“Sendo claro: celebro a Raízen. Sou 100% fã. O mundo não dá a atenção que a empresa merece. Mas encontramos um jeito melhor.”
É assim – respeitosamente – que o pesquisador e empreendedor americano Lee Lynd fala das vantagens da sua tecnologia para produzir etanol celulósico de forma mais barata e eficiente que a gigante brasileira.
Em março, a startup que ele fundou há um ano e meio fechou uma rodada de capital semente. Os fundos americanos Engine Ventures e Energy Impact Partners colocaram US$ 6 milhões no negócio.
Bilhões de dólares foram investidos em pesquisas e startups que falavam em incríveis saltos de produtividade e um novo cardápio de matérias-primas orgânicas que poderiam ser transformadas em combustíveis.
Mas a tecnologia não estava pronta – longe disso.
A Raízen foi a única sobrevivente entre os pioneiros. Depois de muitos anos de insistência, e com a vantagem do insumo à mão, a companhia foi a única a chegar à escala comercial. A Raízen tem duas unidades produzindo E2G e seis outras em construção.
Lynd comenta a obstinação da gigante brasileira: “Nosso negócio é melhor por causa deles. Estão replicando plantas comerciais, com sucesso”.
Ao mesmo tempo, diz, o método desenvolvido nos laboratórios que chefia na Universidade Dartmouth, nos EUA, e na Universidade de Campinas (Unicamp) representa uma ruptura tecnológica.
A técnica atual, também usada pela Raízen, envolve etapas distintas para “quebrar” a lignocelulose – ou seja, separar a lignina da celulose – com enzimas especiais para extrair os açúcares que depois serão fermentados.
Isso é “inerentemente caro, complexo e tem desafios operacionais – e sempre será assim. Fazemos um processo consolidado, algo radicalmente diferente”, diz Lynd ao Reset.
A Terragia utiliza microorganismos modificados geneticamente que fazem tudo sozinhos, de forma mais eficiente e mais barata, afirma o pesquisador.
A startup ainda está no estágio de testes de laboratório. A primeira unidade piloto só deve ser erguida daqui a dois anos, e outros dois serão necessários para volumes comerciais.
“Se o etanol celulósico quiser realizar seu potencial climático, a produção terá de ser muito maior [que a do etanol convencional]”, diz Lynd.
Foco na tecnologia
A ambição da empresa é ser uma fornecedora de tecnologia. A Terragia tem um acordo com uma grande produtora de biocombustíveis americana.
No mês passado, Lynd e Kristin Brief, recém-contratada para o cargo de CEO da startup, estiveram no Brasil para sondar o interesse das empresas daqui em adquirir a tecnologia ou fazer parcerias com a startup. A Terragia não quer ser ela própria a produtora do etanol celulósico.
“Não queremos ser verticalmente integrados. Nosso ‘molho especial’ é a tecnologia”, afirma Brief.
A ideia é que o etanol celulósico seja feito no mesmo local em que são gerados os resíduos do etanol convencional, a mesma estratégia da Raízen em suas usinas.
Com o tempo, afirma ela, outros tipos de biomassa, em outras partes do mundo, poderão ser usados como matéria-prima.
SAF
O interesse renovado no etanol celulósico está diretamente relacionado à demanda por combustíveis sustentáveis de aviação (SAF).
A rota que transforma o álcool em SAF é uma das mais promissoras, e a pegada de carbono do biocombustível usado como ponto de partida é decisiva.
Lynd afirma que, com as técnicas agrícolas e as características do país, o etanol de cana de primeira geração produzido no Brasil já tem condições de ser transformado em querosene sustentável.
Já o de milho feito nos Estados Unidos não tem os mesmos atributos, segundo ele. Esse é um dos motivos pelos quais há diversos incentivos no país para acelerar a produção de etanol celulósico, inclusive no Inflation Reduction Act, o megapacote verde de Joe Biden.
A urgência da crise do clima é um dos fatores que explicam o fim do longo inverno que pairou sobre o E2G. E Lynd aponta diferenças entre a primeira onda e o movimento que se desenha agora.
“Naquela época, fornecedores de tecnologia, investidores, governos, todos contribuíram para criar a sensação de que a tecnologia estava pronta”, afirma ele. “Fizeram pilotos e deram enormes saltos de escala [de produção] antes da hora.”
Agora, o plano é avançar o mais rápido possível, mas sendo “transparentes e íntegros em relação ao ponto em que estamos”, diz Brief.
A base científica já existe. Lynd é uma das maiores autoridades mundiais em biocombustíveis avançados. Seus trabalhos científicos foram citados mais de 38 mil vezes, e ele detém 23 patentes.
A propriedade intelectual da Terragia envolve as ferramentas de manipulação genética e as formas de aplicá-las nas bactérias que farão o trabalho pesado de transformar essa biomassa “recalcitrante” em álcool.
“Quebrar o açúcar dos grãos de milho ou da cana é a parte fácil. Mas as cascas e outras fibras são outra história”, diz Lynd. “Essas partes não-nutritivas das plantas resistem a ataques de micróbios há 1 bilhão de anos.”
O processo usado hoje para obter o E2G – de qualquer fonte orgânica – exige um pré-tratamento que combina calor com químicos para que os açúcares possam ser acessados. O passo seguinte é adicionar enzimas especiais.
A Terragia dispensa essa preparação inicial e as enzimas. Consolidar as etapas significa uma redução de custo importante, afirma o pesquisador. “Não é um pouco melhor. É radicalmente melhor. Temos muitas evidências científicas.”
A Raízen estima que o E2G representa um aumento de 50% na produção de etanol para uma dada quantidade de cana-de-açúcar.
Lynd diz que seu método ainda não atinge esse rendimento, mas que no longo prazo a Terragia pode ser ainda mais produtiva.
“Se vai dar certo ainda não sabemos. Mas ninguém pode dizer que estamos fazendo a mesma coisa que os outros”, afirma ele
“Só para deixar claro, a gente acha que vai dar certo”, interrompe Brief, sorrindo.