O que são os CBIOs? Conheça o mini mercado de carbono brasileiro

O Brasil ainda não tem um mercado regulado de carbono, mas desde 2019 opera um específico para o setor de combustíveis, o RenovaBio. Entenda

O que são os CBIOs? Conheça o mini mercado de carbono brasileiro
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Cada vez mais países optam por ter um mercado regulado de carbono, a exemplo do europeu, em que o governo determina que empresas de setores mais poluidores precisam comprar “permissões” para emitir gases de efeito estufa.

O Brasil ainda não tem uma regulação mais ampla nesse sentido, mas desde 2019 vem operando um mini mercado de carbono, voltado apenas para o setor de combustíveis. 

É o RenovaBio, que tem como peça central a negociação de CBIOs, certificados de descarbonização que visam incentivar o uso de combustíveis renováveis, em detrimento das alternativas fósseis.

Na prática, o CBIO é um crédito de carbono com um uso bastante específico. 

Todo ano, as distribuidoras de combustíveis são obrigadas a comprar uma quantidade determinada de CBIOs.  Quem emite esses CBIOs são os produtores de biocombustíveis, como etanol, biodiesel e biometano. 

Cada certificado representa uma tonelada de carbono equivalente que deixou de ser emitida para a atmosfera ao substituir o combustível fóssil por um renovável.

Grosso modo, a lógica é que, ao ‘premiar’ os produtores de biocombustíveis com uma nova fonte de receita, há um incentivo para a produção. 

Na mão contrária, a expectativa é que, com o tempo, as distribuidoras repassem o preço dos CBIOs aos combustíveis fósseis, diminuindo sua atratividade para o consumidor. 

Como surgiu o RenovaBio?

O programa foi estabelecido em 2017, durante o governo de Michel Temer, por meio da lei 13.576, que estabeleceu a Política Nacional de Biocombustíveis. Detalhes de seu funcionamento foram regulamentados ao longo de 2018 e 2019. 

As primeiras negociações de CBIOs aconteceram em 2020. A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) foi uma das principais articuladoras para que a pauta avançasse. 

O objetivo central do RenovaBio é atender à meta de redução de emissões estabelecida pelo Brasil no Acordo de Paris, que inclui o aumento da participação de biocombustíveis para 18% da matriz energética até 2030. Esse patamar era de 5,3% para o etanol e 1,1% para o biodiesel em 2015, quando o acordo foi assinado.  

Anualmente, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), que atua como reguladora, define quantos CBIOs cada distribuidora deve comprar. O volume total de compra de CBIOs aumenta ano a ano. A quantidade que cada distribuidora deve adquirir leva em conta o volume de combustíveis fósseis vendido no ano anterior. 


Como é emitido um CBIO e o que é levado em conta?

O volume de emissão de CBIOs não é o mesmo para cada litro produzido de etanol ou biodiesel. 

As usinas podem emitir mais certificados quanto mais conseguem ser eficientes no seu processo de produção e comprovar a origem ambientalmente correta da matéria-prima. 

A chamada Nota de Eficiência Energético-Ambiental determina qual a intensidade de carbono da produção do biocombustível em todo seu ciclo de vida, desde a produção agrícola até o transporte, passando pela fase industrial. 

Quanto melhor essa nota (ou menor a intensidade de carbono em relação ao combustível fóssil), maior o número de CBIOs que a usina pode vender.  

Outro fator que determina a quantidade de emissões de CBIOs é a chamada “fração elegível”: as usinas precisam garantir que a matéria-prima utilizada na fabricação dos biocombustíveis vem de áreas livres de desmatamento e que tem Cadastro Ambiental Rural (CAR) regularizado. 

É uma forma de incentivar o controle sobre a cadeia de produção – se o produtor de biocombustíveis não consegue saber a origem da matéria-prima, não pode usar o volume de combustível equivalente para gerar CBIOs. 

“Na cadeia da cana, em que as usinas compram direto do produtor de cana, é fácil rastrear e a elegibilidade média é da ordem de 90%. Quando eu vou para a soja, em que há vários elos na cadeia até chegar ao produtor de biodiesel, ela cai para menos de 30%”, diz Felipe Bottini, sócio-fundador da Green Domus. 

A empresa é uma das certificadoras autorizadas pela ANP para avaliar e validar as usinas para a emissão de CBIOs. 

Com os cálculos e a documentação em mãos, as usinas contratam um escriturador – banco ou instituição financeira – para de fato emitir o CBIO e registrá-lo na bolsa de valores. O principal escriturador do país é o Santander, que participou de 60% das operações. 

Quem define o preço dos CBIOs? 

O governo não determina o preço dos CBIOs. Eles são negociados no mercado, via B3, e seu preço segue a lei de oferta e demanda – com base nas obrigações de compra definidas pelo governo e na quantidade de títulos que as usinas estão disponibilizando. 

“Uma das belezas do RenovaBio é que, com isso, ele busca definir o incentivo econômico mínimo para que os consumidores finais comprem renováveis em detrimento dos combustíveis fósseis”, explicam os analistas Thiago Duarte e Pedro Soares, do BTG Pactual, em relatório.   

O crédito de descarbonização circula no mercado como ativo até que seja “aposentado” pelo comprador. Quando uma distribuidora aposenta o CBIO, ele é retirado do sistema e aquela tonelada de CO2 equivalente é descontada de sua carteira de emissões.

