O problema das emissões de metano, um dos maiores responsáveis pelo aquecimento do planeta, vai pairar sobre as discussões da COP26 – literalmente.
Pesquisadores britânicos detectaram vazamento em um gasoduto a menos de 2 km do Scottish Event Campus, em Glasgow, onde lideranças globais vão se reunir a partir de domingo.
Entre os gases responsáveis pelo efeito estufa, o metano é o mais problemático: embora exista na atmosfera numa concentração muito inferior à do dióxido de carbono, seu impacto no aumento da temperatura global é 80 vezes maior que o do CO2.
Mas o metano tem uma diferença fundamental em relação ao grande responsável pela mudança climática: ele permanece na atmosfera pouco mais de dez anos, não séculos, como o CO2.
É por essa razão que um corte agressivo nas emissões de CH4 pode ter efeito rápido. Uma proposta conjunta dos Estados Unidos e da União Europeia quer cortar as emissões globais do gás em 30% até 2030, em comparação com o ano passado.
Sozinha, essa medida poderia resultar em uma redução de 0,2°C a 0,3°C na temperatura do planeta e garantir a viabilidade da meta ideal de 1,5°C de aquecimento determinada pelo Acordo de Paris.
Em outras palavras: controlar as emissões de metano pode ajudar a resfriar o planeta, e logo. Pelo menos, essa é a teoria.
Dos cinco maiores responsáveis por despejar CH4 na atmosfera, quatro ainda não se comprometeram com o plano conjunto EUA-UE.
China, Rússia, Índia e Brasil resistem ao que John Kerry, o enviado especial do clima do governo americano, chama de “estratégia mais rápida que temos” para evitar as consequências mais graves da emergência climática.
Diplomacia é só uma das dimensões do problema. Existem outras de ordem prática, como saber de onde vêm as emissões e a melhor maneira de contê-las.
Mas os especialistas demonstram um grau de esperança raramente associado aos temas que envolvem a emergência climática.
“Estou relativamente otimista”, diz ao Reset Kate Konschnik, diretora do programa de clima e energia da Universidade Duke, nos Estados Unidos. “O assunto está chamando muita atenção, especialmente na produção de óleo e gás, que é algo que podemos controlar.”
Caçadores de metano
Controle é a palavra-chave. As três principais fontes emissoras de metano são, pela ordem, a agricultura (especialmente a criação de animais), a exploração de petróleo e gás natural e os aterros sanitários.
No caso da pecuária, o gás é um subproduto da digestão dos animais e é liberado na atmosfera pelos arrotos e flatulências. Embora seja simples encontrar grandes rebanhos, conter suas emissões é dificílimo. Alterações na ração ainda têm pouca eficácia. Soluções como abate antecipado e máscaras capazes de reduzir as emissões dos animais estão em fase experimental, mas não devem resolver o problema.
No caso dos lixões, os sistemas de captura dos gases decorrentes da decomposição de matéria orgânica representam dois desafios. Primeiro, fechar a conta; segundo, depender de regulação em um a atividade que em muitos países, especialmente os mais pobres, se dá de forma irregular e de difícil supervisão.
Levando em conta o estado atual das tecnologias e o custo-benefício, o foco inicial deve ser a indústria de energia.
O metano é o principal componente do gás natural. “Encontrar e consertar vazamentos significa dinheiro”, afirma Konschnik.
Como o CO2, o metano é inodoro e invisível, detectar vazamentos como o encontrado em Glasgow depende de câmeras infravermelhas e sensores.
O preço dessas tecnologias caiu de forma significativa na última década e um levantamento da Coalizão sobre Clima e Ar Limpo estima que até 80% das medidas para evitar vazamentos em poços e gasodutos se pagam simplesmente com a receita adicional da venda do metano recuperado.
Na Bacia Permiana, no Texas, ativistas há anos vêm procurando vazamentos com o uso de drones e câmeras infravermelhas.
Novos satélites também permitem enxergar vazamentos antes indetectáveis. A Kayrros, uma startup francesa que usa inteligência artificial para analisar imagens de satélite, identificou 13 vazamentos num gasoduto de 4.200 quilômetros que vai da Rússia à Alemanha.
Uma vez identificados, o conserto é tão simples quanto tapar um buraco ou trocar uma válvula – nada muito diferente do que faz um encanador num vazamento doméstico.
Um estudo publicado na revista científica Environmental Research Letters aponta que até 85% das emissões de metano do setor de óleo e gás poderiam ser cortadas até o fim da década com tecnologias já existentes.
A movimentação voluntária já começou, mas ainda são passos iniciais, diz Konschnik. Do lado da cenoura, falta uma política de incentivos interna nas companhias. “O assunto é discutido na direção, mas ainda não chegou a quem de fato opera os poços”, afirma a pesquisadora. “Os incentivos precisam refletir essa preocupação. Parte do bônus dos funcionários deveria estar associada a achar e consertar vazamentos.”
Do outro lado da equação, o do chicote, o assunto fica na área delicada que mistura negociações climáticas e geopolítica. Convencer a Rússia, dona das maiores reservas do mundo de gás natural, a tapar seus vazamentos será um ponto essencial das negociações em Glasgow.
O principal negociador russo, Ruslan Edelgeriyev, afirmou recentemente que projetos relacionados ao clima deveriam ser isentos das sanções econômicas impostas por causa da invasão da anexação da Crimeia.
Segundo a Agência Internacional de Energia, as emissões de metano do país no ano passado foram mais de três vezes superiores ao total contabilizado pelo governo russo.
A participação brasileira
A adesão do Brasil ao compromisso dos países desenvolvidos é considerada improvável durante a COP26.
Das pouco mais de 20 milhões de toneladas de metano emitidas pelo país em 2019, 14,4 milhões foram responsabilidade da agropecuária, de acordo com o Sistema de Estimativa de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa, do Observatório do Clima.
Nos Estados Unidos, a produção de alimentos responde por 36% das emissões de metano do país. Mas, diferentemente dos aterros e das empresas de energia, o governo Biden pediu apenas a adesão voluntária dos pecuaristas ao plano, justamente por causa da inexistência de soluções eficazes para uma questão que é biológica.
Em relação aos gases fugitivos da exploração de petróleo e gás natural, simplesmente não há informações confiáveis, embora ele seja um problema potencialmente menor no caso brasileiro.
Nos poços do pré-sal, a maior parte do gás que vem junto com o petróleo é reinjetado nos poços para aumentar a produtividade das operações.
“Só nos últimos dois anos essa discussão começou para valer no país”, diz William Nozaki, coordenador técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.