Eólicas offshore no Brasil vão exigir arranjo financeiro complexo, diz Banco Mundial

Para que turbinas no mar sejam ‘as novas hidrelétricas’, governo precisa tomar decisões o quanto antes e já começar preparando a infraestrutura, afirma estudo

Eólicas offshore no Brasil vão exigir arranjo financeiro complexo, diz Banco Mundial
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Para tirar o máximo proveito do enorme potencial dos ventos na costa, o Brasil terá de abraçar a ideia de que as “eólicas offshore são as novas hidrelétricas” – e montar um complexo arranjo financeiro para dar conta dos investimentos necessários.

Essa é uma das conclusões de um estudo encomendado pelo Banco Mundial e entregue ao Ministério de Minas e Energia nesta quarta-feira.

O documento traça três cenários possíveis para o desenvolvimento de uma nova indústria no país, que tem algumas das melhores condições técnicas para a instalação de turbinas de vento em alto-mar.

Em tese, a geração de eletricidade pelas usinas offshore ao longo de todo o litoral poderia chegar a 1.200 GW, mais de 70 vezes a capacidade de Itaipu.

No cenário ambicioso descrito pelos autores, as turbinas no mar seriam responsáveis em 2050 por 19% de toda a matriz elétrica brasileira, garantindo a descarbonização da indústria e a produção de hidrogênio verde para exportação.

Realizar essa visão– que inclui 6.400 turbinas e “upgrades substanciais na infraestrutura e aumento na capacidade de manufatura” – custaria US$ 240 bilhões em despesas de capital.

Seriam instalados 5,3 GW anuais de 2028 até 2050, um ritmo de implementação de usinas marítimas que hoje só é alcançado pela China – embora o setor ainda não tenha atingido a mesma escala global da energia solar, por exemplo.

A contrapartida seria um incremento acumulado de US$ 168 bilhões no PIB e a geração de quase meio milhão de empregos até a metade do século.

O cenário base exposto no documento é muito mais modesto e se baseia no roadmap da Empresa de Pesquisa Energética (EPE): com 4 GW em operação até 2035 e 16 GW em 2050.

“Dada a extensão da costa brasileira, isso representaria uma utilização de apenas 1,2% das áreas potenciais disponíveis”, afirma o relatório.

Com esse ritmo de expansão, escrevem os autores, “é pouco provável que investimentos significativos sejam realizados em infraestrutura associada (portos, embarcações e rede) e manufatura (turbinas, cabos etc.)”.

No meio do caminho, a terceira projeção aponta um futuro em que as eólicas offshore “começam a ter papel importante no mix elétrico brasileiro, com 8 GW em 2035 e  32 GW em 2050”.

Precisamos de eólicas offshore?

Esses três futuros imaginados são acompanhados de duas perguntas essenciais, que o estudo não se propõe a responder. O objetivo do trabalho foi apenas oferecer elementos para a elaboração das políticas públicas.

A primeira delas, formulada diretamente pelos autores, diz respeito à necessidade: “Por que o Brasil desenvolveria as eólicas offshore em escala quando já tem tantas outras opções [de energia limpa]?”

Hoje elas não são indispensáveis: as hidrelétricas garantem 72% de eletricidade consumida no país. Mas essa participação deve cair para 46% até a metade do século, considerando as poucas perspectivas de expansão dessa fonte geradora e o crescimento natural da demanda.

Os ventos de alto-mar são complementares à geração das hidrelétricas: uma simulação baseada em sete anos (de 2015 a 2022) aponta que usinas offshore teriam maior produção justamente quando os níveis dos reservatórios estavam baixos.

A solução seria um “hedge energético” para os períodos de seca.

As condições mais favoráveis se encontram no Nordeste, mas há potencial para a instalação de turbinas ao longo de quase toda a costa. Produzir perto de onde está o consumo significa menos perdas na transmissão e um melhor equilíbrio geral da rede, diz o documento.

Por fim, um último argumento favorável a essa nova tecnologia é a produção de hidrogênio verde. Se quiser realizar a ambição de ser um dos líderes mundiais na produção desse combustível, o país vai precisar de “investimentos substanciais” em renováveis.

Se o Brasil quiser atender a 5% da demanda global de H2 em 2050, seriam necessários cerca de 100 GW adicionais de energia limpa na matriz elétrica. “As eólicas offshore podem entregar parte significativa dessa demanda, especialmente se forem construídas perto de hubs de produção de hidrogênio.”

Como fechar a conta

A segunda pergunta não aparece explicitamente no texto, mas é parte essencial de uma decisão em favor das eólicas em alto-mar: como pagar a conta?

Na Europa e na China, essa fonte de energia já é uma das mais competitivas hoje, mas os custos iniciais no Brasil devem ser “significativamente mais altos”, afirma o relatório.

Nos primeiros projetos, os valores devem ser de US$ 64 por MWh – 50% mais que as usinas eólicas em terra ou instalações solares. Até 2050, a expectativa é que o custo caia para algo entre US$ 40 e US$ 52 por MWh, o que colocaria a tecnologia em pé de igualdade com as mais disseminadas hoje em dia.

“Não é uma situação muito diferente das eólicas onshore no Brasil, que começaram com o Proinfa, há 20 anos, e hoje são uma das principais fontes de geração e de mais baixo custo”, diz o documento.

O Proinfa – Programa de Incentivo a Fontes Alternativas de Energia Elétrica – foi uma iniciativa do BNDES que viabilizou a indústria eólica onshore no país.

Mas a necessidade de capital é de outra ordem de grandeza quando se fala em eólicas offshore, dizem os autores.

O BNDES teria condições de abrir caminhos caso se opte pelo cenário mais conservador, mas os outros casos exigirão “estruturas financeiras complexas e o envolvimento de muitos atores de instituições financeiras públicas e privadas”.

Os leilões realizados pelo governo federal também deveriam acomodar alocações especiais para a eletricidade gerada em alto-mar, para que os altos custos iniciais possam ser absorvidos.

Passo a passo

O relatório recomenda um passo a passo para os próximos anos. Até 2026 seriam definidos objetivos e estratégias nacionais, além de estudos sobre infraestrutura e requerimentos econômicos.

Entre 2024 e 2031 seriam realizadas as primeiras obras de infraestrutura, incluindo em portos, e seriam desenhadas as cadeias de produção.

Os primeiros projetos começariam a ser desenvolvidos a partir de 2032, com licenciamento, engenharia e financiamento.

Se a intenção é ir além do cenário modesto, afirmam os autores, o país terá de investir pesadamente em rede, capacidade portuária e manufatura.

E rápido, “para aproveitar o interesse atual, especialmente dadas as condições de mercado que reduzem o interesse do investidor por mercados que não são seu ‘core’”, diz o estudo.