Em NY, evento climático brasileiro foca mais em soluções

Potencial de produção de SAF, minerais críticos e energia limpa para data centers – Brazil Climate Summit ajusta o foco e apresenta o 'lado bom' do Brasil

Painel do Brazil Climate Summit em Nova York
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NOVA YORK – Em meio aos incêndios que afastam o Brasil de suas ambições climáticas, executivos e pesquisadores brasileiros e estrangeiros se reuniram nesta quarta-feira (18) em Nova York para discutir as soluções climáticas que o Brasil tem para oferecer ao mundo. Matriz energética limpa, biocombustíveis, restauração florestal para gerar créditos de carbono, práticas agrícolas regenerativas e a exploração de minerais críticos. 

Pouco se falou sobre a fumaça das queimadas que encobre mais da metade do país. “Senti que este ano o evento discutiu mais negócios”, disse uma participante brasileira do Brazil Climate Summit 2024, que participou das três edições americanas do encontro. 

Era o que os organizadores tinham como objetivo: promover uma narrativa do Brasil como hub de soluções climáticas e funcionar como uma plataforma de conexão entre investidores e empresas – uma das sessões deste ano envolveu pitches de startups. 

O evento deu origem ao Brazil Climate Institute, guarda-chuva sob o qual fica a conferência. 

“A gente tinha uma inquietação, de que o tema de clima e Brasil no exterior era sempre desmatamento, todos os potenciais que a gente tem de economia de baixo carbono eram poucos conhecidos fora do país”, diz Jorge Hargrave, diretor da Maraé Investimentos e co-fundador do Brazil Climate Summit. 

O momento é propício. O Brasil preside este ano o G20, e no ano que vem estará à frente dos BRICs e da COP30, que acontece em Belém. Eis uma comparação repetida durante o evento: o país tem histórico de liderança nas negociações diplomáticas sobre clima, mas está ausente em outros espaços decisórios. 

Um dos exemplos citados foi o fato de o país não ter um representante no conselho da Verra, maior certificadora de créditos de carbono do mundo, apesar de abrigar a maior floresta tropical do mundo.

“Começamos com o showcase do Brasil, hoje queremos construir pontes com outros países”, diz Luciana Ribeiro, fundadora da EB Capital e do evento. Este ano o Climate Summit fez sua primeira edição na Europa, em Paris, e ano que vem desembarca no Oriente Médio, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes. 

Para Marina Cançado, da Converge Capital e que fecha o trio de fundadores do evento, o Brasil precisa reforçar a mensagem de que está aberto a negócios. “É uma mudança de postura. Mostrar que está aberto a construir soluções com outros países, a colaborar e construir pontes. Aí, apresentar as soluções disponíveis”, afirma.

Confira os principais destaques do evento: 

O tamanho da oportunidade

O Brasil tem potencial para receber US$ 3 trilhões em investimentos provenientes do compromisso do setor privado de se tornar neutro em emissões de gases de efeito estufa até 2050, segundo estudo do Boston Consulting Group (BCG) apresentado na abertura do evento. O número já havia sido divulgado no relatório de 2022. No mundo, a demanda de capital será da ordem de entre US$ 100 trilhões e US$ 150 trilhões nas próximas três décadas.

“O Brasil tem vantagens competitivas para liderar a transição climática, com soluções baseadas na natureza, biocombustíveis, energia renovável, agricultura sustentável e produtos industriais de baixa emissão”, disse Arthur Ramos, diretor e sócio do BCG. 

Caminho para a liderança

Que o Brasil tem os ativos ambientais para liderar as discussões sobre mudanças climáticas ninguém questiona. Mas ainda não chegamos lá. “Há um caminho a ser trilhado para o Brasil que não pode ser ignorado e que fará toda a diferença para o país se mostrar ao mundo como uma liderança da transição energética”, disse Nili Gilbert, vice -presidente do conselho de administração da consultoria Carbon Direct e diretora do painel técnico do Gfanz, uma aliança global do setor financeiro pela descarbonização. 

Em diversos painéis, executivos citaram como lição de casa do país reduzir o risco-país para atrair investimentos estrangeiro, como manter o equilíbrio fiscal e combater a corrupção. Gilbert disse que é importante entender das empresas quais responsabilidades cabem ao governo. “É importante que o país trabalhe em diferentes tipos de legislação, entenda os diferentes caminhos, rotas, para focar e desenhar seus planos.”

O que vai “nos salvar” não são as soluções baseadas na natureza, mas sim as cadeias de suprimentos e o mercado energético, disse Luiz Amaral, ex-presidente do Science Based Target initiative (SBTi), a entidade que confere o selo mais respeitado aos planos net zero das empresas.

“Temos que pensar grande. Não precisamos de estratégia de sustentabilidade, mas que a sustentabilidade entre na estratégia”, afirmou.

Governo on board

Havia uma percepção geral de que o tema da transição está na agenda do governo brasileiro, tanto do Executivo quanto do Legislativo. A capacidade diplomática do país foi destacada, assim como a oportunidade única que o Brasil na liderança do G20 e da conferência do clima da ONU.

“É um momento histórico para o Brasil como sede da COP30”, disse Andrew Mayock, diretor federal de sustentabilidade do Conselho de Qualidade Ambiental da Casa Branca.“O governo não pode fazer tudo, mas tem um papel importante de coordenação entre o setor público e privado na agenda de sustentabilidade.” 

Mayock deu um palpite em tom de conselho: para o setor privado, premiar funciona melhor que punir. Mayock citou como exemplo o programa do governo americano IRA (Inflation Reduction Act), com investimentos em energia limpa e ações climáticas. “Temos US$ 100 bilhões no Departamento de Energia para investir.”

