A SEC (Securities and Exchange Commission), órgão que regula os mercados de capitais americanos, aprovou uma proposta para exigir a divulgação padronizada das informações sobre as emissões de gases de efeito-estufa pelas companhias listadas nas bolsas americanas – inclusive as brasileiras.
A medida, parte da agenda do presidente democrata Joe Biden, é considerada um divisor de águas e finalmente atende à demanda antiga dos investidores por dados padronizados e comparáveis.
Segundo a proposta, um catatau de mais de 500 páginas, todas as empresas negociadas em bolsa terão de informar anualmente as emissões de suas atividades primárias (escopo 1) e também as relacionadas a seu consumo de energia (escopo 2).
Quanto a um dos pontos mais polêmicos do texto, a divulgação das chamadas emissões de escopo 3, aquelas associadas aos fornecedores e também aos consumidores dos produtos e serviços das empresas, a SEC admitiu certa flexibilidade.
O escopo 3 responde pela imensa maioria das emissões associadas a um negócio, mas seu cálculo é extremamente complicado, pois envolve toda a cadeia produtiva e obtenção de informações que estão fora dos domínios da empresa.
Por essa razão, a SEC resolveu isentar as empresas de menor porte dessa parte da divulgação. Pela proposta, ficam de fora companhias com free float inferior a US$ 250 milhões de dólares e também aquelas com receita anual de até US$ 100 milhões que tenham free float inferior a US$ 700 milhões.
Acima dessa linha, todas as empresas públicas terão de fazer a divulgação.
Mas, dada a dependência de informações prestadas por terceiros, o regulador propõe isentar as empresas da acusação de fraude nas divulgações de escopo 3.
A expectativa da SEC é que, com o tempo, as próprias divulgações das companhias abertas ajudem na tarefa de estabelecer de forma mais precisa as emissões de escopo 3.
Empresas de grande porte terão outra obrigação: a contabilidade das emissões de escopos 1 e 2 terão de ser submetidas a auditores independentes. Essa exigência não vale para os dados do escopo 3.
Pela nova norma, as empresas também serão obrigadas a informar a que riscos estão sujeitas por causa do aquecimento do planeta.
Outro ponto importante: as promessas de redução de emissões – net zero – terão de ser acompanhadas do “como”, incluindo o eventual uso de compensações com compra ou geração de créditos de carbono (offsets).
Se normalmente a SEC dá um tratamento diferenciado a emissores estrangeiros, desta vez será diferente. As companhias brasileiras que negociam ações nas bolsas americanas terão que se adequar.
“Normalmente as regras de disclosure da SEC têm algum desconto regulatório para emissores internacionais, que muitas vezes podem seguir os parâmetros da sua jurisdição de origem. Nesse caso, o discurso do presidente da SEC, Gary Gensler, deixou claro que os elementos centrais da proposta também se aplicarão a emissores estrangeiros”, diz Thiago Spercel, advogado sócio do escritório Paul Hastings. “Isso é ótimo para a nossa agenda ESG”, completa.
Resistência republicana
O texto passará por consulta pública nos próximos dois meses e só então será conhecida a versão final. A aprovação é dada como quase certa, pois a diretoria da SEC atualmente tem maioria de integrantes do Partido Democrata.
Lobistas e integrantes do Partido Republicano afirmam que as exigências implicarão aumento de custos de compliance e indicam que a SEC estaria indo além de suas atribuições legais.
Em defesa da proposta, o presidente do órgão regulador, Gary Gensler, afirmou que “as empresas e os investidores se beneficiaram das regras do jogo claras [aqui] propostas”.
Os prazos e detalhes da nova norma ainda podem ser alterados. Se o texto for aprovado ainda este ano, as primeiras informações serão publicadas provavelmente em 2024 (em relação ao ano fiscal de 2023).
Padrão ganha força
As regras acompanham os padrões estabelecidos pela Task Force on Climate-Related Financial Disclosures, ou TCFD.
O TCFD vem se consolidando como o padrão de divulgação dos impactos da mudança climática sobre os negócios e já está na base das exigências de Hong Kong, Japão, Nova Zelândia, Reino Unido, Singapura, Suíça e União Europeia.
No Brasil, o Banco Central definiu que o reporte dos bancos deve seguir o padrão do TCFD a partir do próximo ano. Para as companhias abertas, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não exige o reporte, mas passou a demandar que informem se fazem a divulgação dos riscos e oportunidades climáticas de acordo com o padrão.
A entidade foi criada em 2015 e é liderada por Mary Shapiro – ela própria uma ex-presidente da SEC. Em 2010, Shapiro tentou pela primeira vez, sem sucesso, estabelecer um padrão mínimo de divulgação de riscos no mercado de capitais americano.
O anúncio de hoje, afirmou ela ao Financial Times, é a última grande peça que faltava no quebra-cabeça das informações do clima nos negócios.
“Os investidores é que demandaram essas informações”, afirmou Shapiro ao Washington Post. “Mas elas têm de ser consistentes e comparáveis no mundo inteiro.”