Não são poucas as casas de investimento comprometendo-se com resoluções ambientais, sociais e de governança. Segundo a Bloomberg, mais de US$ 30 trilhões administrados em todo o mundo dizem seguir os princípios ESG.
Mas se o mercado financeiro acumula uma série de verificações e regulações para garantir retorno e proteção a investidores, ainda não vemos a mesma lógica ser aplicada a impacto, apesar dos discursos. Esse movimento exige bastante atenção para que o mercado não caia em incentivos perversos.
Um dos motivos por trás desse movimento pode ser o fato de que existe uma cultura de mostrar somente o lado bom das coisas no mercado. Imagine ter de justificar um investimento que trouxe ganhos financeiros, mas cujo impacto não foi positivo. Para quem só está comprometido com o dever fiduciário financeiro, melhor deixar a conversa morrer do que trabalhar por mudanças.
Outra razão pode ser a dificuldade ou os questionamentos na hora de medir o impacto. Na Vox, trabalhamos desde 2012 com a mensuração tanto dos resultados financeiros quanto dos resultados de impacto, que afetam, inclusive, a remuneração dos gestores.
Há uma iniciativa mais ampla, formada quatro anos atrás, e que reúne milhares de profissionais do mundo para determinar consensos sobre as práticas de gestão e mensuração de impacto, dando origem. É o Impact Management Project.
As palavras de ordem para um bom trabalho aqui são imparcialidade, transparência e consistência. A implementação das práticas do IMP começa a partir das respostas a cinco grandes perguntas: o quê; quem; quanto; qual a contribuição; e qual o risco. Para cada categoria de negócio há um conjunto de dados reunidos pelo projeto, que norteiam iniciativas e dimensionam resultados dentro dessas cinco esferas.
Mas a estrutura está longe de ser uma receita de bolo.
São muitas as variáveis na equação que integra o impacto. O setor em que o negócio atua é uma delas, o estágio do negócio é outra. Quem está no early stage, ainda em busca do ‘product market fit’, não terá uma imensidão de dados ou avaliação profunda sobre o impacto gerado.
A acuracidade do impacto, ou seja, o quanto a empresa consegue provar os efeitos que gera na vida de stakeholders, será menor. A partir da hipótese de impacto, na medida em que o negócio amadurece e ganha escala, podemos avançar na mensuração das práticas das empresas.
Nossa régua
Para nos apoiar no acompanhamento e na gestão de impacto das empresas em que investimos, construímos uma ferramenta batizada de Impactômetro. Trata-se de uma matriz formada por hipótese, alcance, engajamento e transformação, no eixo vertical; e nível de Maturidade de Negócios (startup, growth e scale up), no eixo horizontal.
Cada uma de nossas investidas está posicionada nesse infográfico. Constantemente, elas são reavaliadas e reinseridas na matriz. Definimos Key Performance Indicators (KPIs) específicos para cada uma (de novo: sem receita de bolo), com o objetivo de entender o que gera valor para o usuário final, beneficiário do negócio, e o que apoia a tomada de decisão no negócio.
Para aquelas em estágio mais avançado, fazemos parcerias com universidades, como Insper e Fundação Getúlio Vargas, para conduzir avaliações customizadas, robustas e independentes, que não contemplam somente impactos imediatos, mas todo o efeito causal de um produto ou serviço na vida das pessoas que os consomem.
A gestão contínua e os indicadores personalizados para cada negócio nos permitem não só acompanhar o crescimento das investidas e seus avanços positivos em impacto. Também são úteis para identificarmos eventuais impactos negativos e, assim, decidirmos quais caminhos devemos tomar.
Por fim, entramos no quesito consistência. O que acontece se uma empresa não traz ou não prioriza resultados de impacto? E se os resultados perigam ser negativos?
Nossa tese é a de que os retornos socioambientais são tão importantes quanto os financeiros e devem ser encarados com o mesmo grau de severidade com o qual o mercado em sua amplitude tem para com o dever fiduciário.
