Por que o SAF precisa decolar

Por que o SAF precisa decolar
A A
A A

(Este texto foi publicado em primeira mão na newsletter Carbono ZeroInscreva-se aqui.)

O plano de voo até o net zero está traçado faz tempo, mas o avião ainda está na pista esperando que encham o tanque. A imagm é uma descrição bastante razoável (e um pouco infame, admito) dos planos para descarbonizar a aviação.

Os aviões representam cerca de 2% do total das emissões de gases de efeito estufa mundiais. É bem menos que a produção de aço e cimento – 15%, somando os dois setores –, mas não há como comparar o fascínio de cruzar o mundo em algumas horas com os materiais usados na construção de um viaduto.

Há cada vez mais aviões nos céus. A Associação Internacional do Transporte Aéreo (Iata) estima que o número de passageiros transportados pode mais que dobrar até 2040, em comparação com 2023.

Dez anos depois, o setor tem de atingir a prometida neutralidade (palavra-chave aqui, voltaremos a ela) de carbono.

Em uma empresa aérea típica, mais de 95% das emissões de CO2 que resultam diretamente de suas atividades vêm da queima de querosene de aviação.

Com exceção das aeronaves muito pequenas, instalar motores elétricos é inviável – as baterias pesam demais. A solução é encontrar algum combustível limpo, ou pelo menos mais limpo, que o usado hoje em dia.

Caminhos diversos

As tecnologias – no plural – já existem. O querosene de aviação é feito só de petróleo, mas os combustíveis sustentáveis de aviação podem utilizar várias matérias-primas diferentes, incluindo óleo de cozinha reciclado e lixo orgânico.

A sigla que dá nome a essas inovações é SAF, de sustainable aviation fuels. No nível da molécula, o SAF é idêntico ao equivalente fóssil, ou seja, não exige adaptações na infraestrutura de transporte e abastecimento nem nos motores.

Existem diversas rotas tecnológicas para obter o SAF. Hoje, são três as principais apostas para a produção em grandes volumes:

. Óleos – Gorduras animais ou vegetais, como óleo de soja ou da promissora macaúba (inclusive depois de usados), são submetidas a um processo de refino que os transforma em hidrocarbonetos. Trata-se de um produto diferente do biodiesel convencional, que precisa ser misturado ao diesel fóssil;

 . Álcoois – Moléculas de etanol são convertidas em um processo químico de várias etapas que transforma o combustível – seja de milho, cana-de-açúcar ou celulósico (o etanol de segunda geração) – em SAF. O processo também funciona com outros tipos de álcool;

 . Hidrogênio verde e carbono – Hidrogênio de baixas emissões, como o produzido via eletrólise da água, é combinado com moléculas de carbono capturadas na fonte de emissão ou retiradas do ar. O resultado é um combustível sintético, conhecido como eFuel ou Power-to-Liquid.

É a porcentagem das emissões de CO2 da aviação que serão abatidas em 2050 com a troca do combustível fóssil por SAF

Ingrediente fundamental

Dois terços da meta de descarbonização da aviação até a metade do século virão do uso de SAF.

O restante se divide em novas tecnologias (incluindo eletrificação e hidrogênio), ganhos operacionais e uma porção considerável (19%) de créditos de carbono.

Essa é uma distinção importante em relação ao que acontece com os carros. Um veículo elétrico, carregado com eletricidade de fonte limpa, não emite nenhum novo carbono ao circular.

O SAF, ao ser queimado, segue lançando CO2 na atmosfera. Mas é um carbono que foi reciclado (no caso dos combustíveis sintéticos) ou que já embute uma “compensação” em sua produção (caso dos que têm origem orgânica).

Um avião movido a SAF tem uma pegada de carbono até 80% menor em comparação com o querosene fóssil, em termos líquidos, segundo a Iata.

A questão é que esse combustível hoje é produzido em quantidades ínfimas.

No ano passado, os renováveis representaram 0,1% do total de querosene de aviação consumido globalmente. Este ano, a porcentagem pode chegar a 0,5%.

A oportunidade brasileira

A Iata espera que a produção dos vários tipos de SAF engrene para valer na próxima década. Os investimentos estão sendo feitos agora – inclusive no Brasil.

Com décadas de experiência na produção de biocombustíveis e liderança tecnológica na agricultura, o país tem o potencial de ser um grande exportador dessa nova commodity.

A movimentação é grande. Quem pretende produzir sabe que a demanda já existe hoje, e vai crescer muito no futuro. Mesmo sem obrigações regulatórias, companhias aéreas de todo o mundo querem garantir o mais cedo possível o fornecimento do insumo essencial para sua jornada net zero.

O PL do Combustível do Futuro, em tramitação na Câmara, cria um programa nacional para estimular esse novo segmento da indústria de biocombustíveis.