Pioneira, Way Carbon cresce com onda dos compromissos climáticos

A trajetória da Way Carbon, uma empresa que nasceu há 15 anos falando de um assunto – o risco da mudança climática – quando ninguém estava prestando atenção

Felipe Bittencourt, CEO da Way Carbon
A A
A A

“Vocês deviam largar o que estão fazendo e abrir uma empresa disso aí.” Assim começou a história da Way Carbon, há mais de 15 anos.

O autor da frase foi Gilberto Bandeira de Melo, na época professor da escola de engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais. Ele conversava com quatro alunos que começavam a estudar a mudança climática.

O “isso aí” era a metodologia que eles tinham desenvolvido por pura curiosidade para gerar créditos de carbono evitando emissões de metano em aterros sanitários. (A técnica foi aceita pela ONU e passou a valer dentro do esquema do Protocolo de Kyoto, a primeira tentativa de criar um mercado de carbono global.)

Lançar uma startup focada na mudança climática era coisa rara em 2006, e os fundadores sabiam disso. 

“Eram uns caras de 20 e poucos anos, mexendo com um negócio que ninguém entendia direito, trabalhando na garagem da casa da minha avó”, diz Felipe Bittencourt, um dos quatro alunos de Bandeira de Melo e hoje CEO da Way Carbon.

Foi o mesmo professor quem apresentou o primeiro cliente para a empresa: a mineradora sul-africana AngloGold Ashanti, que precisava contabilizar as emissões de gases do efeito estufa de suas operações no Brasil e na Argentina.

O projeto abriu portas, mas elas não eram muitas, e Bittencourt descreve como “difíceis” os primeiros dez anos.

A ideia inicial era se concentrar em créditos de carbono, juntando companhias que querem compensar suas emissões com desenvolvedores de projetos que geram os créditos.

Mas o mercado estava dando os primeiros passos, e no começo da década de 2010 o valor da tonelada despencou. 

Fast forward para os dias de hoje e o retrato é muito diferente. A mudança climática está no topo da lista de prioridades de empresas e governos do mundo inteiro.

A Way Carbon conseguiu mudar o rumo da empresa e agora está colhendo os frutos do pioneirismo.

A companhia atende três de cada quatro integrantes do Índice de Sustentabilidade (ISE), da B3, e ajudou a elaborar planos de ação climática de 11 cidades brasileiras.

Conversas que antes aconteciam com analistas e gerentes agora são com o primeiro escalão das empresas e do setor público, diz o CEO.

Transações de crédito de carbono ainda são parte do negócio, mas hoje 75% do faturamento vem de serviços de consultoria e da venda de um software para gestão de indicadores ESG.

“Aquela empresinha de BH” quadruplicou o faturamento em 2021 em relação ao ano anterior e deve passar dos atuais 170 funcionários para 250 este ano.

Bittencourt, 40, achava que seguiria os passos do pai na área de engenharia civil – mas ouvir o conselho de seu professor da faculdade provavelmente foi a decisão profissional mais acertada que tomou na vida.

Três em um

Há sete anos, a Way Carbon decidiu apostar na tecnologia digital para acelerar o crescimento. O conhecimento de seus consultores foi codificado em software.

Batizado de Climas, o produto se integra ao sistema de gestão das empresas e faz o cálculo automático de indicadores ESG.

O principal foco são os números ambientais. A partir de dados como as compras de combustível, por exemplo, o programa calcula automaticamente as emissões de CO2 da frota.

A ferramenta, que também pode medir indicadores de diversidade, serve a dois propósitos principais. O primeiro é automatizar uma contabilidade que antes era feita no braço, e em planilhas de Excel.

A construtora Mitre Realty, por exemplo, está implementando o software para fazer um inventário de suas emissões de CO2 e também para entender o impacto ambiental de obras com base nos materiais usados e na geração de resíduos, por exemplo.

A companhia abriu o capital há dois anos, e um de seus objetivos é integrar o ISE. Enxergar o impacto ambiental foi uma decisão estratégica, diz Rodrigo Cagali, CFO da Mitre.

“Outras indústrias vêm sendo cobradas antes da construção civil, mas não tenho dúvidas de que em três ou quatro anos, no máximo, quem não estiver preparado será cobrado. Estamos nos antecipando”, afirma Cagali.

