Turbulência no mercado voluntário de créditos de carbono

Demanda e oferta estacionaram em 2022, depois de uma explosão no ano anterior, mostra um balanço feito pela BloombergNEF

Turbulência no mercado voluntário de créditos de carbono
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Depois de uma explosão em 2021, o mercado voluntário de créditos de carbono — em que as empresas buscam compensar suas emissões de forma espontânea — está passando por um processo de depuração.

Tanto a demanda quanto a oferta de créditos perderam bastante fôlego em 2022, segundo um levantamento da BloombergNEF, mostrando que a euforia do “carbono neutro” nas manchetes e nos relatórios de sustentabilidade esconde uma dinâmica complexa e cheia de desafios. 

“Se 2021 foi o ano da decolagem do mercado de offsets, 2022 seria mais bem descrito como o ano da turbulência inicial após ele ter atingido as nuvens mais baixas”, aponta a empresa de inteligência de mercado.

Foram analisados os números dos quatro principais registros dos chamados offsets, ou compensações: Verra, Gold Standard, American Carbon Registry e Climate Action Reserve.

Após ter quase dobrado no ano anterior, a demanda por créditos caiu 4% em 2022, para 155 milhões de toneladas de carbono equivalente. 

Os dados consideram a aposentadoria de créditos, feita quando as empresas efetivamente os usam para compensar suas emissões, fazendo com que os títulos saiam de circulação. 

Já a oferta ficou praticamente estável, com leve alta de 2% nas emissões de créditos de carbono no ano passado, para 255 milhões de toneladas. Em 2021, o salto havia sido de 113%. 

O cenário pode parecer contraintuitivo a um primeiro olhar, diante do crescente interesse das empresas (ao menos no discurso) pela compensação de emissões. 

Parte desse ajuste é técnico: a proibição da aposentadoria de créditos para transformá-los em tokens rastreáveis, expediente usado por empresas de criptomoedas como Toucan Protocol e a brasileira Moss, tirou um forte vetor de demanda. 

Segundo a Bloomberg, em 2021 as cinco principais empresas cripto aposentaram 18 milhões de créditos, valor que caiu para apenas 5 milhões de toneladas no ano passado (a proibição começou a vigorar no meio do ano).

Mas, na essência, aponta a BloombergNEF, a freada brusca no mercado de créditos está ligada a um certo amadurecimento por parte dos compradores, que começam a ficar mais atentos à qualidade dos projetos e o quanto eles efetivamente contribuem para evitar ou capturar emissões de gases de efeito estufa. 

(Entenda como funcionam os mercados de créditos de carbono.)

Sinal amarelo para o REDD+

O sinal de alerta é especialmente relevante para o Brasil. 

Sob maior escrutínio, estão os projetos de REDD+ ou desmatamento evitado, que podem ser uma arma relevante para o país conter a derrubada das florestas, nosso principal vetor de emissões de gases de efeito estufa. 

O segmento vem passando por um boom no país, com diversas empresas desenvolvendo projetos na casa das dezenas de milhões de dólares, especialmente na Amazônia.

Mas, no cenário global, a demanda por projetos de REDD+ caiu 40% em 2022 em relação ao ano anterior, de acordo com a BloombergNEF. 

“Estimamos que os 10 maiores projetos de REDD+ do mundo viram a demanda por seus créditos cair 53% entre 2021 e 2022”, aponta a empresa em relatório. 

Num projeto de desmatamento evitado não vale proteger qualquer área de floresta. O desenvolvedor precisa provar que a vegetação daquela região está sob risco de ser desmatada — e que o projeto, portanto, dá o incentivo adequado para mantê-la de pé. É o que torna o projeto “adicional”, no jargão do mercado.

Diversas reportagens vêm questionando a adicionalidade de projetos de REDD+, especialmente naqueles que cobrem extensões muito grandes de terra.