Parceria público-privada

Em coletiva de imprensa, os organizadores do evento disseram que uma dos objetivos do Brazil Climate Institute é trabalhar em maior colaboração com o governo brasileiro para atrair capital estrangeiro para o Brasil. Marina Cançado diz que já estão em conversas para o evento nos Emirados Árabes. 

Diversos atores do governo estiveram nos painéis do Brazil Climate Summit 2024. O chefe da delegação brasileira na COP, André Corrêa do Lago, participou da abertura e do fechamento do evento. 

Secretário do clima, energia e meio ambiente do Ministério das Relações Exteriores, Corrêa do Lago é cotado para presidir a COP30. O anúncio pode ser feito em Nova York, quando o presidente Lula participa da Assembleia Geral da ONU.

A antecipação do anúncio, previsto inicialmente para acontecer na COP29, no Azerbaijão em novembro, seria um aceno à comunidade internacional frente aos incêndios no país. 

Alfinetada

Na palestra de encerramento do evento, Corrêa do Lago foi questionado sobre a ambição do país de ser ao mesmo tempo um líder da agenda climática global e um dos maiores produtores de petróleo do mundo (a exploração da Margem Equatorial podem colocar o Brasil em quarto no ranking dos produtores de petróleo e gás).

“Os países precisam sair dos combustíveis fósseis, mas o petróleo será necessário ainda por mais alguns anos”, respondeu o embaixador. Numa provocação em resposta, ele perguntou ao inglês Michael Stott, jornalista do Financial Times, que países serão autorizados a continuar extraindo combustíveis fósseis. 

Historicamente, foram os países desenvolvidos que usaram petróleo para promover seu desenvolvimento econômico. “Essa é uma discussão muito importante, de como lidamos com combustíveis fósseis até alcançarmos a economia neutra em carbono em 2050, e o Brasil está fazendo essa discussão internamente.”

Transição energética

O fato de o Brasil ter 90% de sua matriz elétrica limpa foi descrito como o nosso grande trunfo, frente a uma média global de 30%. Os painelistas destacaram o potencial para exportar soluções para transição energética para outros países. 

“O país tem a oportunidade de usar energia limpa para produção de commodities verdes, como cimento [de baixo carbono] e SAF (combustível sustentável de aviação, na sigla em inglês)”, afirmou Gilbert, da Carbon Direct. Ela destaca o bom relacionamento que o país tem com as duas grandes potências mundiais: EUA e China. 

Um mundo de energia para IA

O avanço dos usos da inteligência artificial tem aumentado substancialmente o consumo de energia pelos data centers no mundo.

Questionada sobre o potencial de o Brasil receber data centers, Jen Huffsteller, chefe de produtos sustentáveis da Intel, disse que tinha acabado de voltar de um evento da Europa e de que a discussão de tirar data centers de países onde a matriz energética não é sustentável está acontecendo entre as empresas e que o Brasil é uma opção. 

Minerais críticos

Minerais são essenciais para a transição para baixa economia de carbono. E o Brasil precisa identificar os projetos estratégicos para destravar esses investimentos, segundo o professor da Columbia Tom Moerenhout. Segundo ele, há hoje milhares de projetos esperando por licença no país. “Há um gargalo no licenciamento, levamos dois anos para ter licenciamento para a fase 1 do projeto”, disse Daniel Abdo, diretor de desenvolvimento de negócios da Sigma Lithium, que explora lítio no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais. 

Mas se por um lado o licenciamento está lento, por outro agora há recursos direcionados disponíveis no país. “Abrimos capital no Canadá porque não tinha dinheiro aqui. Há duas semanas, saiu um financiamento do BNDES para a expansão das nossas operações”, afirmou. Com recursos do Fundo do Clima, o banco de desenvolvimento desembolsou R$ 487 milhões para a empresa.

Ao Reset, o executivo disse que não há mais planos de venda da empresa, por conta da queda do preço do lítio, e que o foco agora é a expansão da produção. 

Aviação mais verde

O Brasil está liderando o caminho de SAF, afirmou Yuri Orse, diretor da Acelen Renewables, empresa controlada pelo fundo árabe Mubadala Capital. E a macaúba, uma palmeira nativa da Amazônia, parece ser a menina dos olhos do setor.

“É importante que o insumo não compita com alimentos, e [o óleo da] macaúba é uma das soluções, junto com o etanol de segunda geração”, disse Paula Kovarsky, vice-presidente de M&A, sustentabilidade e estratégia da Raízen. 

Tanto o óleo de macaúba quanto o etanol podem ser transformados em SAF.

João Auler, head de infraestrutura e recursos naturais do UBS Brasil, destaca que um ponto crítico é o custo do insumo. O querosene verde de aviação ainda é produzido em escala ínfima globalmente e custa entre duas e três vezes mais que o convencional fóssil.

Auler fez uma comparação com o mercado de energia solar, em que a escala reduziu o custo de produção. “O mesmo vai acontecer com o SAF.”

English, please

Existe uma revoada de brasileiros para Nova York nesta época do ano. Em paralelo à Assembleia Geral da ONU, acontecem mais de uma centena de eventos sobre o clima, reunidos sob o nome Climate Week NY. O Brazil Climate Summit é realizado estrategicamente na semana anterior.  

O aumento da audiência estrangeira foi perceptível nesta edição do evento. Na primeira de estreia, a frequência era tão majoritariamente brasileira que diversos painelistas fizeram suas apresentações em português. Neste ano, toda a conferência foi realizada em inglês, com tradução simultânea. Até as coletivas de imprensa foram realizadas em inglês para contemplar jornalistas americanos que estavam cobrindo o evento pela primeira vez. Segundo os organizadores, foi feito um grande trabalho em rede para aumentar a frequência de estrangeiros no evento. 

* A repórter viajou a convite da organização do Brazil Climate Summit