Afinal, se um fundo ou investidor não considera impacto de forma ativa, está deixando de observar um fator de risco a mais em sua carteira no longo prazo. O assunto tem que estar na mesa para ser debatido com investidores e decisões devem ser tomadas.
Trazendo exemplos práticos, em nossa lista de ‘pass’ — empresas nas quais optamos por não investir — estão desde fintechs com excelente desempenho financeiro, mas que não priorizavam a intenção de impacto, até edtechs cuja proposta entrava na grande e controversa discussão da publicidade infantil.
Riscos de impacto negativo nos fazem interromper análises no funil. Tornam-se, assim, fator tão relevante quanto a capacidade de execução do time de fundadores e o potencial financeiro da empresa.
Falando sobre portfólio, em 2012, optamos por desinvestir em um projeto de habitação popular dentro do programa Minha Casa Minha Vida, em São Paulo. O porquê: as famílias acabavam tornando-se moradoras de bairros distantes de serviços públicos básicos.
Por um lado, a empresa garantia moradia, por outro, dificultava o acesso à saúde. Havia impacto negativo o suficiente para decidirmos pelo desinvestimento.
Não fomos os únicos a tomar decisões como essas no mundo. Um levantamento recente do GIIN, “Roadmap for the Future of Impact Investing”, aponta que quase um a cada quatro investidores do setor exige que metas de impacto sejam cumpridas antes de desembolsar capital. Outros 31% só fazem aportes subsequentes com essa mesma condição.
Skin in the game
Consistência também significa alinhar os incentivos financeiros aos resultados de impacto.
A razão para tanto é intrínseca à lógica sob a qual o mercado sempre operou: incentivos impulsionam comportamentos. Lá em 2012, a decisão que tomamos foi a de que a taxa de performance de nossos fundos seria associada ao que nos comprometemos com nossos investidores: resultados financeiros e de impacto.
Para começar, era importante amarrar resultados a um índice externo que pudesse ser comparado ano após ano. Por isso, usávamos duas ferramentas produzidas pelo B Lab: a Avaliação de Impacto B (BIA) e o Global Impact Investing Rating System (GIIRS).
O BIA é um questionário ESG padronizado que contempla diversos critérios dentro dos macrotemas Governança, Funcionários, Comunidade, Meio Ambiente e Clientes. A pontuação desse questionário era usada para formular o rating GIIRS. Em 2018, o GIIRS foi descontinuado — uma mudança que enxergamos como oportunidade para melhorar a avaliação de negócios e a mensuração do impacto do fundo.
Atualmente, nosso modelo de taxa de performance funciona assim: a cada ano, empresas do portfólio preenchem a Avaliação de Impacto B (BIA), que continua, apesar do fim do GIIRS. Como o questionário é autopreenchido e não produz indicadores customizados, seu nível de acuracidade é limitado. Portanto, nós assumimos a função de revisar as respostas. Pedimos provas concretas e, caso a empresa não as tenha, solicitamos que altere o questionário. Depois, contamos com a certificação externa da Bureau Veritas, organização internacional que indica padrões de qualidade para empresas comprometidas a cuidar do meio ambiente.
Cabe à Bureau Veritas conduzir um processo de verificação independente, com revisão de respostas e análise de evidências, para calcular a nota final ponderada de nosso fundo.
Podemos comparar esse processo ao de auditorias financeiras, uma exigência padrão do mercado. No nosso caso, porém, a auditoria é voltada para assegurar o desempenho das práticas de impacto adotadas pelas investidas.
Apenas assumir o compromisso nunca vai ser o suficiente. É preciso haver alinhamento entre intenção e prática, entre o discurso e a tomada de decisão. Só geramos retorno se geramos impacto. Há muito o que evoluir na gestão e na mensuração do impacto, mas dedicamos nossa energia a fazer o melhor a cada dia para — emprestando outras palavras do inglês — cumprir o ‘walk the talk’.
* Jéssica Silva Rios é sócia e head de mensuração e gestão do impacto na Vox Capital