Uma oferta de ações encerrada ontem chamou a atenção de investidores que têm puxado a agenda ESG no país. Com o preço do petróleo em franca recuperação, a petroleira 3R Petroleum acessou o mercado pela segunda vez em menos de cinco meses, levantando R$ 1,5 bilhão nas duas operações.
Foi o menor intervalo já registrado entre um IPO e um follow-on no mercado de capitais brasileiro.
Além do apetite renovado do mercado local por ações de um setor que tem se tornado cada vez mais controverso conforme a agenda da mudança climática ganha força no mundo todo, alguns gestores de fundos consideram incoerente que bancos de investimento sigam levando esse tipo de ativo ao mercado, atuando como estruturadores da oferta, ao mesmo tempo em que se tornam vocais na defesa da agenda ESG.
No caso do follow-on da petroleira 3R, encerrado na semana passada e liquidado ontem, pelo menos três dos coordenadores têm buscado protagonismo na agenda ESG no Brasil: XP, Itaú BBA e BTG Pactual. O Credit Suisse, que também integra a lista de coordenadores, embora menos vocal, também tem apresentado suas credenciais sustentáveis tanto lá fora quanto no mercado brasileiro. A corretora Genial também atuou na coordenação.
“Os bancos têm que pensar se realmente querem apoiar a questão climática dentro da agenda ESG, se querem financiar e dar acesso a financiamento a projetos na área de petróleo”, diz Marcio Correia, sócio da JGP responsável pela área de renda variável. “Quando bancos, corretoras ou gestoras de recursos colocam o ESG em sua agenda, têm que pensar nas consequências do compromisso.”
Em sua avaliação, do ponto de vista do investidor, comprar ações em uma oferta primária é pior do que investir em papéis da Petrobras na bolsa. “É um dinheiro novo direcionado à exploração de petróleo”, avalia.
A 3R já havia levantado R$ 690 milhões no IPO, em novembro, e agora captou outros R$ 823 milhões na oferta subsequente — dinheiro esse que será usado para pagar a compra de ativos de exploração de petróleo que eram da Petrobras e também em novas aquisições.
Além de ter atuado na coordenação da operação, o BTG é também acionista da 3R. Em 2020, o banco já havia recebido críticas por ter sido o coordenador líder de uma oferta de debêntures da usina térmica a carvão de Pampa Sul, controlada pela Engie.
Gestores de fundos dizem que têm procurado se engajar com os bancos para convencê-los a não mais levar a mercado empresas controversas do ponto de vista ambiental — ou social –, porém sem sucesso.
“Eu realmente acho que o primeiro banco que recusar um IPO em prol do ESG vai ganhar um ‘goodwill’ maior do que as comissões do IPO”, diz Fabio Alperowitch, sócio da Fama Investimentos.
Procurados, BTG, XP, Credit Suisse e Itaú BBA não quiseram comentar.
Exposição profunda
A verdade é que os bancos estão longe de se fechar para o setor de óleo e gás ainda — e isso pode ser medido pela exposição a petroleiras em seus próprios balanços.
Lá fora, cresce o movimento de bancos que assumem o compromisso de descarbonizar suas carteiras de crédito nas próximas décadas. Entre os americanos, no mês passado, Citi e Goldman Sachs se juntaram a JP Morgan e Bank of America no compromisso de neutralizar as emissões de suas carteiras de crédito até 2050.
A tarefa é gigantesca. Conforme um estudo publicado há duas semanas, 60 dos maiores bancos do mundo injetaram nada menos que US$ 3,8 trilhões em negócios relacionados a combustíveis fósseis de 2016 a 2020, depois, portanto, da assinatura do Acordo de Paris. O maior financiador foi o JP Morgan, com US$ 317 bilhões no período, segundo o levantamento batizado de ‘Banking on Climate Chaos’.
Aqui no Brasil, a 3R não está sozinha nessa onda, que deve ganhar novos integrantes se o mercado continuar favorável.
Outra empresa especializada em revitalizar campos maduros, a PetroRio, levantou R$ 2 bilhões em um follow-on em janeiro. A operação foi coordenada por alguns dos bancos que trabalharam para a 3R (BTG, Credit Suisse e Itaú), além de Citigroup, Santander e Safra.
Em fevereiro, a PetroRecôncavo fez um pedido de registro de oferta pública de ações.
Além da recuperação dos preços do petróleo depois do impacto da pandemia no ano passado, no mercado local o movimento é alimentado pelos desinvestimentos que vêm sendo realizados pela Petrobras, com a venda de campos maduros, entre outros ativos.
Se em novembro do ano passado, a 3R teve que precificar abaixo do intervalo de preços sugerido, diante do interesse ainda morno dos investidores, de lá para cá o papel subiu mais de 70%.