‘A competição pela supremacia no hidrogênio já começou’

Combustível pode representar um rearranjo industrial global, e o Brasil precisa levar isso em consideração, diz pesquisadora da Universidade Columbia

‘A competição pela supremacia no hidrogênio já começou’
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Depois de assistir a quase 20 anos de hype, Anne-Sophie Corbeau está convencida de que a economia do hidrogênio de baixo carbono finalmente vai se materializar. E o Brasil precisa se preparar para ela, porque “a competição vem aí com toda a certeza”, diz a pesquisadora do Centro de Política Energética Global da Universidade Columbia, em Nova York.

A disputa será grande e não só deve trazer uma estrutura de oferta e demanda diferente daquela vista em outros segmentos do setor de energia, como poderá tirar competitividade de países com indústrias tradicionalmente fortes, abrindo espaço para que outros líderes se estabeleçam.

Corbeau faz uma comparação com o mercado global de gás natural liquefeito, ou GNL. “Temos uns 20 países exportadores de GNL, e cerca de 45 importadores. Olhando para os planos do hidrogênio, é o inverso.”

A lista de potenciais grandes vendedores dessa nova fonte de vetor de descarbonização é longa e inclui Chile, Marrocos, Espanha, Austrália e Brasil.

E essa relação contém apenas países ricos em energias renováveis que apostam na rota de produção da eletrólise da água. Esse processo separa as moléculas de hidrogênio e oxigênio usando eletricidade fornecida por usinas solares, eólicas ou hidrelétricas.

A concorrência também vai envolver países do Oriente Médio e do Norte da África que podem produzir hidrogênio partindo de suas reservas de gás natural e capturando o CO2 liberado no processo.

O primeiro tipo costuma ser chamado de hidrogênio verde, e o segundo, de hidrogênio azul. Mas Corbeau não gosta de falar em cores.

“Não faz sentido. Sou daltônica. E não estamos fazendo hidrogênio por causa do arco-íris. O mais importante é a intensidade de CO2 [emitido na produção]. E o preço, claro.”

Já os importadores talvez não sejam tantos assim, diz a pesquisadora. Ela menciona Alemanha, Bélgica, Holanda, Japão, Coréia do Sul e Cingapura.

A China é um enorme ponto de interrogação, afirma Corbeau, e os Estados Unidos querem suprir a demanda dentro de casa, com os estímulos bilionários do pacote verde de Joe Biden, o IRA (sigla em inglês para lei de redução da inflação).

“Você olha para todos esses planos [de criar indústrias exportadoras] e vê uma competição grande por um mercado que pode ser pequeno.”

O lugar do Brasil

Uma das prioridades para o país é a definição de uma política nacional para o hidrogênio de baixo carbono, diz Corbeau.

“Todo país é diferente. Não existe uma solução para copiar e colar.” Um dos pontos cruciais para quem quer se tornar uma potência exportadora são os portos.

Além do embarque nos cargueiros, eles costumam concentrar indústrias que já consomem grandes quantidades de hidrogênio hoje – mas aquele produzido com combustíveis fósseis e sem captura de carbono.

Refinarias e siderúrgicas são dois exemplos. A ArcelorMittal, uma das maiores fabricantes de aço do mundo, adquiriu no ano passado uma usina no Porto de Pecém (CE), que se movimenta para liderar na produção de hidrogênio verde no país.

A força do setor de commodities voltado ao mercado externo também joga a favor do país, diz Arthur Ramos, diretor-executivo e sócio da consultoria BCG.

“Desenhar um plano será fundamental para [desenvolver a economia do hidrogênio no Brasil]”, afirma Ramos, que participa com Corbeau da conferência Brazil Climate Summit, na semana que vem, em Nova York.

Uma nova industrialização

Logística e preço serão fundamentais, mas existe uma outra dimensão da economia do hidrogênio que deve ser levada em conta, segundo Corbeau.

Mesmo que alguns desafios técnicos e de custo sejam superados para viabilizar o transporte intercontinental, a lógica econômica desse vetor energético é muito diferente da dos combustíveis fósseis.

 “Os potenciais exportadores terão de decidir se faz mais sentido vender hidrogênio ou seus derivados ou então produtos finalizados ou semifinalizados”, afirma a pesquisadora.

Ela dá o exemplo de briquetes de minério de ferro e do próprio aço. “Você está dizendo aos europeus, aos japoneses, aos sul-coreanos: ‘Seu setor industrial já não é mais tão competitivo. Que parte da cadeia você quer manter?’ E as empresas estão de olho nas regiões em que a descarbonização tem mais ímpeto.”

Um sinal desse possível rearranjo global é o impacto do IRA, que transformou os Estados Unidos numa potência da descarbonização e está tirando investimentos da Europa.

Embora o Brasil não tenha condições de competir com os incentivos fiscais e subsídios oferecidos pelos americanos, os fundamentos estão presentes, diz Ramos, do BCG.

“Vemos muito interesse dos investidores e temos uma capacidade enorme de energia renovável já instalada, além do potencial para o futuro.”

Sol e vento serão importantes na economia do hidrogênio, mas não se trata meramente da extração de um recurso natural e sim de uma transformação.

Por essa razão, Corbeau argumenta que não haverá uma “Arábia Saudita do hidrogênio”. Os vencedores, na opinião dela, serão os países que olham para a frente e já pensam na venda desse combustível embutido em produtos de mais alto valor.

“O mundo já consome hoje 95 milhões de toneladas de hidrogênio por ano. Essa é a plataforma de descarbonização atual. Mas fala-se em uma demanda de 400 milhões, 500 milhões, 600 milhões de toneladas em 2050”, afirma ela.