Como a transição energética vai mudar o negócio da Vale

Sai a China, entram siderurgia verde e baterias: Luciano Siani adianta a estratégia da mineradora para crescer com a economia de baixo carbono

Luciano Siani, vice-presidente executivo de inovação e transformação de negócios da Vale
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Após quase dez anos como diretor financeiro da Vale, Luciano Siani assumiu uma nova vice-presidência, de estratégia e transformação de negócios, em novembro do ano passado. O mandato: pensar o futuro da mineradora. 

“Quando fui convidado, o Eduardo Bartolomeo [CEO da mineradora] disse que a empresa estava olhando muito para o retrovisor”, diz.

Era uma referência às tragédias de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), que deixaram 288 mortos. 

A Vale tem de corrigir os erros do passado, mas também se preocupar com as transformações no horizonte. As siderúrgicas, principais clientes da empresa, são responsáveis por quase 10% das emissões mundiais de CO2. 

O carro elétrico certamente é mais sexy, mas limpar a produção do aço é um dos grandes desafios da economia de baixo carbono.

Isso afeta diretamente o negócio da mineração. Das várias tecnologias que miram a siderurgia sustentável, uma das mais promissoras envolve o uso de hidrogênio verde – e requer um minério de ferro de maior grau de pureza.

Se nos últimos 20 anos a Vale cresceu junto com a economia chinesa, nos próximos 20 os motores serão outros. 

“A China continua importante, mas o crescimento passa a vir das oportunidades que se abrem com a transição energética”, diz Siani.

Uma delas será a de oferecer uma “commodity diferenciada”, que vai ajudar na redução de emissões da siderurgia.

“Provavelmente não vamos buscar aumentar volumes”, afirma o executivo. “Nosso objetivo vai ser mais e mais agregar valor, soluções e margem.”

O outro foco importante será atender a sede insaciável do mundo por matérias-primas de baterias, os chamados metais da transição energética ou da eletrificação.

Siani conversou com o Reset antes do investor day da empresa, que acontece hoje – e quando devem ser anunciados mais detalhes a respeito da estratégia.

Ele traçou um panorama da transformação que começa a acontecer em uma das maiores companhias do país, um negócio que vale R$ 415 bilhões de reais na bolsa e faturou R$ 293 bilhões no ano passado.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

A transição energética e a Vale

Hoje existe uma transformação em curso muito grande na indústria. Nos últimos 20 anos, o mercado da mineração foi puxado pela China. Os próximos 20 vão ser muito diferentes.

A China continua importante, mas o crescimento passa a vir das oportunidades que se abrem com a transição energética. O principal eixo de atuação é reposicionar a Vale para esse novo futuro, em que você vai ter uma demanda mais global, não só mais puxada pela China, e uma nova demanda por alguns minerais específicos.

Nosso negócio de metais básicos, que vendia níquel [para a produção de] aço inoxidável, agora tem que se reposicionar totalmente na direção da eletrificação.

Vamos explorar como o avançar na cadeia para suprir o mercado de baterias. Nós fizemos o anúncio de uma planta de sulfato de níquel no Canadá. Eventualmente, processamento de sucata, e-waste (lixo eletrônico), todo o tema de reciclagem, que será muito importante.

Também eventualmente a entrada em novos em novas commodities, como o lítio, que está muito em evidência. Para aproveitar essa oportunidade, temos a intenção de ter uma unidade de negócios separada e independente. Vamos dar mais detalhes a respeito no nosso investor day.

O negócio das baterias

Somos o maior produtor de níquel do Ocidente. Nosso presidente esteve recentemente na Indonésia. Vamos triplicar nossa produção de níquel no país.

No primeiro momento ele vai atender o mercado de de aço inoxidável, mas já temos projetos para produção de níquel que é usado em baterias.

A maioria dos mineradores quer entrar em lítio. Mas os preços estão tão elevados, tanto do metal quanto dos projetos [que poderiam ser adquiridos], que a Vale vai continuar olhando, mas é difícil encontrar uma equação para entrar no negócio hoje.

E não se trata só das commodities. Além da planta de sulfato de níquel, assinamos acordos com a Tesla, com a GM e com a Northvolt [empresa sueca de baterias que tem entre seus sócios a Volkswagen e a BMW].

A reciclagem também é uma oportunidade. As montadoras vão coletar as baterias usadas, e parceiros vão fazer a primeira separação.

Mas para extrair o níquel, o cobre e cobalto você precisa de processos que nós sabemos fazer. Você precisa de uma refinaria. É algo muito novo. Estamos começando com parcerias comerciais, vamos ver como isso se desenvolve.

