Por que as montadoras estão investindo em mineração

Aumento na produção de veículos elétricos está provocando uma corrida para garantir metais básicos das baterias e diminuir dependência da China

Bateria de lítio para carro elétrico e conexões de energia
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Para quem acompanha a revolução elétrica que acontece na indústria automobilística, a notícia de que a Tesla estaria interessada em comprar a Sigma Lithium, uma empresa que explora lítio em Minas Gerais, não foi exatamente uma surpresa.

A informação não foi confirmada, e a mineradora diz “não comentar rumores”. Mas a disputa pelos chamados metais da transição energética é muito real.

Da jovem empresa de Elon Musk à centenária General Motors, as montadoras estão envolvidas numa corrida mundial pelo acesso às matérias-primas essenciais das baterias, o componente mais caro e mais crítico de qualquer veículo elétrico.

O movimento evoca os primeiros anos da indústria automotiva, muito antes de inovações como o sistema just in time e das cadeias de suprimento globalizadas.

Quase cem anos atrás, quando precisava garantir a borracha usada nos pneus de seus carros, Henry Ford estabeleceu uma presença fixa na Amazônia: a Fordlândia.

Com a onda de verticalização que se desenha em torno dos motores elétricos, a ideia de uma Teslalândia no Vale do Jequitinhonha, com minas de lítio no lugar de seringueiras, não parece tão fantasiosa.

Abundante, mas rarefeito

O crescimento vertiginoso dos elétricos, que representaram 10% dos carros vendidos no mundo no ano passado, fez disparar o preço de vários metais, entre eles o cobre, o níquel e o cobalto.

De todos, o que talvez melhor resuma os desafios da eletrificação é o lítio. O minério não é o item mais caro de uma bateria, mas está presente em todas elas, da mais moderna usada em carros de luxo à que carregamos no bolso, dentro dos smartphones.

O problema tampouco é o suprimento do material básico: o lítio é um dos elementos mais abundantes do planeta. Mas o grau de pureza exigido pelas baterias passa por um gargalo: hoje, 70% do refino de lítio acontece na China.

Como mostrou a guerra da Ucrânia com o gás natural, depender demais de uma única fonte pode ter alto custo financeiro e geopolítico.

No começo deste mês, a GM anunciou um investimento de US$ 650 milhões em uma companhia que vai explorar lítio no estado de Nevada, nos Estados Unidos. É o maior investimento da montadora até aqui para garantir o suprimento do mineral.

Em troca do dinheiro, a fabricante terá acesso exclusivo à produção da primeira fase de operação da mina, o que deve acontecer em 2026.

“Estamos absolutamente convencidos de que se trata de uma corrida, de um jogo de soma zero, e que os recursos são finitos”, afirmou num evento no ano passado Tanya Skilton, responsável na GM pela compra desses insumos.

O interesse também tem um lado comercial importante: muitos dos incentivos do pacote verde de Joe Biden só valem se determinados componentes, entre eles a bateria, forem made in USA ou em países com os quais os Estados Unidos têm acordos comerciais – o que exclui a China.

Baterias em todo lugar

A Agência Internacional de Energia calcula que, num cenário de descarbonização acelerada, a demanda global por lítio pode ser 40 vezes maior em 2040 em comparação com 2020.

Além de carros, a estimativa leva em conta o uso de baterias de grande porte no sistema elétrico. Elas serão necessárias para garantir fornecimento de energia conforme aumenta a participação de fontes intermitentes, como solar e eólica.

Mesmo com os investimentos em andamento, que devem representar um adicional de quase 2 milhões de toneladas de lítio já em 2026, segundo a Bloomberg NEF, existe o risco de que a produção não dê conta da onda global de eletrificação.

Em outras palavras: a competição que existe hoje entre as montadoras tende a ficar ainda mais acirrada no futuro próximo.

“Se você me perguntasse cinco anos atrás, eu teria respondido que isso é trabalho do mercado de commodities”, disse o CEO da Mercedes-Benz, Ola Källenius, ao Financial Times.

Mas o que antes era uma simples compra de commodities hoje tornou-se negociação estratégica. Em outubro passado, a companhia alemã firmou um contrato de € 1,5 bilhão com uma empresa canadense para garantir que seus fornecedores de baterias não fiquem sem matéria-prima.

A meta declarada da Mercedes-Benz é produzir apenas carros elétricos em 2030.

Avançando na cadeia

Além dos rumores envolvendo a Sigma Lithium, a Tesla também está se movimentando em outros elos da cadeia do minério. A pioneira dos carros elétricos tem planos de construir uma refinaria de lítio no Texas, um investimento de US$ 365 milhões.

A planta será a “primeira planta do tipo nos Estados Unidos e [terá capacidade de processar] outros materiais usados em baterias”, segundo documentos apresentados pela empresa às autoridades locais.

Há algumas semanas, respondendo a uma postagem no Twitter, Elon Musk afirmou que a capacidade global de refino do lítio precisa aumentar “dramaticamente”.

Em outras ocasiões, Musk disse que o preço do metal tinha atingido níveis “insanos” e classificou o refino como uma “licença para imprimir dinheiro”, em referência às altas margens do negócio.

O níquel da Vale

Segundo a Bloomberg, a GM também estaria interessada em comprar uma participação na unidade de metais básicos da Vale.

A mineradora brasileira anunciou a intenção de fazer um spin-off do negócio que explora matérias-primas da transição energética. A expectativa, segundo a Bloomberg, é que a companhia consiga mais de US$ 2 bilhões com a separação.O objetivo da Vale é ter um sócio nesse novo negócio. A empresa tem minas de níquel no Canadá e na Indonésia e já tem acordos de venda para a própria GM, além da Tesla e da fabricante de baterias sueca Northvolt (que tem Volkswagen e BMW) entre os sócios.