
Brasília – O Congresso derrubou, nesta quinta-feira (27), praticamente todo o pacote de vetos do governo à Lei Geral do Licenciamento Ambiental. Dos 59 vetos, a votação conjunta da Câmara dos Deputados com o Senado rejeitou 52 itens, os outros sete serão apreciados na medida provisória (MP) que cria a licença especial.
Entre os deputados, 295 votaram pela rejeição dos vetos e 167 votaram pela manutenção. Entre os senadores, o placar foi de 52 pela rejeição e 15 pela manutenção.
As mudanças realizadas pela nova lei são classificadas por ambientalistas como o pior retrocesso na história da política ambiental no Brasil e ocorre seis dias após o fim da COP30. Uma sessão para avaliar a matéria estava marcada para antes da Conferência do Clima da ONU, que ocorreu em Belém, mas foi adiada justamente pelo temor de uma repercussão negativa quando o país estava sob holofote internacional.
Governistas tentaram no último mês construir um acordo para a manutenção dos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à nova lei do licenciamento ambiental, mas não conseguiram.
A derrota implica na retomada de dispositivos que, para o Palácio do Planalto, são perigosos para o meio ambiente: flexibilização das regras de proteção da Mata Atlântica e licenciamento autodeclaratório para obras de médio impacto. Este último ponto já foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em legislações estaduais, então é esperado que haja judicialização.
Os parlamentares também derrubaram o veto do presidente que protegia os direitos das populações indígenas e quilombolas de serem consultadas sobre projetos que as afetam. Outros dispositivos vetados por Lula, por orientação do Ministério do Meio Ambiente, impediam a transferência de competências da União para os Estados e municípios na questão do licenciamento.
Com a rejeição pelo Congresso, a avaliação é que esses entes não são obrigados a seguir diretrizes nacionais. A mudança pode implicar em insegurança jurídica, segundo o Observatório do Clima.
Ambientalistas protestaram contra a derrubada dos vetos do presidente Lula nesta quarta-feira (26), na Câmara dos Deputados. O Planalto publicou nota contra a rejeição dos vetos presidenciais na véspera da sessão do Congresso — confirmando a perspectiva de derrubada que se desenhava nos últimos dias. O governo diz que os vetos à lei pretendiam garantir a proteção do meio ambiente e das populações originárias, a qualidade do licenciamento ambiental e a segurança jurídica para investidores.
O Planalto se refere, na nota, a “efeitos imediatos e de difícil reversão” com a derrubada dos vetos e relembra desastres ambientais recentes no Brasil: os rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho e as catástrofes climáticas no Paraná e no Rio Grande do Sul. Repetindo especialistas, o governo sustenta, indiretamente, que a rejeição desses vetos resultaria em retrocesso ambiental, social e institucional.
“Um país que acabou de sediar a COP30, que conseguiu reduzir pela metade o desmatamento da Amazônia e é exemplo para o mundo na utilização de fontes energéticas renováveis, merece uma legislação robusta e avançada sobre o licenciamento, uma das principais ferramentas da proteção ambiental do nosso país”, afirmou.
Acordo
A única concessão feita pela oposição e pelo centrão se refere aos sete vetos presidenciais relacionados à Licença Ambiental Especial (LAE), modalidade que cria o conceito de “empreendimentos estratégicos”, a serem definidos via decreto presidencial. O Congresso queria que ela fosse concedida em etapa única, enquanto o Planalto defendia que o processo ocorresse em formato trifásico.
Os projetos selecionados terão prioridade na análise do licenciamento e serão dispensados das três etapas tradicionais do licenciamento: licenças prévia, de instalação e de operação. Hoje, as três licenças são concedidas com processos de análise distintos e podem levar anos para serem emitidas.
O acordo foi pelo adiamento dessa discussão. Todos os vetos que tratavam da LAE não foram votados, mas adiados para a próxima sessão do Congresso, que deve acontecer nas próximas duas semanas. A tendência é que eles sejam rejeitados e sejam tratados na medida provisória (MP) que regulamenta o uso da ferramenta.
O governo editou uma MP para colocar em vigor imediatamente a licença especial após apresentar seus vetos à nova lei em agosto. Ela vence na próxima semana, no dia 5 de dezembro, e precisa ser apreciada por uma Comissão Especial – é dado como certo que o Congresso não deixará a MP caducar.
Vetos
Quando vetou os dispositivos do novo licenciamento, o governo justificou que os trechos barrados eram inconstitucionais e permitiam retrocessos na proteção ambiental. Especialistas o apelidaram de PL da Devastação. Nota técnica do Observatório do Clima indicou que a versão criada pelo Congresso poderia gerar danos irreversíveis ao clima e aos ecossistemas.
O governo pretendia corrigir o que chamou de “excesso” de concessões feitas pelo Congresso. O presidente vetou, por exemplo, o licenciamento autodeclaratório para obras de médio impacto. A Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), proposta na nova lei, é baseada na autodeclaração do empreendedor. Ela já existe em 15 Estados, mas apenas para atividades de baixo impacto ambiental.
Outro veto era ao dispositivo que permitia aos Estados e municípios estabelecerem critérios próprios para definir quais atividades estão sujeitas à necessidade de licença e qual o potencial poluidor de cada uma. A avaliação é que o texto original coloca em risco a competência da União para dizer quais obras precisam de licença ambiental. Com a derrubada dos vetos, os Estados e municípios ganham essa autonomia.
Também volta a valer o dispositivo que acaba com a proteção especial para a Mata Atlântica. O texto permite que áreas de vegetação mais madura possam ser suprimidas sem análise prévia. Essa era uma demanda da bancada ruralista no Congresso. A lei atual estabelece que a supressão de vegetação primária e secundária depende de autorização dos órgãos estaduais competentes e, em alguns casos, do Ibama. Na Mata Atlântica restam apenas 24% da floresta original.
Alerta
O Observatório do Clima considera que a manutenção dos vetos do presidente Lula era “crucial para impedir o esvaziamento do licenciamento ambiental”. O grupo critica a falta de critério no autolicenciamento e alerta para o risco de aumento de desmatamento, queimadas e desastres ambientais com as flexibilizações admitidas pelo Congresso.
“Empreendimentos em zonas ambientalmente sensíveis, como estradas e outras grandes obras na Amazônia, poderão ser feitos de forma expressa e sem salvaguardas ambientais, aumentando as emissões de gases de efeito estufa do Brasil, em contradição direta com a agenda da COP30”, analisou em nota publicada nessa quarta-feira (26), na véspera da sessão.
A organização demonstrou preocupação com alguns pontos específicos. Entre eles a retomada dos dispositivos que ignoram os direitos dos povos indígenas e quilombolas. Outro temor é o licenciamento autodeclaratório com as regras definidas pelos Estados e municípios “sem qualquer estudo ambiental e sem a devida avaliação de impactos ambientais”.
Para o Observatório do Clima, a versão original aprovada pelo Congresso, e agora retomada com a derrubada dos vetos, elimina “virtualmente” o licenciamento ambiental no Brasil.
*Reportagem atualizada às 16h20 para incluir o placar final da votação do Congresso