Trump começa desmonte da transição energética americana

Nas primeiras horas de mandato, presidente lança blitz de decretos para reverter política climática de Biden e expandir produção de fósseis

Trump começa desmonte da transição energética americana
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Donald Trump cumpriu a promessa de um choque logo nas primeiras horas de seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, tirando o país do Acordo de Paris e da Organização Mundial de Saúde, perdoando golpistas e começando o desmonte da política de transição energética americana.

Em uma aplicação sem precedentes de ordens executivas, um instrumento de poder que dribla o Legislativo, o republicano deixou clara sua intenção de reverter o bilionário pacote de incentivos aprovado por Joe Biden para reindustrializar o país em uma base mais sustentável.

Trump declarou uma “emergência energética nacional”, algo inédito na história do país, suspendendo restrições para perfuração de novos poços de petróleo e iniciando uma revisão das exigências regulatórias ambientais para novos empreendimentos, incluindo de mineradoras.

Regras mais estritas de emissões de poluentes que na prática serviam de incentivo para a adoção de veículos elétricos serão abandonadas. O mesmo vai acontecer com requisitos de eficiência energética para aparelhos como lava-louças.

Carros e eletrodomésticos foram mencionados inúmeras vezes por Trump em comícios como objetos de políticas governamentais que feriam a liberdade de escolha do consumidor americano.

Outra obsessão do presidente, que volta ao poder agora condenado criminalmente pela Justiça, são as turbinas de energia eólica. Trump determinou a suspensão dos processos de concessão de áreas em alto-mar para a instalação de projetos de energia eólica offshore.

“[Os cataventos] matam aves e estragam lindas paisagens. Tirando isso, são ótimos”, disse o presidente americano em um de seus discursos nesta segunda-feira.

‘Pacote anticlima’

Os primeiros decretos foram assinados antes mesmo de Trump pisar novamente no Salão Oval da Casa Branca. Recém-empossado presidente americano, ele tomou seus primeiros atos oficiais num comício organizado às pressas numa arena esportiva – o tradicional desfile da posse foi cancelado por causa do frio de -7°C.

A saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e uma carta à ONU formalizando a decisão estavam na primeira pilha de documentos a receber a assinatura de Trump.

“Vou sair imediatamente do injusto e desigual Acordo Enganação de Paris”, afirmou ele perante milhares de apoiadores. “Os Estados Unidos não vão sabotar sua própria indústria enquanto a China polui. Ou todo mundo faz, ou não funciona”, disse, em referência a um suposto desequilíbrio nos objetivos de descarbonização dos países.

Mas o Acordo de Paris, que Trump abandona pela segunda vez, impõe somente a obrigação de apresentar um plano de corte de emissões de carbono, que é voluntário e determinado nacionalmente. Não há mecanismos que forcem o cumprimento do prometido ou prevejam penalizações.

O princípio fundamental do tratado é a colaboração internacional, ameaçada de forma possivelmente irreversível com a repetição do boicote americano.

Sem os Estados Unidos, segundo maior emissor de gases de efeito estufa (depois da China), o objetivo de limitar a 1,5°C o aumento da temperatura global fica fora do alcance.

Esse aumento da ambição climática global será uma das medidas do sucesso da COP30, que acontece em novembro em Belém e será presidida pelo Brasil.

“Serão tempos desafiadores para o mundo inteiro”, afirmou a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, em nota na noite de segunda-feira.

O decreto referente a Paris também acaba com todas as contribuições financeiras do governo americano para os esforços de financiamento climático, um dos pontos cruciais das negociações e que devem voltar à pauta na COP30.

Todos os órgãos que “planejam ou coordenam acordos internacionais de energia devem doravante priorizar eficiência econômica, a promoção da prosperidade americana, [o direito de] escolha do consumidor e moderação fiscal”, diz o texto.

Rolo compressor

Com uma introdução que lembra uma peça de campanha eleitoral, o decreto que estabelece a emergência energética afirma que a “identificação, concessão desenvolvimento, produção, transporte e capacidade de geração de energia e minerais críticos são absolutamente inadequados para as necessidades de nossa nação”.

A medida prevê a remoção de obstáculos para a produção de energia de fontes fósseis, incluindo a aceleração de licenças ambientais. Em um de seus últimos atos como presidente, Biden havia proibido a abertura de novos poços em alto-mar em uma enorme área costeira do país.

Uma das provisões determina que o Comitê de Espécies Ameaçadas, que protege a biodiversidade, deverá se reunir no mínimo trimestralmente para analisar o licenciamento de novos empreendimentos.

Outro decreto instituído no primeiro dia de mandato prevê “destravar o potencial extraordinário de recursos naturais do Alaska”. O objetivo é permitir a exploração de óleo e gás em áreas de proteção ambiental do Estado.

Desmonte

Muitas das medidas não significam uma mudança imediata, mas preparam o terreno para que decisões de gestões anteriores sejam revertidas pelo novo governo.

Elas serão combinadas com a prometida purga de funcionários de carreira da máquina federal que fariam parte do deep state, uma suposta conspiração que, segundo Trump, o impediu de levar a cabo seus planos no primeiro mandato.

Uma das ordens executivas reclassifica servidores públicos como contratações políticas, o que na prática abre o caminho para demissões por “insubordinação”.

A obediência total aos desígnios do presidente é um dos pilares do chamado Projeto 2025, um projeto desenhado por uma entidade de extrema direita do qual Trump tentou se afastar durante a campanha.

Show business

Algumas das primeiras medidas anunciadas por Trump foram essencialmente performáticas, como diretivas para que o governo americano “acabe com a censura” e ataque o problema do alto custo de vida.

A cada assinatura, Trump exibia os papeis para as câmeras. No fim desse primeiro despacho oficial, ainda no comício, o novo presidente arremessou as canetas para o público na arquibancada.

Outras terão consequências imediatas. Cumprindo a promessa central de sua campanha, Trump declarou emergência na fronteira com o México. Com uma canetada, acabou com um programa que buscava reunir crianças separadas dos pais ao tentar ingressar no país sem documentação.

Quase 80 decretos da gestão de Joe Biden foram derrubados, entre eles uma reforma para acabar com estrangulamentos por parte de forças policiais e reduzir o uso de mandados que permitiam invasão sem aviso da casa de suspeitos.  

O impacto real dessa blitz ainda levará muito tempo para ser determinado. As ordens executivas, um tipo de medida que não depende de aprovação pelo Congresso, podem ser contestadas na Justiça.

Organizações de defesa dos direitos civis já preparam ações legais para derrubar algumas delas, especialmente as que se referem à imigração.