Outra vantagem de centralizar os dados ESG em um único lugar é a consistência, afirma Bittencourt. “O que tem de empresa que passa um número num relatório e outro diferente para o investidor…”

“E muitas companhias correm atrás dessa informação só uma vez por ano. A gente queria criar um acompanhamento contínuo, para que o dado seja usado em ações de melhoria.”

Outra iniciativa multiplicável da Way Carbon é uma ferramenta que a companhia está desenvolvendo para ajudar os bancos de desenvolvimento a incluir a conta dos riscos climáticos em suas operações.

A empresa foi escolhida pelo programa internacional International Climate Finance, do governo britânico, e recebeu o equivalente a R$ 3,7 milhões para criar o sistema.

O projeto está sendo tocado em parceria com o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais e depois será oferecido gratuitamente para outras instituições de fomento.

O negócio digital da Way Carbon responde por cerca de um quarto das receitas hoje e representa uma avenida para crescer. Hoje, a companhia tem 80 clientes do Climas. A maioria está no Brasil, mas multinacionais de outros 20 países presentes aqui também já começam a experimentar o sistema em suas matrizes.

Acumulando conhecimento

A principal linha de receitas da empresa, responsável por metade do faturamento, é a consultoria. 

O modelo tem elementos de consultorias estratégicas tradicionais, como McKinsey ou BCG, e também ataca questões pontuais.

O cardápio de serviços é amplo: vai desde objetivos de “alto nível”, para alinhar a estratégia do negócio à agenda ESG, a questões mais pontuais como o estabelecimento de metas de reduções de emissões baseadas na ciência.

Embora a consultoria, por natureza, não seja uma atividade escalável, Bittencourt afirma que ela é uma parte essencial do negócio. “É um laboratório. Com a consultoria, você garante que está no estado da arte, na crista da onda. Isso não é trivial.”

Além da experiência com companhias privadas, a Way Carbon também tem relacionamento próximo com o setor público.

A empresa foi contratada para ajudar cidades como São Paulo, Recife e João Pessoa a entender como a mudança do clima pode afetar suas populações.

Em dezembro, em um levantamento por encomenda da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), a Way Carbon concluiu que três portos brasileiros – Rio Grande (RS), Aratu-Candeias (BA) e Santos (SP) – estão particularmente vulneráveis a eventos climáticos extremos e ao aumento do nível dos oceanos.

Bittencourt afirma que a consultoria também se alinha à missão da Way Carbon. “Temos a certificação de empresa B, então mais do que lucro, queremos catalisar a transformação para a economia de baixo carbono. E a consultoria pega a mãozinha das organizações e as ajuda a se transformar por dentro.”

Acreditando nos créditos

A consultoria passou a ser relevante por volta de 2013. No começo dos anos 2010, 85% do negócio era de negociação de créditos de carbono. 

Mas o mundo era muito diferente na época. O Protocolo de Kyoto, que estabeleceu as regras para o primeiro mercado global de compra e venda de compensações de emissões, não vingou.

Depois de uma euforia inicial, dúvidas sobre a qualidade dos projetos e sobre o impacto real na luta contra a mudança climática fizeram despencar os preços desses ativos.

Só nos últimos dois ou três anos, com maior liquidez, um entendimento mais sofisticado do que de fato funciona e a explosão do número de empresas assumindo compromissos climáticos, o negócio voltou a despertar interesse. Em 2021, as trocas voluntárias movimentaram mais de US$ 1 bilhão no mundo.

A Way Carbon nunca abandonou o papel de broker de créditos de carbono, que segue bastante ativo.

É o braço de offsetting da empresa, chamado Amigo do Clima, que é responsável, por exemplo, por identificar os créditos que o Banco BV utiliza no seu programa de neutralização das emissões da frota de carros financiados.

A perspectiva de que esse ativo financeiro decole para valer agora levou a empresa a se associar à gestora Vitreo e à consultoria ForFuturing na criação do primeiro fundo de participações de créditos de carbono do país.

Lançado em setembro do ano passado, o FIP Carbono levantou R$ 51 milhões, de mais de 60 cotistas. Bittencourt acredita que iniciativas como essa vão finalmente transformar em realidade o potencial brasileiro para gerar os créditos que o mundo quer comprar.