
A COP30 começou. As duas semanas de reuniões preparatórias em Bonn, na Alemanha, terminaram na madrugada desta sexta-feira (27) e deixaram abertos os caminhos para uma conferência de sucesso em Belém. Dadas as divisões acirradas dentro das salas de negociação e a instabilidade geopolítica global, foi um resultado positivo para a presidência brasileira da COP30.
Os momentos iniciais das negociações sugeriram um desastre em potencial. O descontentamento com o acordo de financiamento climático obtido na COP do ano passado voltou com força. O assunto dinheiro se insinuou por todos os temas da agenda.
1. Financiamento: a questão que permeia tudo
- O descontentamento com o financiamento climático acordado na COP29 (US$ 300 bilhões por ano até 2035) reapareceu com força. O valor é considerado insuficiente frente ao US$ 1,3 trilhão estimados por especialistas como necessários para apoiar a descarbonização e adaptação nos países mais vulneráveis.
- O tema atravessou os três principais itens da agenda da COP30: Transição justa (JTWP), Balanço Global do Acordo de Paris e Metas Globais de Adaptação (GGA).
- Países em desenvolvimento questionam: como assumir novos compromissos sem recursos garantidos?
2. Transição justa: principal avanço brasileiro
- A negociação mais bem encaminhada foi a da transição justa, que trata dos impactos socioeconômicos da descarbonização sobre trabalhadores e comunidades vulneráveis.
- O texto-base para Belém foi ampliado para incluir questões de gênero, raça e afrodescendência, atendendo a demandas da sociedade civil.
- Também houve sucesso em incorporar ao debate as chamadas medidas comerciais unilaterais, como o CBAM (mecanismo da União Europeia que taxará importações intensivas em carbono).
- A inclusão evitou uma cisão liderada pelo bloco LMDC e reforçou o papel do Brasil como mediador.
“Vamos sair de uma base muito boa”, avaliou Stela Herschmann, especialista em políticas climáticas do Observatório do Clima.
3. Metas de adaptação: tensão até o último minuto
- As Metas Globais de Adaptação deveriam ser as menos contenciosas, mas o que ocorreu foi o contrário. Um acordo só foi obtido no fim da noite do último dia da reunião.
- Um painel técnico vai definir cerca de 100 indicadores objetivos e universais para determinar se os países estão adaptados a um clima que já mudou. Hoje, são quase 500 as métricas.
- Foi decidido que elas vão incluir o acesso a meios de implementação, uma demanda dos países em desenvolvimento, e aspectos transversais, como inclusão social, juventude, gênero e direitos humanos.
4. Balanço global: uma conversa difícil
- Essa trilha negociadora inclui um tema sensível: as COPs vão detalhar como se dará na prática a “transição que se afaste dos combustíveis fósseis” e em que prazos?
- A vitória em Bonn foi manter as opções na mesa. A COP30 terá dois textos divergentes para começar a trabalhar. Grandes avanços não são esperados, mas o fato de não ter acontecido uma grande implosão foi considerado um êxito.
“Podemos dizer que o Brasil passou nesse primeiro teste da presidência da COP30. Dos três itens prioritários, conseguiu ‘dois textos e meio’. O do balanço global é um compilado de versões díspares, mas pelo menos o trabalho feito em Bonn terá seguimento”, analisa Claudio Angelo, coordenador de política climática do Observatório do Clima.
5. Protecionismo verde: novo eixo de tensão global
- O Brasil, exportador de commodities, vê com preocupação as barreiras comerciais com justificativa ambiental, que podem penalizar países em desenvolvimento sem oferecer o devido apoio financeiro.
- Essas medidas refletem um dilema central e persistente nas COPs:
Quem paga a conta da transição climática? - Esse tipo de “protecionismo verde” tende a ganhar relevância nas próximas conferências e pode dificultar a cooperação global se não for equilibrado por mecanismos de financiamento.
6. O “Mapa do Caminho de Baku a Belém”: proposta ainda indefinida
- Brasil e Azerbaijão ficaram encarregados de apresentar na COP30 um plano que aponte como avançar de bilhões para trilhões em financiamento climático.
- O documento não será negociado nem terá força decisória, mas deverá propor caminhos, como a reforma dos bancos multilaterais e iniciativas como o Eco Invest, programa brasileiro para atrair investimentos verdes.
- Críticas surgiram em Bonn sobre uma suposta falta de transparência no processo de elaboração do plano. Países menos desenvolvidos pedem participação mais efetiva.
“Houve apenas uma consulta às partes. Isso não é suficiente”, afirmou Raju Pandit, do grupo LDC.
- A diplomacia brasileira afirmou estar ouvindo as contribuições, mas ressaltou que seu papel é relatar, não decidir.
- Como destacou Jordan Dilworth (E3G), para ter legitimidade, o plano de financiamento precisa ser: Crível, abrangente e com impacto real.
7. A agenda de ação ou “o elo com o mundo real”
Um dos mecanismos paralelos ao processo formal das COPs, a agenda de ação visa engajar atores que não estão oficialmente nas negociações – como empresas, governos locais e sociedade civil. Tradicionalmente usada para destacar temas de interesse do país anfitrião, ela ganha uma nova dimensão sob a presidência brasileira.
- Inovação brasileira: pela primeira vez, a agenda de ação será diretamente conectada às decisões oficiais da COP, especialmente ao Balanço Global do Acordo de Paris, que destaca:
- A necessidade de reduzir a dependência de combustíveis fósseis;
- Triplicar a capacidade de energias renováveis;
- Proteger e restaurar florestas.
- Estrutura: a mobilização será organizada em seis eixos temáticos, incluindo energia, indústria, florestas, cidades e desenvolvimento humano, conforme carta recente do embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30.
- Objetivo: estreitar a lacuna entre diplomacia e ação concreta, num momento em que a COP entra na fase de implementação de seus compromissos.
- Recepção internacional: a proposta foi bem acolhida, mas especialistas alertam:
- A agenda de ação não tem valor legal e não substitui as decisões negociadas entre os países.
- Há receio de que ela ofusque a responsabilidade dos Estados nacionais em liderar a ação climática.
“Temos que fazer o máximo com a agenda de ação, mas ela não pode tomar o lugar das negociações”, alerta Alden Meyer, especialista em diplomacia climática.
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