CEO da Raízen: ‘O etanol de segunda geração é nosso’

Empresa inaugura segunda planta do biocombustível, quase triplicando a produção; compradores querem E2G para querosene de aviação verde

Presidente Lula participa da inauguração da segunda planta de etanol de segunda geração da Raízen, em Guariba (SP)
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Guariba (SP) – A Raízen inaugurou oficialmente nesta sexta-feira sua segunda usina de etanol celulósico, ou E2G, que usa os resíduos da cana-de-açúcar para fazer mais biocombustível e permite aumentar em até 50% a produtividade dos canaviais.

A nova planta, na cidade de Guariba, noroeste de São Paulo, está em operação desde o fim do ano passado e é o modelo das próximas sete que a empresa quer colocar em operação até 2027.

A unidade fica na mesma área da usina Bonfim, onde a companhia tem uma usina de etanol comum. O investimento foi de R$ 1,2 bilhão, o mesmo estimado para as futuras plantas.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva participou da solenidade, acompanhado do vice, Geraldo Alckmin, e de quatro ministros, incluindo Alexandre Silveira (Minas e Energia).

A companhia faturou R$ 58,5 bilhões no terceiro trimestre do ano-safra corrente, segundo a divulgação de resultados mais recente. Seu valor de mercado era de R$ 26,4 bilhões na tarde desta sexta.

A Raízen é a única empresa do mundo a produzir etanol celulósico em escala comercial. A tecnologia recebeu investimentos bilionários no início do século, mas a promessa só começa a ser cumprida agora.

“O E2G é nosso”, afirmou Ricardo Mussa, CEO da companhia, tentando emplacar um paralelo com a campanha nacionalista “O petróleo é nosso”, das décadas de 1940 e 1950, e que levou à criação da Petrobras. “É uma tecnologia proprietária, brasileira e patenteada”, completou Mussa.

Em seu discurso, Lula disse que vai ser “garoto propaganda” da inovação da companhia. “Vou pedir para prepararem umas garrafinhas com esse etanol e um folder” para entregar aos líderes do G20, que se reúnem no Rio de Janeiro em novembro.

Etanol de segunda geração

O plano da Raízen, uma joint-venture entre Cosan e Shell, é usar essa nova geração de biocombustível para abrir mercados novos e de alcance global ligados a indústrias de difícil descarbonização.

Com uma pegada de carbono 30% inferior ao combustível produzido no método tradicional e 80% menor que a da gasolina, o E2G é uma matéria-prima promissora para a fabricação de combustíveis sustentáveis de aviação, ou SAF.

A companhia foi a primeira a ter o etanol certificado para a transformação em querosene de aviação verde.

A primeira planta de E2G da Raízen foi inaugurada em 2014, em Piracicaba (SP). Outras quatro dedicadas ao celulósico estão em construção – duas começam a funcionar este ano – e três estão planejadas.

A estratégia da companhia é sempre erguer as plantas de biocombustível avançado junto às suas unidades atuais, por causa da disponibilidade do bagaço que sobra do processo tradicional.

A capacidade somada das duas unidades em funcionamento é de 112 milhões de litros. O país deve produzir 34 bilhões de litros na safra atual.

Segundo a empresa, a produção atual e futura de E2G já está 80% vendida, em contratos que somam € 4,3 bilhões. Em novembro de 2022, a Shell se comprometeu com a compra de 3,25 bilhões de litros de E2G.

Mussa afirma que hoje consegue vender o novo produto a um preço mais de 100% superior ao do etanol convencional.

Como não depende da abertura de novas áreas plantadas, o etanol celulósico tem apelo especial para os europeus. Além de obrigações regulatórias que exigem uma rápida adoção de SAF pelas companhias aéreas, alguns países do bloco impedem a compra de combustíveis que competem com a produção de alimentos.

 Net zero

A Raízen aposta na importância crescente da tecnologia para a descarbonização global e larga com vantagem sobre concorrentes. Embora a ciência da quebra dos açúcares dos resíduos seja dominada há muitos anos, a brasileira foi a única a dar o passo seguinte: a escala industrial.

O método convencional de produção do etanol é essencialmente o mesmo há milênios: o suco da cana-de-açúcar é fermentado por leveduras e depois destilado.

Já o E2G envolve cinco etapas diferentes e o uso de enzimas especialmente formuladas para extrair os açúcares presentes na biomassa da cana e então submetê-los ao processo tradicional.

A mesma lógica pode ser aplicada a outros tipos de resíduos orgânicos, mas isso depende de adaptações técnicas, de acesso à matéria-prima e também de distribuição – as vantagens atuais da companhia.

Além de ingrediente-base para o SAF, o etanol celulósico pode ser transformado em hidrogênio e combustíveis limpos para navegação. Como tem as mesmas propriedades do etanol convencional, ele também pode ajudar na descarbonização de indústrias químicas e de cosméticos.

Esse potencial vem reacendendo o interesse pela tecnologia. A startup Terragia, que desenvolve uma tecnologia mais eficiente para transformar resíduos orgânicos em etanol, recebeu há um mês um aporte de US$ 6 milhões, indicando a volta dos investidores de risco ao segmento.

A brasileira GranBio, do ex-CEO da Braskem Bernardo Gradin, também aposta que seu portfólio de patentes do E2G possa finalmente se transformar num negócio viável com o nascente mercado de querosene verde para aviação.

* O repórter viajou a convite da Raízen