
Brasília – Se fosse votado hoje pelo Congresso, o pacote de vetos do governo à Lei Geral do Licenciamento Ambiental teria sido derrubado. A derrota era dada como certa. O cancelamento da sessão conjunta da Câmara dos Deputados com o Senado foi um meio-termo encontrado diante do temor de uma repercussão negativa da flexibilização de mecanismos de proteção ambiental às vésperas da COP30.
O presidente do Congresso, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil), cancelou a sessão marcada para esta quinta-feira (16) para apreciar os dispositivos da lei vetados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), atendendo a um pedido da liderança do governo.
O adiamento da sessão dá fôlego ao Executivo para construir consenso, pelo menos, nos vetos importantes para o Planalto: a manutenção da proteção especial da Mata Atlântica; a proibição do licenciamento autodeclaratório para obras de médio impacto; e a garantia de consulta às populações originárias sobre empreendimentos que irão afetá-las. Outro ponto é o veto sobre as competências dos Estados e municípios no licenciamento, que devem seguir as diretrizes nacionais.
O partido do governo temia a rejeição de todos os 63 vetos, que era o cenário que se desenhava. A bancada ruralista encabeçou a pressão pela derrubada. O argumento do agronegócio é que os vetos do Palácio do Planalto mantêm a burocracia, limitam a competência de Estados e municípios e geram insegurança jurídica.
Ainda não há uma nova data para a apreciação da matéria, mas espera-se que seja nas próximas semanas, uma vez que ela trava a pauta do Congresso, que só conseguirá avançar em outros temasquando concluir a análise dos vetos em sessão conjunta da Câmara e do Senado. Há urgência em para votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Aqui, uma pausa para explicar a estratégia do governo e a tramitação no Legislativo.
O Congresso votou a lei que flexibiliza o licenciamento ambiental em meados de julho. No início de agosto, o Planalto sancionou a legislação com veto a 63 itens. Para corrigir as lacunas abertas pelos trechos rejeitados, apresentou uma nova proposta de lei com a intenção de diminuir o enfraquecimento do processo de licenciamento ambiental.
Dessa forma, os dois processos andam em paralelo: a votação dos vetos e a apreciação do novo PL. Mas, como tratam dos mesmos assuntos, os vetos podem afetar o texto do projeto.
Se os parlamentares rejeitarem todos os vetos do governo, volta a valer o texto original da Lei Geral de Licenciamento, tal qual foi aprovada no Congresso. Neste caso, o projeto apresentado pelo governo fica oco, uma vez que não haveria mais necessidade de correções. Mas, se todos ou alguns vetos forem mantidos, o projeto de lei mantém sua razão de ser.
O novo projeto começou a tramitar pela Câmara dos Deputados, com relatoria do deputado Zé Vitor (PL-MG) – ele também foi relator da Lei Geral do Licenciamento Ambiental e é um dos diretores da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). A expectativa inicial era de que esse projeto fosse votado pela Câmara ainda em setembro, o que não aconteceu. O relator defende que a derrubada ou a manutenção dos vetos presidenciais seja decidida antes. Assim, a análise não tem data para acontecer.
Terceira via
A análise geral no Congresso é que a proposta pode acabar engavetada e as questões tratadas por ela serem incorporadas à Medida Provisória (MP) 1308. Ela também é de autoria do Executivo e foi apresentada para dar vigência imediata à Licença Ambiental Especial (LAE), que cria uma nova modalidade de licenciamento mais rápido para empreendimentos considerados estratégicos – como a pavimentação da BR-319 e a exploração de petróleo na Margem Equatorial.
A comissão mista do Congresso que votará a medida provisória é presidida pela senadora Tereza Cristina (PP-MS), que relatou o PL do licenciamento ambiental no Senado e também dirige a FPA, com relatoria do deputado Zé Vitor. Cristina é uma das patrocinadoras da campanha pela derrubada dos vetos do presidente Lula.
Deputados e senadores apresentaram 833 emendas à medida provisória em apenas sete dias: de 8 a 14 de agosto. O Observatório do Clima, uma rede de ONGs, avaliou que o instrumento pode criar um “Cavalo de Tróia”, para incluir dispositivos já barrados e inserir novos que fragilizam a proteção ambiental.
Das 833 emendas, a maioria (74%) reintroduz dispositivos vetados por Lula e 23 emendas trariam novos retrocessos, segundo o Observatório. Outras 31 emendas foram identificadas como alheias ao tema do licenciamento, os chamados “jabutis”. Apenas 95 propostas (11,4%) representariam avanços, como a restauração do licenciamento trifásico e a exigência de consulta prévia a povos indígenas e comunidades tradicionais.
Vetos
O argumento dos vetos do governo é que os trechos barrados eram inconstitucionais, abriam brechas muito amplas para retrocessos na proteção ambiental e incorriam em insegurança jurídica.
Ambientalistas apelidaram a proposta como “PL da devastação”. O Observatório do Clima elaborou uma nota técnica sobre a proposta de mudança na legislação de licenciamento ambiental lei, em que apontava para danos irreversíveis aos ecossistemas e ao clima.
A pretensão do governo com os vetos é corrigir o excesso de concessões feitas pelo Congresso. O presidente vetou, por exemplo, o licenciamento autodeclaratório para obras de médio impacto, admitindo que apenas as de pequeno impacto e porte tenham direito à modalidade. Outro dispositivo cortado é o que permitia aos Estados e municípios estabelecerem critérios próprios para definir os tipos das atividades sujeitas a licença e o potencial poluidor de cada uma.
O entendimento geral é que esse trecho em questão colocava em risco a competência da União e do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama) para dizer quais obras e atividades precisam de licença ambiental. Os vetos também barraram a isenção do licenciamento para os produtores rurais que ainda estão com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) em análise.
Outro dispositivo que caiu foi o que acabava com a proteção especial para a Mata Atlântica, um dos pontos que a bancada do agronegócio quer retomar quando os vetos forem analisados em sessão do Congresso.
O projeto aprovado por deputados e senadores também determinava que os órgãos de proteção às populações originárias só seriam consultados sobre obras e atividades em territórios indígenas e áreas quilombolas demarcadas. O Planalto derrubou esse trecho.
Os vetos também afetam a Licença Ambiental Especial. Pelo Congresso, a LAE seria emitida em uma fase. O Planalto defende, na medida provisória, que o processo seja trifásico.