Na sopa de letrinhas do mundo ESG, um acrônimo vem se consolidando como o principal caminho para resolver uma das questões mais complexas que se impõe a empresas, governos, banqueiros e investidores: como mensurar o impacto do aquecimento global nos negócios.
A TCFD, de Task Force on Climate-Related Financial Disclosures, já tem a adesão de mais de 1200 membros em todo o mundo e vem ganhando cada vez mais apoiadores.
Mas, no Brasil, que luta para sair da névoa do negacionismo, a adesão ainda é fraca — num atraso que pode significar não só a perda de investimentos, como também da oportunidade trabalhar, como país, em prol de um desenvolvimento mais verde.
O objetivo final da TCFD é padronizar e quantificar os impactos climáticos, permitindo, entre outras coisas, que credores precifiquem o risco na hora de conceder empréstimos e que investidores possam trazer a valor presente os riscos e oportunidades advindos da mudança do clima.
Entre investidores, a lista de endossos é superlativa. Inclui a BlackRock, maior gestora de recursos do mundo; o fundo de petróleo da Noruega, maior fundo soberano do mundo, e o fundo do governo do Japão, o maior fundo de pensão.
Ao todo, investidores com mais de US$ 34 trilhões sob gestão já subscreveram a iniciativa.
Por aqui, são apenas 20 signatários oficiais da TCFD, que incluem nomes como B3, Bradesco, BRAM, CNSeg, BTG, Eletrobras, CPFL Energia, Duratex, Febraban, Itaú, Natura, Susep, Suzano e Vale.
“Por muito tempo, as pessoas me recebiam para falar sobre a TCFD mais pelo respeito à minha história do que por interesse no assunto”, diz Denise Pavarina, ex-diretora do Bradesco e ex-presidente da Anbima, que atua como vice-chair da TCFD para a América Latina. “Mas, do fim do ano passado para cá, isso vem mudando”
Num webinar para apresentar a tradução do framework da força-tarefa para o português, representantes de empresas e bancos falaram sobre as dificuldades de implementar as métricas.
E defenderam o que não costumam defender: mais regulação.
“Tem um senso de urgência e escala que só a regulação dá”, disse Marina Grossi, diretora do Conselho Empresarial Brasileiro de Desenvolvimento Sustentável (CEBDS).
“O que ajudaria é se tivesse um propósito mais geral de país, se [a questão climática] fosse uma política de Estado”, completou Mário Sérgio Vasconcelos, diretor de sustentabilidade da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
Reino Unido, França e Canadá estão entre os países que já deram o apoio oficial à TCFD e pretendem utilizar algumas premissas em testes de estresse para instituições financeiras. O Canadá foi além: as empresas que quiserem financiamento do governo para atravessar a covid precisam aderir à TCFD.
“A agenda da TCFD, junto com a agenda da precificação de carbono é importante para ter uma economia de baixo carbono”, defendeu Grossi, do CEBDS. “Na retomada da economia, uma ferramenta como TCFD tem que ser usada como um instrumento para atrair os recursos”.
Do ambientês para o financês
Enquanto a maior parte dos padrões para se reportar questões ASG nasceram de iniciativas da ONU, um dos principais diferenciais da TCFD é que ela nasceu no sistema financeiro e, portanto, fala o idioma do mercado.
A TCFD nasceu em 2015 no Financial Stability Board (FSB), o braço operacional de assuntos financeiros do G20, que reúne presidentes de bancos centrais e ministros da economia dos países-membros.
“A TCFD representa para o mundo do reporte climático o que o smartphone representa para a democratização da informação”, diz Gustavo Pimentel, diretor da Sitawi, consultoria de finanças sustentáveis. “Ela faz a ponte com os resultados financeiros e nasceu com apoios de peso”.
O pai da criança foi Mark Carney, então presidente do Bank of England, e um dos pioneiros a alertar para o fato de que as mudanças climáticas poderiam representar um risco sistêmico para o sistema financeiro mundial. O financista e ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg é o chairman da iniciativa.
Em junho de 2017, a TCFD divulgou um framework recomendado , que tem quatro pilares.
Os dois primeiros, de governança e de gestão de riscos, dizem respeito ao presente: referem-se à atribuição de responsabilidades sobre as questões climáticas e aos processos empregados pelas organizações para identificar, avaliar e gerenciar essas questões.
As outras duas facetas, de estratégia e ‘métricas e metas’, podem exigir alguma futurologia, com análises e modelagens dos eventuais cenários climáticos, específicos para cada negócio e região de atuação.
Entre as recomendações está a de que as empresas definam um preço interno de carbono, além de métricas para oportunidades relacionadas ao clima, como receita de produtos e serviços para uma economia de baixo carbono.
De acordo com o último relatório de acompanhamento da TCFD, de junho de 2019, as empresas apoiadoras estavam reportando, em média, apenas 3,6 das 11 recomendações feitas pelo framework.
“Muitas empresas têm dúvidas de como tratar os cenários que devem ser utilizados”, diz Pavarina, que aponta o receio de divulgar informações ‘estratégicas’ como outro fator por trás da baixa adesão.
“O importante é que elas entenderem que não é mais um relatório para fazer para fora, mas sim uma ferramenta de gestão de risco, crucial para tocar o negócio.”
Um estudo feito pelo CEBDS com 61 empresas no Brasil mostra que 80% identificam riscos e oportunidades ligadas ao riscos climáticos, mas ainda não são capazes de tangibilizá-los.
Iniciativas brasileiras
Assim como em outros lugares do mundo, os bancos começaram o processo no Brasil. Itaú e Bradesco são signatários desde 2017.
A Febraban divulgou um relatório de orientação aos bancos desenvolvido sob encomenda pela SITAWI no começo de 2019, que inclui uma régua de sensibilidade para priorizar estratégias, gerenciar o risco e avaliar a materialidade das divulgações já recomendadas, de acordo com a sensibilidade da carteira de cada instituição.
Essa régua é baseada nos princípios da Resolução 4327, do Conselho Monetário Nacional, de 2014, que já estabelecia uma política socioambiental para bancos.
Agora, está trabalhando na análise de cenários climáticos, com diferentes hipóteses de aumento de temperaturas e em experiência de modelagens que possam ser aplicados ao país.
“Queremos fazer um guia de mensuração de gases de efeito estufa na carteira de crédito, tanto para mensurar os riscos como as oportunidades de crédito para a economia verde”, disse o diretor de sustentabilidade Mário Sérgio Vasconcelos, durante o webinar.
Na semana passada, a Suzano disponibilizou uma central de indicadores ESG, na qual é possível filtrar indicadores relativos a TCFD. “Me parece ser a melhor prática do mercado brasileiro até agora”, diz Pimentel, da Sitawi.