TRANSIÇÃO ENERGÉTICA

O Brasil será um hub global de data centers? Muita calma nessa hora 

Eles querem energia (se possível, limpa), o que o Brasil tem de sobra. Mas isso não significa que o país vá se tornar a nova fronteira global da infraestrutura de TI 

O Brasil será um hub global de data centers? Muita calma nessa hora 

O mundo não tem eletricidade suficiente para matar a fome dos data centers que vêm por aí, puxada principalmente pelo crescimento explosivo da inteligência artificial (IA). Com abundante geração de energia limpa (e barata), o Brasil tem sido apontado como um candidato a abrigar essas peças centrais da economia global.

Isso significa que estamos prestes a receber investimentos bilionários que vão transformar o país na – perdão pelo clichê – Arábia Saudita dos bits? Muita calma nessa hora.

A oportunidade de atrair essas enormes estruturas é real, mas o caminho tem obstáculos. Antes de detalhá-los, porém, considere algumas das alternativas que companhias estão estudando para garantir que servidores continuem funcionando:

  • A HiCloud, uma startup chinesa, inaugurou em 2023 o primeiro data center submarino do mundo. São 1.500 toneladas de equipamentos elétricos delicados funcionando a 35 metros de profundidade, a fim de gastar menos energia na refrigeração;
  • A Microsoft investiu na Helion, uma das empresas que tentam viabilizar a geração de eletricidade via fusão nuclear. A ideia é antiga e até hoje nunca se provou na prática para fins comerciais;
  • O Google aposta em Reatores Nucleares Pequenos e Modulares, versões miniaturizadas das caríssimas e complexas usinas atômicas em operação no mundo hoje.

Estes são apenas três exemplos da importância do fornecimento de elétrons, uma das matérias-primas essenciais da vida moderna.

Data centers vão se multiplicar e crescer muito em tamanho – é inevitável. Isso já ocorria pela simples digitalização da economia. Mas há um fator novo na equação. Um data center dedicado a IA tende a exibir potência na casa das centenas de megawatts (MW), 10 vezes superior à de um tradicional.

“Esses sistemas exigem uma infraestrutura muito mais robusta e de maior capacidade. A demanda de energia nos data centers tende a crescer de forma exponencial”, diz Marcela Martins, diretora de eficiência energética da Ascenty, maior empresa do segmento na América Latina, com 34 unidades no continente, 26 delas no Brasil.

A busca por eletricidade, consumida em iguais medidas pelos servidores e pela necessidade de manter o ambiente refrigerado, pode levar a inovações tecnológicas – ou a novos endereços para as instalações.

Data centers no Brasil

O parque de data centers no país tem inventário de 777 MW de potência – a energia é central a ponto de ser a medida usada para descrever essas instalações. Com o total de projetos em planejamento e em construção, isso passa para mais que o dobro, para 1.700 MW, segundo a consultoria JLL. O ritmo de expansão local deve superar o ritmo de expansão global.

O governo brasileiro quer acelerar essa expansão. Com base num diagnóstico elaborado em 2023, deve ficar pronta até junho uma política para atrair mais investimento externo para o setor – o potencial de investimentos é de R$ 2 trilhões em 10 anos, indicam dados do Ministério da Fazenda, segundo reportagem do NeoFeed

Depois da etapa de construção, um data center gera poucos empregos locais. Por isso, a preocupação do governo é fazer com que o investimento resulte em mais compras de máquinas e equipamentos no mercado interno.

Além disso, em setembro de 2024, o BNDES lançou uma linha de crédito de R$ 2 bilhões para o investimento em data centers no país.

Apesar das ambições declaradas, o Brasil não é a princípio o destino mais atraente. Em relação aos vizinhos Argentina, Chile e Colômbia, o país tem custos maiores em todos os quesitos, incluindo espaço, obras, serviços, pessoal e energia.

Na disputa internacional por esses investimentos, o país pontua mal especialmente em sistema tributário, qualificação de pessoal e infraestrutura de TI. Esses pontos fracos aparecem no documento “Estratégia para a implementação de política pública para atração de Data Centers”, feito pelo governo federal em 2023, com pesquisa da Frost & Sullivan.

