A União Europeia apresentou hoje uma proposta para proibir a importação de produtos agrícolas associados ao desmatamento. Algo que já era esperado, mas que agora se torna oficial e aumenta a´ pressão sobre o agro brasileiro.
A maior parte dos produtos que entram na mira da UE logo de cara afeta diretamente a pauta exportadora do país para o bloco: carne bovina, soja, madeira, café, cacau e óleo de palma – e também seus derivados, como chocolates, couro e móveis. Outros podem ser incluídos na lista no futuro.
A legislação ainda precisa ser aprovada pelos governos do bloco e também pelo Parlamento Europeu para valer. Mas pouca gente duvida que a proposta vingará. É uma questão de tempo e o agro brasileiro precisa se preparar se não quiser ser deslocado como fornecedor.
“Pelo clima que sinto na Europa, é algo irreversível”, diz José Pugas, sócio da gestora de recursos JGP responsável por ESG e um grande conhecedor da sustentabilidade aplicada ao campo no país. “Desmatamento é tóxico. Não temos como manter um fluxo de capital relevante para o Brasil se não houver um combate direto ao desmatamento.”
“Nossa regulação responde aos anseios dos cidadãos de minimizar a contribuição europeia para o desmatamento e de promover o consumo sustentável”, afirmou Frans Timmermans, vice-presidente executivo da Comissão Europeia (o órgão executivo da UE) e responsável pelo Green Deal do continente.
Os seis produtos correspondem a quase 20% das importações de commodities por parte da UE. Se aprovada, a lei vai exigir dos vendedores uma comprovação de que seus produtos não estão ligados a desmatamento ou degradação de terras desde 31 de dezembro de 2020.
A comprovação será feita por meio de imagens de satélite.
Virginijus Sinkevicius, comissário do meio ambiente da UE, afirmou que a medida não vai representar um “grande fardo burocrático sobre as empresas.”
A proposta não faz diferenciação entre desmatamento legal e ilegal, o que representa um conflito com a legislação brasileira. De acordo com o código florestal, propriedades produtivas podem desmatar até 20% de suas áreas na Amazônia, por exemplo.
“Concentrar-se somente no desmatamento legal significaria uma intervenção que depende do rigor das exigências e do cumprimento [das leis]” dos países exportadores, diz o documento da UE. O texto continua dizendo que isso poderia incentivar países altamente dependentes de exportações agrícolas a reduzir suas proteções ambientais com o objetivo de facilitar o acesso de seus produtos ao mercado europeu.
“No caso do Brasil, é um sinal claro de que os europeus têm pouca confiança no Congresso em relação à manutenção das leis de proteção da floresta”, diz Raoni Rajão, coordenador do Laboratório de Gestão de Serviços Ambientais da UFMG. “Foi o que aconteceu com o Código Florestal, que anistiou todo o desmatamento ilegal ocorrido no Brasil até 2008.”
A leitura é que a medida também atende a interesses protecionistas. Países como França e Irlanda, por exemplo, querem resguardar seus agricultores e pecuaristas de produtos importados.
Mas também é unânime a opinião de que esse tipo de argumento por parte das autoridades brasileiras sofre com a péssima reputação do país no que diz respeito à proteção das florestas.
Números divulgados pelo Instituto de Pesquisas Espaciais na semana passada indicaram que o desmatamento em outubro cresceu 5% em relação ao ano passado e bateu o recorde registrado para este mês.
Eventuais proibições e multas serão impostas diretamente aos produtores, não aos países. Empresas que fazem comércio na Europa já investem há anos em sistemas de rastreamento para comprovar as credenciais ambientais de suas exportações.
Considerando as commodities visadas pela UE, os produtos que mais “embutem” desmatamento são óleo de palma (34%), soja (32,8% do total), madeira (8,6%), cacau (7,5%), café (7%) e carne bovina (5%).
Borracha e milho, apesar de representarem um grande volume financeiro, são considerados menos críticos para o desmatamento e ficaram de fora da lista, por enquanto.