos práticos.

A COP28 começou com vários pontos técnicos aparentemente acordados, mas houve uma implosão das discussões em Dubai e todas as decisões foram adiadas.

Mas agora havia “menos travas e indisposições do que na reunião do ano passado”, diz Juliana Marcussi, que acompanhou as conversas na Alemanha pela LaClima, uma entidade que reúne advogados da América Latina especializados em clima.

O artigo 6 faz parte do Acordo de Paris, passou a vigorar em 2016, mas só houve acordo sobre suas regras básicas cinco anos depois. Agora são necessárias definições de ordem prática para que as transações internacionais comecem de fato.

A ideia central do Artigo 6 é estimular a cooperação entre países por meio de mecanismos de mercado, em duas modalidades principais.

Uma delas, tratada no artigo 6.2, permite que países que foram além de suas metas NDCs possam vender esse “excedente” para aqueles que precisam fechar suas contas.

A outra, 6.4, permite que países comprem créditos de projetos desenvolvidos por entes privados, também com o objetivo de cumprir seus compromissos.

A sombra de Trump 

A possível volta de Donald Trump à Casa Branca a partir de janeiro do ano que vem também pairou sobre a conferência, mesmo que seu nome não tenha sido mencionado nas sessões oficiais.

Em seu primeiro mandato, o republicano tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris (eles voltaram quando o democrata Joe Biden foi eleito).

Trump não falou especificamente sobre o assunto, mas não há dúvidas sobre suas opiniões a respeito da supremacia do petróleo e seu desgosto por tudo o que tem a ver com a transição energética.

Sem a contribuição dos americanos, maiores emissores de gás carbônico depois da China, atingir o objetivo de 1,5°C será impossível.