A cotação tem sido bastante volátil. Nas primeiras negociações, em meados de 2020, o preço médio ficou em R$ 15. No pico, em junho de 2022, a cotação chegou a ultrapassar os R$ 200 e, em março de 2023 estava em torno de R$ 90 a R$ 100. 

Como um mercado ainda jovem, parte da oscilação está ligada a um processo natural de descoberta de preços. Porém, a falta de clareza do governo em relação às metas – e constantes cortes na meta de CBIOs a serem comprados anualmente, além de adiamentos para cumprimento das obrigações – também deixaram o mercado com pouca referência. 

O CBIO pode ser utilizado para compensar emissões fora do setor de combustíveis? 

Quando o RenovaBio entrou em vigor, parte da indústria de biocombustíveis defendia que os CBIOs podiam ser utilizados para compensar as emissões de gases de efeito estufa de empresas de fora do setor de combustível, como parte de seus planos de net zero. 

Mas esse uso nunca foi para frente. O fato é que os CBIOs não conversam com os créditos de carbono que integram o mercado voluntário. 

“Existem diferenças essenciais na metodologia. O CBIO vem de uma política setorial com foco na intensidade de carbono e não na redução absoluta”, afirma Ana Chagas, sócia da área ambiental, ESG e de mudanças climáticas do Campos Mello Advogados. 

Outro ponto é a adicionalidade: para fazer a compensação de emissões no mercado voluntário, é essencial que o crédito de carbono sirva para tirar do papel projetos que não seriam viáveis sem aquele incentivo econômico. Não é o caso da produção da maior parte dos biocombustíveis, que já é bem estabelecida. 

Na prática, as negociações no mercado acontecem entre os entes regulados pelo RenovaBio. De acordo com dados da B3, há cerca de 24,6 milhões de CBIOs em estoque, dos quais 66% estão nas mãos de distribuidoras, 31% de emissores e apenas 3% entre partes não obrigadas. 

Quem pode comprar CBIOs? 

A princípio, não há uma vedação para que outros participantes, além das distribuidoras e produtoras de biocombustíveis, que são partes reguladas, negociem CBios. Mas, na prática, há uma insegurança jurídica e de tributação que acaba afastando outros participantes do mercado. 

A questão é que não há definição na lei sobre a natureza jurídica dos CBIOs, explica Renato Lopes da Rocha, sócio da área tributária da Campos Mello Advogados. 

Há uma indicação de que a legislação os reconhece como ativo financeiro, mas não há consenso se seriam commodities ou títulos mobiliários, por exemplo, o que altera diretamente quais os impostos referentes. 

“Ainda há muita discussão sobre o tema. A lei não trata das operações subsequentes, que não sejam com emissores primários, nem de demais tributos federais”, diz Rocha. “Cada natureza jurídica pode ter uma consequência tributária distinta.”

No fim de 2022, uma nova regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) classificou créditos de carbono do mercado regulado (o que, no Brasil, resume-se aos CBIOs) como ativos financeiros – o que significa que poderão ser criados fundos com esses ativos em carteira. Mas a insegurança tributária permanece. 

O RenovaBio tem sido eficaz para a descarbonização? 

Para Chagas, do Campos Mello Advogados, o RenovaBio tem funcionado bem para sua finalidade. Ela pondera, porém, que o programa ainda é “bem jovem” e está em fase de aprendizagem. 

Um exemplo de mudanças são os ajustes feitos nas metas anuais para a aposentadoria de CBIOs. No ano passado, a previsão inicial era de que, em 2023, 42,35 milhões de CBIOs seriam aposentados pelas distribuidoras. Agora, o Ministério de Minas e Energia (MME) reduziu a meta para 37,47 milhões de créditos. 

O primeiro ano com compras obrigatórias de CBIOs coincidiu justamente com o início da pandemia de covid-19, que derrubou a atividade econômica e, por consequência, o consumo de combustíveis – levando a um ajuste nas metas já de largada. 

Além disso, houve muita judicialização no setor. Representantes de pequenas distribuidoras foram à Justiça para questionar as metas, por exemplo, alegando, entre outros fatores, que elas prejudicavam a competição e davam uma vantagem às concorrentes de maior porte. 

“Há pontos que podem ser aprimorados, mas no geral, o RenovaBio é uma política bem desenhada”, afirma Luiz Gustavo Bezerra, sócio do Tauil & Chequer Advogados, autor do livro “Direito Ambiental Econômico”, que trata de instrumentos de mercado voltados para o meio ambiente. 

“A experiência internacional com mercados de carbono mostra que sempre há um período de adaptação, e de descoberta”, diz o advogado, acrescentando que o programa é um bom laboratório para um mercado de carbono regulado mais amplo, que envolva outros setores da economia. 

Coordenador do programa de economia de baixo carbono do Instituto Clima e Sociedade, Gustavo Pinheiro concorda que, na perspectiva teórica e conceitual, o RenovaBio é positivo. 

“O problema, como sempre, está nos detalhes”, diz, “O programa foi instituído de forma muito afobada, sem um debate amplo com a sociedade, e tem aspectos de risco, em função dessa talvez imaturidade”.