
A transição energética do mundo já estava fora do ritmo: mais devagar do que a urgência climática pede. Os tarifaços de Donald Trump vão piorar esse cenário, ao encarecer as tecnologias de energia renováveis.
Um estudo da McKinsey fez os cálculos do impacto do aumento das políticas protecionistas dos Estados Unidos e União Europeia (UE) para protegerem seus mercados, especialmente da concorrência da China, maior fornecedora global de equipamentos de painéis solares, baterias e turbinas eólicas.
A consultoria avalia que a adoção de tecnologias limpas deve continuar, mas que ela levará mais tempo e custará mais enquanto durarem as tarifas e quanto mais altas elas forem.
Em um cenário de tarifas elevadas, os Estados Unidos veriam uma estagnação da participação de energias limpas em sua matriz energética em 49% após 2035, ante avanço para 69% na projeção sem o tarifaço. Na UE, ela atrasaria em dois anos, para 2037, a meta de atingir 86% de energia renovável na matriz elétrica.
As tecnologias analisadas pelo estudo foram: energia solar, eólica em terra (onshore) e mar (offshore), carros elétricos e sistemas de armazenamento de energia por bateria (BESS, na sigla em inglês).
Nessa briga, quem deve ganhar espaço é o gás natural, tanto nos EUA quanto na Europa, em detrimento de uma maior adoção de energias renováveis. Ele seria impulsionado pelo baixo custo e pelo aumento da demanda por energia. Com a escalada das tarifas, a participação do gás natural poderia chegar a 31% nos EUA em 2035.
“Desenvolvimentos geopolíticos e tecnológicos estão criando potenciais rupturas, deslocando o foco de uma rápida transição energética para outras prioridades, incluindo a corrida pela liderança em IA generativa, o aumento dos orçamentos de defesa nos países europeus e novas alianças comerciais”, diz a análise da McKinsey.
Os países europeus têm revisto seus orçamentos para aumentar os gastos com defesa, diante das ameaças de Trump de retirar o apoio militar à Ucrânia e possivelmente abandonar a aliança militar do Atlântico Norte, a OTAN. A ONU chegou a pedir que a Europa não troque o clima pelas armas.
Sem sol, nem vento
O estudo da McKinsey traça três cenários para a transição energética.
O primeiro considera a manutenção das políticas comerciais em vigor em 2024: tarifas de 50% sobre painéis solares, 25% sobre baterias e 100% sobre veículos elétricos que entram nos Estados Unidos – e até 35% adicionais sobre veículos elétricos que entram na União Europeia – vindos da China. Seria o cenário base, o único em que haveria uma “aceleração da produtividade”.
O segundo apresenta um cenário intermediário, com tarifas dos Estados Unidos de 20% sobre todos os produtos da China, 25% sobre produtos do México e Canadá e uma média de 52% sobre módulos solares de países do Sudeste Asiático.
O terceiro, chamado de “escalada das tensões globais”, pressupõe tarifas de 60% sobre todos os produtos que entram nos Estados Unidos vindos da China e 20% sobre produtos de outros parceiros comerciais. Considera uma tarifa média da União Europeia de 47,7% sobre painéis solares e baterias da China e 140% sobre as importações de turbinas eólicas da China. É sobre esse cenário que se concentram as projeções.
Em junho, a China e os EUA suspenderam as tarifas de mais de 100% entre os dois países. Os EUA aplicaram uma tarifa adicional de 30% sobre todos os produtos vindos da China, que respondeu com uma tarifa de 10% sobre todos os produtos americanos. A União Europeia manteve tarifas de até 35% sobre veículos elétricos chineses.
No cenário de escala de tensões e tarifas, a energia solar seria a mais afetada. A McKinsey calcula uma redução da capacidade instalada de 9% nos EUA e 7% na União Europeia em 2035, em relação ao cenário de continuidade das políticas de 2024. Neste último, a capacidade solar poderia mais do que dobrar em ambos os lugares.
