Numa decisão cercada de controvérsia, a União Europeia definiu que projetos de gás natural e energia nuclear poderão ser considerados ‘verdes’. A classificação do que pode ou não receber o selo de investimento sustentável foi aprovada hoje pelo Parlamento Europeu.
Isso significa na prática que essas duas fontes energéticas poderão potencialmente receber recursos bilionários de investidores que seguirem a taxonomia verde da UE.
A decisão de colocar gás e nuclear – desde que obedecendo alguns critérios técnicos – ao lado de fontes renováveis como solar e eólica causou celeuma quando foi revelada, de surpresa, em 31 de dezembro passado.
A reação dos ativistas foi imediata, e durante os últimos meses houve intensas negociações entre os eurodeputados para tentar obter os 353 votos necessários para alterar a classificação.
No final, não houve apoio suficiente. Em tese, os países-membros do bloco ainda podem barrar a medida, mas isso é considerado improvável.
A nova regra passa a valer a partir do começo do ano que vem – mas antes deve haver uma intensa briga judicial.
A crise de abastecimento de gás natural por causa da guerra da Ucrânia acentuou ainda mais divisões históricas entre os 27 países que integram o bloco.
Áustria e Luxemburgo, dois países que fazem oposição veemente às usinas atômicas, ameaçaram entrar com ações na Justiça para barrar o incentivo extra para a energia nuclear.
“Está completamente claro que tanto a energia nuclear quanto os gases fósseis não têm nada a ver com sustentabilidade”, afirmou a ministra da energia austríaca, Leonore Gewessler. “Naturalmente vamos contestar. Já fizemos os preparativos.”
O Greenpeace também prometeu contestar a taxonomia nas cortes.
Já a França, que gera dois terços de sua eletricidade em usinas nucleares e é um dos pilares da UE, é favorável à medida. O argumento é que a energia atômica não gera emissões de CO2 e não é intermitente, como fontes solares ou eólicas.
Transição energética
O continente vive um dilema sem soluções fáceis. Ao mesmo tempo em que tenta reduzir a dependência do gás importado da Rússia, a UE se comprometeu em zerar suas emissões líquidas de gases do efeito-estufa até 2050.
Um dos mecanismos para isso seria justamente a taxonomia verde. As tecnologias classificadas como sustentáveis dentro do esquema poderiam acessar recursos de fundos que se guiam por critérios ambientais.
Mas a ameaça de desabastecimento no curto prazo tem levado alguns países a estender a vida útil de usinas de carvão (ou até mesmo a religá-las).
Ursula von der Leyen, a presidente da Comissão Europeia (o órgão executivo da UE), afirma que a taxonomia não vai afetar o comprometimento do bloco com a energia limpa.
Mas os críticos da inclusão de gás e energia nuclear afirmam que o continente pode estar colocando em risco sua liderança global no que diz respeito à descarbonização da economia.
“Foi um golpe duro para a liderança da Europa. A UE foi pioneira em taxonomia, e agora outros estão fazendo [esse trabalho] muito melhor”, afirmou ao Financial Times Tsvetelina Kuzmanova, do centro de estudos especializado em meio ambiente E3G.
Ambientalistas, acadêmicos e muitos gestores de recursos afirmam que uma consequência prática da nova regra seria “roubar” dinheiro que seria destinado a fazendas solares ou eólicas.
Mas a regra tem algumas ressalvas importantes. No caso do gás natural, o carimbo “verde” só será aplicado se os projetos tiverem vida útil até 2035 – depois, eles devem ser convertidos para fontes renováveis. E há provisões que estabelecem limites máximos de emissões de CO2 por energia gerada.
No caso das usinas atômicas, há condições específicas para o descarte do material radioativo.
Mesmo superadas essas restrições, muitos investidores podem simplesmente ignorar os critérios estabelecidos pela UE. O próprio Banco Europeu de Investimentos, que pertence ao bloco, já afirmou que não fará empréstimos para essas duas fontes energéticas.
Gestores privados também já fizeram sinalizações no mesmo sentido. O risco, afirmam os analistas, é que as regras europeias para finanças climáticas, hoje consideradas o “padrão ouro” global, percam credibilidade.