“As companhias estão cada vez mais atentas ao risco reputacional que vem com a compra de créditos que enfrentam essas críticas e os desenvolvedores estão respondendo tirando o pé do acelerador”, destaca a BloombergNEF.

Os autores do relatório apontam que a crítica a projetos individuais é “uma faca de dois gumes”.

“Por um lado, elas trazem questões reais com projetos de REDD+ que estão atraindo dezenas de milhares de dólares em investimentos. Por outro lado, também contribuem para uma erosão de fé generalizada, apesar de haver muitos projetos de alta qualidade nos registros.”

Gargalo nos auditores

Do lado da oferta, houve um recuo de cerca de 30% na emissão de créditos de REDD+ no ano passado. 

Apesar de não constar no relatório, um fator que vem sendo apontado por desenvolvedores é a demora na validação de novos projetos. No Verra, principal entidade de registro para créditos no mercado voluntário, o prazo para validar um projeto de REDD+ tem superado os dois anos. 

Em meio ao maior escrutínio em relação aos projetos, o próprio Verra tem atrasado a análise dos processos. Mas há também um gargalo nas firmas acreditadas pela entidade para fazer certificação e auditoria. 

No caso do Brasil, não há nenhum auditor local, com a maior parte deles concentrada na Índia e na Indonésia, o que gera muita confusão sobre as particularidades do país e vai-e-volta de projetos, afirmam fontes do setor. 

Preocupação com qualidade (pero no mucho)

No ano passado, a maior demanda foi, de longe, por créditos de carbono de energias renováveis. Eles responderam por mais da metade das aposentadorias, alta de 20% em relação a 2021 — que já tinha sido um ano recorde. A emissão ficou estável.

Berço do mercado de créditos no começo dos anos 2000, hoje o setor é repleto de projetos considerados de baixa qualidade. 

Como tecnologias como energia solar e eólica hoje já ganharam mais escala, a maior parte dos projetos não é mais considerada adicional, já que não precisa do incentivo econômico do crédito para ser tirada do papel e deslocar a produção de energia suja. 

Os principais esquemas de registros de crédito, Verra e Gold Standard, já não permitem mais a emissão de créditos de energias renováveis — mas projetos aprovados antes da proibição seguem emitindo. 

A diferença do REDD+, no caso, é o preço. 

“Os preços dos créditos de energia giraram em torno de US$ 7 por tonelada. Os créditos de REDD+ vêm com uma bagagem reputacional semelhante e giraram em torno de US$ 10,7 por tonelada. As companhias preferem comprar os créditos mais baratos”, pontua a Bloomberg. 

Desenvolvedores ouvidos pelo Reset apontam que as preocupações com qualidade dos projetos de REDD+ já bateram no preço. 

Se créditos de projetos com cobenefícios sociais e de biodiversidade chegaram a ser vendidos na casa dos US$ 18 por tonelada em meados de 2022, hoje em dia esse valor não costuma passar dos US$ 12. 

A aurora dos créditos de remoção

Outro destaque do balanço trazido pela BloombergNEF foi o aumento dos créditos de agricultura e de reflorestamento, que ainda representam uma fatia pequena do total, mas vêm ganhando participação.

Os créditos agrícolas cresceram 20 vezes, para 6,5 milhões de toneladas em 2022, com a quase totalidade vinda da China, especialmente de projetos de gestão de resíduos na criação de porcos e alguns projetos envolvendo o cultivo de arroz. 

“A agricultura deve ter um grande papel no mercado de compensações no futuro, na medida em que muitos sub-setores, como práticas regenerativas e melhora do manejo dos rebanhos focam na capacidade do solo de sequestrar carbono”, diz a Bloomberg. 

Os créditos de reflorestamento — segmento que vem atraindo grande atenção no Brasil — também tiveram uma alta de 56%. 

“Os setores de remoção [de gases de efeito estufa]  aumentaram sua percepção de valor no mercado”, escrevem os autores do relatório. “Espera-se que eles desempenhem papel primordial no mercado de compensações nos próximos anos.”