No caso da energia eólica, o impacto maior seria na Europa. Isso porque a região importa 36% da sua tecnologia eólica da China, enquanto os Estados Unidos dependem em menor escala, com 17% das importações. A projeção da McKinsey é de uma redução, na Europa, de 6% na capacidade instalada de energia eólica onshore e offshore em 2035 em relação ao cenário de continuidade.
No cenário mais otimista, o estudo projeta que a capacidade de energia eólica em terra cresceria cerca de 50% na UE e 40% nos EUA até 2035. No caso da energia eólica offshore, a expansão seria ainda mais expressiva na Europa, de 2,9 vezes.
Baterias e elétricos
A União Europeia também depende mais das importações chinesas para sistemas de armazenamento de energia por bateria. Com o aumento das tarifas, a projeção é de que a capacidade instalada desses sistemas cairia 4% nos EUA e até 10% na UE, em relação ao cenário mais otimista.
A China é o principal exportador desses sistemas no mundo. Mas matérias-primas críticas para baterias, como lítio e cobalto, estão presentes em outras regiões, como América Latina, África e Austrália, o que abre caminhos para diversificação de rotas comerciais, segundo a McKinsey.
O cenário de tarifas altas também pode impactar o plano da UE de acabar com a venda de novos carros a combustão (gasolina e diesel) a partir de 2035. No cenário tarifário sem mudanças (35% sobre carros elétricos chineses), a participação deles nas vendas do bloco poderia chegar a 50% até 2030. No cenário de escalada de tensões comerciais, porém, elas recuariam para 41%.
A capacidade de fabricação de veículos elétricos está espalhada, com altos volumes de produção na China, Estados Unidos, União Europeia, México e Canadá. As importações de veículos elétricos, excluindo peças, representam aproximadamente 30% do mercado da UE, principalmente da China. Nos Estados Unidos, as importações do México, Canadá e União Europeia representam 35% do mercado.
O estudo da McKinsey não traz projeções para o cenário de tarifaço mais extremo nos EUA, apenas para a UE: os veículos elétricos poderiam atingir 50% de penetração das vendas no cenário otimista até 2030, contra 41% no cenário de escalada das tensões globais.
Ritmo da transição
É preciso triplicar a capacidade global de energias renováveis para substituir combustíveis fósseis e limitar o aquecimento do planeta a 1,5°C. Isso foi acordado na COP28, que aconteceu em Dubai, em 2023. Mas esse movimento estava bastante concentrado justamente na China, Europa e Estados Unidos.
Os países do G7 e do G20 responderam, respectivamente, por 14% e 90% da nova capacidade instalada de energias renováveis em 2024, segundo a Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena, em inglês). O crescimento da capacidade instalada foi de 15% no ano passado em relação ao anterior. A Irena calcula que é preciso chegar a uma taxa de crescimento de 16,6% ao ano para substituir os fósseis.
Apesar das projeções para a transição energética, a McKinsey destaca que diversos fatores permanecem imprevisíveis. Além das tarifas, outras variáveis também influenciam o cenário – como a Lei de Redução da Inflação (IRA), exportação de minerais críticos e mudanças na agenda climática dos EUA.
Desde que voltou à Casa Branca, Trump tem desmontado políticas voltadas ao incentivo de fontes renováveis. Nesse sentido, sancionou o One Big Beautiful Bill (BBB), no último dia 4 de julho. A nova legislação restringe incentivos fiscais para energia solar e eólica, ao mesmo tempo em que amplia subsídios a combustíveis fósseis e à energia nuclear.
Entre os programas afetados pela reversão da IRA está o Solar for All, que destinava US$ 7 bilhões para financiar cerca de 900 mil famílias de baixa e média renda a instalar painéis solares em suas casas. Embora todo o recurso tenha sido alocado pela Agência de Proteção Ambiental (EPA), apenas US$ 53 milhões foram efetivamente gastos até agora, segundo a Atlas Public Policy.