Tuítes, bitcoins e um CEO fanfarrão: na Tesla, a falácia ESG

Rompantes de Elon Musk são um sinal notório de que não é à toa que o S (de social) e o G (de governança) vêm logo após o E (de ambiental)

Tuítes, bitcoins e um CEO fanfarrão: na Tesla, a falácia ESG
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Três meses depois de dizer que aceitaria bitcoins na compra de carros da Tesla e anunciar a compra de US$ 1,5 bilhão na criptomoeda pela tesouraria da empresa, Elon Musk… bem, simplesmente mudou de ideia. 

Como sempre comunicando fato relevante por meio do Twitter, o CEO da maior fabricante de carros elétricos do mundo parece ter se dado conta do dia para a noite que o bitcoin não é lá muito sustentável. 

“Estamos preocupados com o rápido aumento do uso de combustíveis fósseis para mineração e transações com bitcoin, especialmente carvão, que tem as piores emissões [de gases-estufa]”, escreveu na rede social. 

Foi o suficiente para derrubar o preço da moeda em mais de 10%. 

O problema ambiental do bitcoin está longe de ser uma novidade. Por conta do design da própria criptomoeda, a mineração do bitcoin é super intensiva em energia e, quanto mais cara a cotação, mais energia é necessária para validar as operações.   

Mas tampouco é novidade o completo desprezo de Musk pela ética e pela governança, o que torna a Tesla um dos exemplos mais notórios de que ter uma atividade-fim que se propõe a resolver um problema ambiental não significa, de forma alguma, que a empresa “seja” ESG.  

Quando anunciou que investiria em bitcoin, a empresa logo foi questionada por conta do paradoxo ambiental da aposta. 

Mas, muito mais do que isso, a recente reviravolta é mais um sinal notório de que não é à toa que o S (de social) e o G (de governança) vêm logo após o E (de ambiental). 

Há apenas duas semanas, o CFO da Tesla, Zach Kirkhorn descreveu o racional por trás da decisão de comprar os bitcoins: “Elon e eu estávamos buscando por um local para colocar o caixa que não estava sendo imediatamente utilizado, tentando ter algum nível de retorno.” (Nem um piu sobre a volatilidade enorme da criptomoeda.)

No primeiro trimestre, a companhia vendeu US$ 200 milhões na moeda, com lucro de US$ 100 milhões na transação — o que, ao lado das vendas de créditos de carbono, ajudou a empresa a não fechar no vermelho no período. 

O executivo, que se autointitulou “Master of Coin” da companhia em documentos regulatórios, agora não vai poder usar da fanfarronice para explicar o que fará com os bitcoins que permanecem em caixa. 

O tuíte de Musk dizia que “a Tesla não vai vender nenhum bitcoin” e que a empresa “pretende usar a moeda para transações tão logo a mineração caminhe para energia mais sustentável”.

Mas já escaldado pelos rompantes de Musk, investidores — e provavelmente os reguladores — estão esperando o balanço do segundo trimestre para ver se a empresa não vendeu bitcoins logo antes do tuíte. 

Apertem os cintos, o conselho sumiu

Mais do que as razões para o cavalo de pau na estratégia, o que mais chama atenção é como foi o processo de aprovação do investimento na criptomoeda, para começo de conversa. 

Aparentemente, a supervisão do conselho sobre o CEO e maior acionista da companhia continua um problema, apesar dos alertas dos reguladores financeiros e da pressão de investidores nos últimos anos.  

No passado, Musk costumava chutar alto as projeções de produção dos veículos elétricos, para depois frustrá-las nos números efetivos. Em 2016, fez um resgate bem questionável ao fundir à Tesla a SolarCity, a firma de painéis solares controlada pelo seu primo. 

Dois anos depois, tuitou que considerava fechar o capital da companhia, sem antes fazer as comunicações regulatórias (que, a propósito, nunca vieram). Tomou uma multa de US$ 20 milhões da SEC, a xerife do mercado americano, e perdeu a posição de presidente do conselho. 

Um conselho inerte, cheio de amigos e familiares, foi conivente com esse tipo de comportamento. 

Com a pressão de investidores, o mix mudou um pouco desde então para incluir nomes mais independentes e qualificados, como Hiro Mizuno, ex-CIO do Japan’s Government Pension Investment Fund. 

Mas claramente a nova configuração ainda não é suficiente para frear o “Technoking”, como ele mesmo se autointitulou depois de ter bombado os bitcoins. 

Em tempo, consistência não é o forte de Musk: no domingo, ele anunciou que a SpaceX, sua empresa privada de foguetes espaciais, fará uma missão à lua financiada por Dogecoins, a criptomoeda que nasceu como meme e está bombando graças ao entusiasmo do CEO da Tesla.

Há apenas dois dias, ele perguntou a seus seguidores no Twitter se a Tesla deveria aceitar dogecoins — que funcionam basicamente com a mesma estrutura do bitcoin do ponto de vista energético — como pagamento. A maioria disse sim.