O pacote ambiental multibilionário que tramita no Congresso americano inclui uma provisão que tem o potencial de mudar os rumos do nascente mercado de hidrogênio verde — e suas repercussões podem ser sentidas no mundo inteiro, inclusive no Brasil.
Um dos incentivos contidos na Lei de Redução de Inflação prevê um crédito tributário de até US$ 3 para cada quilo de hidrogênio verde. Com esse incentivo, certas regiões do país podem produzir o H2 verde mais barato do mundo.
Para que esse valor máximo seja atingido, a produção deve atender a certos requisitos de intensidade de emissões de CO2, além de critérios trabalhistas. Os prazos de construção das usinas também serão levados em conta.
Esse empurrão do pacote de Joe Biden pode, em uma canetada, transformar o hidrogênio verde americano em um produto competitivo com o hidrogênio cinza, produzido a partir do gás natural.
De acordo com números da S&P Global Platts, o H2 cinza americano já é um dos mais baratos do mundo e tem um custo de produção que varia de US$ 1,71 a US$ 2,18 por quilo. O número varia de acordo com as fontes de gás natural.
Já o preço do hidrogênio verde americano – produzido via eletrólise da água – vai de US$ 3,73 a US$ 6,50, dependendo do custo da eletricidade limpa, segundo a Platts.
Com um crédito de US$ 3 dólares, algumas regiões do país teriam um combustível competitivo não somente na comparação com sua versão suja, mas também com outras regiões do planeta hoje apontadas como candidatas a produzir um hidrogênio verde competitivo.
Existe uma grande corrida global para reduzir o custo do hidrogênio verde. Mesmo com os enormes investimentos ao redor do mundo, a expectativa é que ainda leve pelo menos uma década para que feche a conta do H2 de baixo carbono.
As regras
Os incentivos fiscais estendidos ao “hidrogênio limpo qualificado” dependem de uma série de indicadores.
Um deles é a emissão de gases causadores do efeito estufa no ciclo de vida completo do produto. Quanto maiores forem as emissões, menor o crédito disponível. As obras dos projetos têm de começar até 2033.
Mas é um “fator multiplicador” associado aos salários pagos aos trabalhadores envolvidos na construção dessas plantas que pode fazer a diferença: o incentivo pode ser cinco vezes maior caso se atendam determinadas condições trabalhistas.
O objetivo da legislação de Biden, cujo nome original era Build Back Better (reconstruir melhor), é ao mesmo tempo reduzir as emissões do país e também gerar desenvolvimento econômico, nos moldes do Green Deal europeu.
Impacto global
Analistas que acompanham o desenvolvimento da indústria do hidrogênio afirmam que o cenário global pode ser chacoalhado com essa provisão da lei.
O primeiro impacto deve ser sentido dentro dos próprios Estados Unidos. Caso o preço do H2 verde caia tão dramaticamente, indústrias que hoje consomem hidrogênio cinza, como refinarias, poderão trocá-lo pela versão limpa.
Como seriam afetados os projetos já anunciados internacionalmente é uma incógnita. A grande maioria dos projetos, inclusive no Brasil, ainda está em fases de estudos econômicos.
O potencial de se beneficiar de incentivos nos Estados Unidos pode levar desenvolvedores a refazer suas contas.
O Reino Unido foi o único outro país a anunciar um programa de subsídio para o hidrogênio verde, que basicamente cobre a diferença de preço em relação ao cinza.
A União Europeia estuda uma medida semelhante, e a Alemanha já anunciou que vai dedicar 900 milhões de euros para importar hidrogênio verde de outros países, efetivamente viabilizando projetos ao redor do mundo.
Em análise publicada no site Recharge News, Leigh Collins especula que países que já anunciaram a ambição de ser líderes mundiais dessa nova fonte energética, incluindo Austrália, Chile e Índia, “não vão querer perder investimentos e portanto vão recalibrar como atrair investidores, incluindo fabricantes de equipamentos”.
Em todas as suas declarações públicas, integrantes do governo brasileiro vêm afirmando que não pretendem oferecer subsídios nem privilegiar uma “cor” de hidrogênio em relação a outra.
O Ministério das Minas e Energia publicou na semana passada um documento instituindo um Programa Nacional do Hidrogênio, que vai propor um conjunto de políticas para o setor.