Burnout, ansiedade, depressão. Na sociedade do cansaço, a saúde mental ainda é um enorme tabu. A healthtech Vitalk, que oferece serviços online de cuidados com a saúde mental, quer ajudar a quebrar o estigma. Acaba de fechar uma rodada de R$ 24 milhões para colocar gás na venda de pacotes corporativos.
Operando comercialmente há apenas um ano, a startup já tem 60 empresas clientes e atinge cerca de 200 mil usuários finais. O aporte será investido na força de venda. A meta é chegar ao meio do ano que vem com 500 empresas clientes e entre 500 mil a 1 milhão de colaboradores cobertos.
A rodada série A foi liderada pela Vox Capital, venture capital pioneiro em impacto no Brasil, e acompanhada pelo fundo americano Goodwater (que investiu em Spotify, Facebook e outros) e Yaya Capital, novo fundo da família Moll, controladora da rede D’Or.
A captação também teve participação da Valor Capital e do family office da família Salomão Zoppi, GreenRock, investidores-semente da empresa.
Nos pacotes corporativos, que têm custo inicial de R$ 5 a R$10 por funcionário, a Vitalk customiza um portal na internet e cria um programa de saúde mental para a empresa, com webinars, trilhas de conteúdo e acesso a um aplicativo de apoio psicológico para os funcionários. Os clientes típicos são pequenas e médias empresas em fase de crescimento, com 100 a 500 colaboradores.
“Os RHs querem montar programas de saúde mental e não sabem como. A gente vende um programa ponto a ponto, que faz o diagnóstico e cria mapas de calor para entender quais os departamentos que estão sofrendo mais e trabalhar de forma estratégica a satisfação dos colaboradores”, diz Michael Kapps, CEO e fundador da Vitalk.
Terapia digital
O modelo de negócios baseado em pacotes corporativos é o que dará sustentação financeira à empresa, mas a meta, diz Kapps, é outra.
“O nosso objetivo final é a democratização da saúde mental. Queremos ajudar a acabar com esse sofrimento, que afeta desproporcionalmente as populações mais vulneráveis. A nossa visão mais macro é nos estabelecermos como uma das primeiras terapias digitais do Brasil”, diz Kapps, um russo criado no Canadá, que se formou em Economia em Harvard e escolheu o Brasil para viver.
Esse é um negócio que tem crescido fortemente lá fora: atendentes virtuais que usam inteligência artificial e são alimentados por profissionais de saúde, com eficiência comprovada em testes clínicos, para oferecer tratamento em grande escala e a baixo custo.
As ‘prescription digital therapeutics’, ou PDTs, têm sido reconhecidas como uma nova classe terapêutica para tratamento de diversas questões de saúde. Nos Estados Unidos, por exemplo, a PDT já é reconhecida e aceita pela Food and Drug Administration (FDA), a equivalente americana da Anvisa. Esses tratamentos podem ser receitados por médicos e reembolsados por planos de saúde.
Uma das maiores expoentes desse novo mercado na área de saúde mental é a Pear Therapeutics, de Boston, uma investida da holding de Cingapura Temasek e do laboratório Novartis. Outros nomes, como Lyra Health, Modern Health e Spring Health, já são unicórnios do segmento.
No aplicativo de terapia digital da Vitalk (o mesmo que é disponibilizado nos pacotes corporativos), a atendente virtual Viki atua como uma espécie de guia psicológica dos usuários.
Uma equipe de PhDs em psicologia ensinam a robô a tratar de temas como picos de estresse, ataques de pânico, como dormir melhor, como ser mais produtivo ou lidar com situações de violência doméstica ou racismo. O acompanhamento é feito por meio do envio de testes, conteúdos e exercícios para os usuários. Em casos extremos, pode haver um encaminhamento para tratamento.
“A terapia digital é um aplicativo que o seu médico prescreve, com embasamento clínico e que pode curar, melhorar os sintomas do sofrimento”, diz Kapps.
O app tem uma versão gratuita e outra premium, com mais conteúdo, ao custo de R$ 15,90 por mês. Quanto mais usuários, mais o software aprende e mais personalizadas se tornam as jornadas de atendimento. Há ainda uma versão mais cara com atendimento por psicólogos contratados pela Vitalk, que conversam com os clientes por mensagens de texto.
“Não vai ser a mesma coisa do que fazer uma sessão de terapia de uma hora por semana. Mas a realidade é que não tem psicólogos suficientes no país. O Brasil tem cinco vezes menos psicólogos per capita que os Estados Unidos e dez vezes menos que a Europa. Muitos profissionais estão nos grandes centros, no Sudeste. Onde realmente precisa, esse atendimento não chega”, diz o empreendedor.
Para escalar o modelo de terapia digital, a ideia é atuar em parceria com órgãos públicos e com empresas, como seguradoras da área de saúde e farmacêuticas, oferecendo acesso ao aplicativo da Vitalk.
Chatbots, o começo de tudo
O curioso é que a Vitalk entrou no ramo de saúde mental meio por acaso. A empresa nasceu em 2014 com o nome de TNH Health e sua especialidade era outra: desenvolver chatbots para a área de saúde.
Foi assim que no início da pandemia de covid-19, por exemplo, a empresa desenvolveu um robô de atendimento, ou chatbot, para o Ministério da Saúde, que fez a triagem de 2 milhões de pessoas com sintomas da doença.
“Mas começamos a perceber que as pessoas estavam se abrindo e falando com os robôs sobre suas emoções, mandando até emojis. Percebemos que a epidemia de saúde mental era muito grande e que poderíamos ajudar.”