O governo do Rio Grande do Norte fechou uma parceria com uma startup suíça que promete transformar em realidade uma ideia curiosa sugerida pela ex-presidente Dilma Rousseff seis anos atrás: estocar vento. Ou quase isso.
A tecnologia desenvolvida pela Energy Vault é uma espécie de bateria mecânica que permite guardar energia eólica em blocos de concreto de 35 toneladas.
A ideia é surpreendentemente simples. Com a eletricidade gerada pelos cataventos gigantes (ou por qualquer outra fonte), motores erguem os blocos a uma altura de 120 metros. Uma vez lá no alto, eles estão “carregados” de energia gravitacional.
Para utilizar essa energia, basta desencadear o processo inverso: os blocos são baixados, e um gerador transforma a energia cinética em eletricidade.
Esses sistemas são chamados de armazenamento gravitacional e têm uma lógica de funcionamento muito parecida com a das usinas hidrelétricas reversíveis, que bombeiam água para reservatórios em um nível mais alto. A água funciona como uma ‘bateria hidráulica’ que pode ser acionada conforme a necessidade.
A EV Brasil, subsidiária local da Energy Vault, assinou um memorando de entendimento com o governo potiguar para construir o primeiro sistema do tipo no país.
O projeto está em fase de estudos e João Fernandes, presidente da EV Brasil, diz que a torre da Energy Vault será parte de um pólo no Estado para exportar combustíveis verdes.
A ideia é usar a energia eólica como insumo para a produção de combustíveis verdes, como hidrogênio ou metanol. As baterias servem para garantir um fornecimento constante de eletricidade para produzir esses combustíveis.
“O grande problema das energias renováveis é a intermitência”, diz João Fernandes, presidente da EV Brasil. “O que fazer nas horas ou nos dias em que não tem sol ou vento?”
Carga máxima
Essa inconstância é um dos principais obstáculos a superar para que fontes como energia solar e eólica possam cumprir a promessa de gerar eletricidade para o mundo.
É impossível coordenar a demanda com os caprichos da natureza. Em alguns momentos, a necessidade de eletricidade é grande – mas as hélices gigantes estão paradas. Em outros, venta demais — mas aí falta quem precise de eletricidade. O mesmo problema ocorre com a energia solar à noite.
O premiê britânico, Boris Johnson, disse recentemente que sua intenção era transformar o Reino Unido numa “Arábia Saudita dos ventos”. Mas no ano passado o país essencialmente jogou fora 3,7 TWh de energia eólica, ou o consumo anual do País de Gales, porque a rede do país não tinha condições de absorvê-la.
Eis uma das promessas das baterias: servir como uma espécie de regulador entre a geração e o consumo.
O negócio da estocagem de vento (e também de raios solares) deve crescer 20 vezes até o fim da década, segundo a empresa de pesquisas BloombergNEF.
Há estimativas de que os investimentos nesse segmento superem US$ 260 bilhões nesse período e representem uma capacidade adicional suficiente para armazenar toda a energia elétrica gerada por um país como o Japão em um ano.
Hoje, 80% da base instalada dos sistemas de armazenamento são as hidrelétricas reversíveis. Mas elas dependem de um terreno com características específicas (com uma área e desnível mínimos), licenciamento ambiental complexo — e água, é claro.
O terreno desértico da Arábia Saudita não oferece nenhuma dessas condições. A Saudi Aramco, a petroleira do país, está erguendo uma planta com capacidade de 1GW/h com base na tecnologia da Energy Vault.
Um dos fundadores da companhia é Bill Gross. Homônimo do fundador da maior gestora de renda fixa do planeta, a Pimco, este outro Bill Gross é um célebre empreendedor do Vale do Silício que ficou bilionário acelerando negócios de internet em sua incubadora, a Idealab.
Há cerca de dois anos, ele mudou o foco para energias limpas.
A Energy Vault foi uma das companhias que ele ajudou a tirar do papel. Fundada em 2017 com um investimento de US$ 2 milhões de Gross, a empresa foi avaliada em US$ 1,1 bilhão na aquisição por uma Spac. A expectativa é que o negócio seja concluído no começo do ano que vem, e a Energy Vault passe a ser negociada na bolsa.
Hoje, a sede da Energy Vault fica na Suíça, e é no país que a empresa opera a primeira unidade comercial de sua bateria gravitacional, há pouco mais de um ano.
O sistema está integrado à rede elétrica suíça e é operado por uma “geradora virtual“, que faz compra e vende energia dependendo das flutuações de preço.
100 milhões de iPhones
Como a Energy Vault, outras empresas buscam maneiras inovadoras de guardar a energia do sol e dos ventos. Por enquanto, as baterias de íons de lítio ainda são a opção mais utilizada.
O maior projeto de armazenamento de energia elétrica do mundo em operação fica na Califórnia.
As turbinas da termelétrica de Moss Landing foram substituídas por milhares de baterias de íons de lítio – as mesmas usadas em seu celular ou em carros elétricos.
O sistema é capaz de fornecer toda a eletricidade consumida por 225 mil casas durante quatro horas. O projeto da Vistra, dona da planta e de 36 usinas termelétricas a gás natural, faz parte de um investimento de US$ 1 bilhão para abandonar gradualmente os combustíveis fósseis.
“Estou decidido a não ser a próxima Blockbuster”, disse o CEO da empresa, Curt Morgan, ao Wall Street Journal. “Não vou ficar sentado assistindo esse negócio minguar.”
Outros projetos semelhantes estão em desenvolvimento nos Estados Unidos. Na Flórida, um parque de baterias abastecidas por energia solar em construção terá a capacidade equivalente a 100 milhões de iPhones – ou o bastante para manter a Disney World aberta por sete horas.
Fernandes afirma que o sistema desenvolvido pela Energy Vault tem uma eficiência comparável à das baterias tradicionais, com duas vantagens importantes.
Em primeiro lugar, o componente mecânico do sobe-e-desce dos blocos não está sujeito à degradação natural que ocorre com as baterias químicas. O fenômeno é chamado “efeito memória” e conhecido por todo mundo que tem um celular ou laptop: as baterias vão perdendo capacidade com o passar do tempo.
As baterias da Energy Vault são modulares, como peças de Lego. As tradicionais também oferecem essa flexibilidade. Mas matérias-primas minerais como lítio, níquel, manganês ou cobalto estão com a demanda nas alturas com a transição das montadoras para veículos elétricos.
E essa é a segunda vantagem destacada pelo executivo. “Precisamos de aço, concreto e motores e geradores que praticamente são commodities hoje”, diz Fernandes. “Tudo isso é fácil de encontrar em qualquer lugar do mundo.”
Apesar dessa facilidade na cadeia de fornecimento, o uso maciço de concreto e aço cria uma respeitável pegada de carbono para um negócio que vem justamente para ajudar a descarbonizar a matriz energética.
Fernandes afirma que está em contato com uma mineradora brasileira para usar resíduos na composição dos blocos, o que ajudaria a mitigar as emissões associadas à montagem do sistema de armazenamento.