A siderurgia de baixo carbono

Na siderurgia, que é o principal segmento cliente da Vale, vai haver uma transformação sem precedentes. Seremos uma provedora de soluções para descarbonização da siderurgia, e não mais simplesmente um fornecedor de minério de ferro.

Existem muitas tecnologias concorrentes [para produzir aço com baixas emissões] e a maior parte delas requer um minério de mais qualidade.

O que mais parece mais promissor hoje é usar a rota de redução direta, que é comum no Oriente Médio, e substituir o gás natural pelo hidrogênio verde em plantas que já existem.

Mas existe um problema. Essas plantas requerem uma qualidade [de minério de ferro] que hoje está em falta no mundo. O segundo ponto é que o hidrogênio verde não vai estar disponível com abundância em todo mundo.

Essa produção deve se localizar mais em algumas geografias que têm o privilégio de ter energia renovável em abundância e de baixo custo.

Anunciamos recentemente um hub de soluções no Oriente Médio que, se der certo, pode ser replicado em outras partes do mundo. A região já tem muito gás natural, e provavelmente terá hidrogênio verde competitivo [por causa do potencial solar].

A ideia é fazer uma pré-concentração do minério de ferro no Brasil, levar para lá e então usar nossa tecnologia para ter produtos de maior valor agregado, que ajudem na redução das emissões desse tipo de siderurgia.

A segmentação do minério de ferro

O mercado vai mudar bastante. Vai haver segmentação. Vemos um descolamento cada vez maior desses produtos mais elaborados em relação ao minério padrão, que supre a siderurgia do alto-forno.

Essa diferença de preço já se manifesta há um ou dois anos, mas esperamos descolamento completo dos dois mercados. O mesmo acontece com o níquel. O que é usado em baterias tem uma precificação do que é usado no aço inoxidável, que é o níquel de maior volume, mais tradicional.

Claro que ainda vai existir demanda para minério padrão ou de baixa qualidade. A China vai levar mais tempo que o resto do mundo pra fazer essa transição. Eles mesmo anunciaram que estão mirando chegar ao net zero em 2060, não em 2050 como a maioria dos países.

Essa demanda pelo aço de baixo carbono vem primeiro principalmente da Europa, do Japão e dos Estados Unidos. É para onde a Vale quer redirecionar seus produtos.

Provavelmente não vamos buscar aumentar volume daqui pra frente. É claro que a gente ainda precisa voltar com a produção de minas nossas que ainda estão produzindo a baixa capacidade. Mas, uma vez atingindo a capacidade plena, o nosso objetivo vai ser mais e mais agregar valor, soluções e margem ao nosso negócio.

A percepção dos investidores

O interesse maior dos investidores ainda está nas empresas que produzem níquel, cobre, cobalto, lítio. Muitos ainda não veem a siderurgia e o minério de ferro como negócios da transição energética. Nossa intenção é mudar essa percepção.

Fala-se muito de eletrificação e carro elétrico, mas o transporte é 19% ou 20% das emissões globais. A siderurgia é quase 10%. A descarbonização da siderurgia é uma tarefa de ordem de grandeza comparável.

Economia circular

Em torno das competências-chave da Vale tem uma série de outras oportunidades virtuosas emergindo. Como a empresa tem feito a descaracterização e utilizado menos barragens, temos gerados muitos coprodutos.

Entramos no mercado de areia, por exemplo. Estamos dominando a tecnologia de concentração do minério de ferro a seco, que prescinde a necessidade de barragens.

Entramos no mercado de geopolímeros, para tentar oferecer um cimento com baixas emissões de CO2. Com nossa experiência na Amazônia, buscamos fomentar soluções baseadas na natureza, para capturar créditos de carbono.

Claro que isso é muito incipiente, mas queremos nos posicionar no futuro também como protagonistas na economia circular.

Transformação cultural

A companhia no passado sempre foi muito autossuficiente. Tendia a desenvolver todas as tecnologias internamente e tinha uma atitude de proteção de propriedade intelectual muito forte. Entendemos que isso tem que mudar radicalmente.

Temos que trabalhar muito mais em parceria, não só para reduzir riscos e alavancar capital, mas também para buscar competências que a gente não tem. A empresa precisa estar inserida em vários ecossistemas, para conhecer o que tem de novo.

Estamos incentivando os nossos colaboradores a tentar soluções novas. Se errar não tem problema. É aquela história da metodologia ágil. São centenas de squads rodando. Temos sete hubs de inovação e vamos inaugurar outros dois.Mineração sempre foi uma indústria muito tradicional e hierárquica. Queremos ser menos top down e centralizados e mais orgânicos. Você nunca sabe de onde vai vir the next big thing.