
A transição energética pode levar o setor de petróleo global a perdas de US$ 2,3 trilhões com a desvalorização de ativos nos próximos 15 anos.
O prejuízo é resultado de um desencontro entre os novos investimentos em petróleo e a real demanda futura, conforme estudo das instituições britânicas Transition Risk Exeter (TREX) e UK Sustainable Investment and Finance Association (UKSIF) publicado na última semana.
À primeira vista, o problema parece ser algo que diz respeito às petroleiras, mas a pesquisa envolve investidores em todos os níveis e tamanhos. São governos, empresas, fundos, pessoas físicas que têm algum patrimônio no portfólio direta ou indiretamente atrelado à expansão do petróleo.
Estados Unidos, Rússia, China e Reino Unido são os países mais expostos a esse risco. O Brasil, hoje um dos maiores produtores de petróleo do mundo, está em sétima posição. Com a exploração das reservas da Margem Equatorial, o país tem a ambição declarada de ser um dos principais produtores do mundo.
Por aqui, as pessoas físicas estão menos expostas à desvalorização. O governo federal, principal acionista da Petrobras, e as companhias de petróleo estão sob risco maior.
Por outro lado, o caso do Reino Unido é apontado pelos autores como alarmante porque fundos de pensão de pessoas físicas têm grandes alocações no setor. O país também é sede das companhias BP e Shell. Já nos Estados Unidos, fundos de investimento serão os mais impactados.
A metodologia usada pela pesquisa estima o valor presente do fluxo de caixa previsto para as petroleiras até 2040. Também acrescenta à conta o encalhamento de ativos fixos como plataformas de petróleo, oleodutos e terminais.
Desencontros
Apesar da urgência da transição energética, a valorização do barril de petróleo desde o início da guerra da Ucrânia tem estimulado novos projetos de petróleo. Uma das reviravoltas mais emblemáticas foi a da britânica BP, que na década passada trocou as cores da marca e usou o mote “Beyond Petroleum” para defender uma transição nos negócios. A meta era produzir menos até 2030.
Em 2024 a empresa abandonou o compromisso e, em fevereiro deste ano, anunciou corte de investimentos em combustíveis renováveis, alocando mais US$ 10 bilhões para projetos de petróleo e gás.
A organização Global Witness aponta que as cinco maiores petroleiras do mundo – BP, Shell, Chevron, ExxonMobil e TotalEnergies – tiveram mais de US$ 380 bilhões em lucros entre 2022 e 2024, distribuindo um recorde de US$ 111 bilhões em dividendos.
Essa expansão é praticamente uma regra entre as petroleiras. A organização alemã Urgewald monitora o setor e estima que 96% das empresas estão explorando novas reservas, em 129 países, gastando uma média de US$ 61 bilhões por ano.
Um dos campos em desenvolvimento mais controversos fica no Alasca (EUA). Batizado de Willow, o projeto é comandado pela americana ConocoPhillips e as reservas são estimadas em 600 milhões de barris, com potencial para gerar petróleo além do ano de 2100.
Riscos financeiros
Pela ótica do risco financeiro, o relatório afirma que esses novos investimentos expõem os investidores porque eles não estão alinhados com nenhum dos três cenários de demanda de petróleo estimados pela Agência Internacional de Energia.
Metas climáticas como as NDCs dos países e o Acordo de Paris impõem reduções de emissões. Além disso, o mercado consumidor está mais aberto à eletrificação dos automóveis.
Os US$ 2,3 trilhões em ativos encalhados foram estimados a partir de um cenário intermediário em que o mundo eleva as temperaturas em até 1,7°C até 2050.
Se o Acordo de Paris for cumprido e o aquecimento global se mantiver em “apenas” 1,5°C, a perda para os investidores poderia até subir de US$ 2,3 trilhões para US$ 5,4 trilhões.
Apesar do alerta, os autores ponderam que evitar a transição energética, mantendo o protagonismo dos combustíveis fósseis, seria ainda mais danoso para a economia mundial.
O Fórum Económico Mundial estima prejuízos na casa de 12% do PIB (Produto Interno Bruto) mundial a cada 1°C no aquecimento global.
Mais da metade das emissões de carbono que aquecem o planeta vem dos combustíveis fósseis produzidos por apenas 36 empresas, segundo um estudo recente do centro de pesquisas InfluenceMap.
Todas elas produziram carvão, gás ou petróleo carvão num volume que ultrapassou 20 bilhões de toneladas de emissões de carbono em 2023.
Para evitar e até compensar prejuízos, o relatório recomenda que os investidores equilibrem portfólios com investimentos em energias renováveis com alto potencial de valorização.
Na esfera regulatória, defende que instituições financeiras divulguem seus planos de descarbonização, seguindo, por exemplo, as diretrizes do Transition Plan Taskforce da IFRS Foundation.
O estudo “Banking on Climate Chaos” aponta que os 60 maiores bancos do mundo comprometeram US$ 6,9 trilhões para a indústria de combustíveis fósseis entre 2016 e 2023, período imediatamente seguinte à assinatura do Acordo de Paris. JP Morgan, Mizuho e Bank Of America foram os maiores financiadores.
O caso brasileiro
A exploração de novas fronteiras de petróleo no Brasil é uma prioridade neste terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que alega necessidade em manter a renda gerada hoje pela atividade e “financiar a transição energética”.
Estimativas preveem que o Brasil atingirá o pico de produção entre 2029 e 2030. Segundo a Petrobras, a abertura de novas fronteiras como a bacia Foz do Amazonas, na margem equatorial brasileira, impediria que o país ficasse dependente da importação de óleo.
A Margem Equatorial compreende todo o litoral entre o Amapá e o Rio Grande do Norte e já tem campos de petróleo e gás em operação.
O monitoramento da organização Urgewald mostra que a Petrobras está em sétimo lugar no ranking de petroleiras com projetos de ampliação da produção. São 8 bilhões de barris no alvo da companhia, principalmente na região.
O problema é que os riscos ambientais da bacia Foz do Amazonas são altos, segundo o Ibama e pesquisadores independentes. A exploração na área já teve uma licença negada em 2023, da qual a Petrobras recorreu e espera por um veredito.
Há meses o licenciamento é alvo de pressão. O presidente Lula (PT) fez críticas abertas, acusando-o de Ibama de “lenga-lenga” para decidir se dá ou não a permissão.
Com a produção na região do pré-sal, o Brasil alcançou a posição de 8° maior produtor de petróleo do mundo em 2023, com 3,4 milhões de barris de óleo/dia. O país ainda deve subir de posição conforme novas plataformas entram em operação em alto mar.
No ano passado, todo esse petróleo gerou R$ 100 bilhões em royalties e participações especiais à União, estados e municípios, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP). O valor é recorde e 9% maior que o de 2023.