“Ainda enfrentamos desafios importantes. A conectividade precisa avançar, especialmente para suportar a crescente demanda por baixa latência e alta disponibilidade”, diz Gabriel Adorno, da AbraCloud (Associação Brasileira de Infraestrutura e Serviços Cloud), em referência ao atraso de bits medidos em milissegundos e à necessidade de operação ininterrupta. “Outro ponto crucial é a regulamentação: precisamos de um ambiente regulatório mais estável e previsível.” 

Mais recentemente, entrou nessa conta o fator Donald Trump. O presidente dos Estados Unidos pressiona diretamente as companhias de TI para que invistam mais dentro do território americano.

Qualquer projeção de cenários para o setor, porém, precisa levar em conta que mais variáveis estão surgindo, por fatores como seu crescente impacto ambiental e seu valor estratégico para governos, num momento de tensão geopolítica.

Top 10

Quando os data centers surgiram, nos anos 1990, eram todos mais ou menos parecidos – edificações com lugar para fileiras e fileiras de racks, cada rack com uma pilha de equipamentos de rede, processamento, armazenagem de dados e outros.

Assim elas se espalharam e, conforme a vida se digitalizou, tornaram-se indispensáveis para o mundo funcionar. São necessários hoje para garantir serviços básicos como internet, telecomunicações e rede de energia, e para o trabalho de governos, bancos e grandes empresas em geral.

Viraram um grande negócio: no mundo, há cerca de 12 mil deles, e o segmento movimenta perto de US$ 350 bilhões (considerando-se apenas o aluguel da infraestrutura e a prestação de serviços de TI, como hospedagem de sites e processamento de dados).

O Brasil, décimo país do mundo em número dessas instalações, pegou até hoje uma fatia modesta do bolo global, cerca de 180 data centers, que movimentam perto de US$ 5 bilhões por ano.

Conseguir energia suficiente e consumir o mínimo possível sempre foi um desafio para os data centers, que precisam de refrigeração intensiva, pela compactação de máquinas em funcionamento constante. Isso já ocorria antes do advento da forma de IA mais impactante atualmente, baseada em aprendizado de máquina (ML, pelas iniciais em inglês) e grandes modelos de linguagem (LLM). Agora, o desafio se torna muito maior, com o novo salto na demanda por energia, graças a esses modelos.

IA insaciável

O economista Alex DeVries, pesquisador na Universidade Livre de Amsterdã, calcula que uma busca feita com IA consome de 23 a 30 vezes mais energia que uma busca normal do Google. A demanda global dessas estruturas por energia deve dobrar entre 2024 e 2029, segundo a consultoria JLL. Nos países ricos, torna-se cada vez mais difícil garantir eletricidade para esse avanço.

Nos EUA, com cerca de 45% dos data centers do mundo, o segmento consome 4,4% da energia do país, uma parcela já bem acima da média global; e deve multiplicar sua demanda por oito até 2028, em ritmo muito superior à expansão do parque gerador.

Assim, fica fácil entender certo interesse, comedido, pelo Brasil. Atualmente, data centers consomem no país 1,2% da energia gerada, parcela similar ao consumo global desses sistemas, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE). A Brasscom (associação de empresas de TI) calcula que essa fatia no Brasil deve se aproximar dos 3% nos próximos anos, com os projetos anunciados. É uma mudança importante, mas ainda não coloca o país em destaque no cenário global.

Não que isso seja um problema. Como beneficiário da difusão de IA e conectividade, é razoável que o Brasil fique com uma parcela global da infraestrutura de TI necessária, correspondente ao seu porte.

Mas o país ainda gere mal os seus recursos e desperdiça muita energia e água.

Desde 2010, o país apareceu mal na foto em duas grandes análises internacionais feitas pelo ACEEE (Conselho Americano por uma Economia Eficiente em Energia), e avança pouco em eficiência no uso de eletricidade. Perdemos energia demais, mesmo em comparação com outras nações em desenvolvimento. Esse é um problema a corrigir, com gestão, inovação e investimento, antes de o país apostar em setores que dependem do consumo intensivo de energia.