
A COP30 colocará o Brasil diante de um espelho. Em Belém, no coração da Amazônia, o país terá a chance de provar que pode transformar discurso em prática e ambição em coerência. Será um teste não apenas ambiental, mas institucional e moral. Afinal, como uma nação que concentra parte essencial da biodiversidade global pode continuar hesitando em definir um projeto claro de futuro sustentável?
A resposta não é simples. O Brasil é uma potência ambiental, dono de uma matriz energética mais limpa do que a média mundial e de recursos naturais que o mundo inteiro observa com expectativa. Mas seguimos atolados em contradições conhecidas: desmatamento persistente, dependência de combustíveis fósseis, infraestrutura precária e uma desigualdade social que amplia a vulnerabilidade de milhões de pessoas.
As enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em 2024 deixaram evidente algo que insistimos em ignorar: a crise climática não é um tema distante, mas uma realidade atual que cobra um preço humano e econômico altíssimos.
Talvez o que falte ao país não seja tanto conhecimento técnico, mas confiança. Confiança nas instituições, na continuidade das políticas públicas, nas parcerias entre o público e o privado, na capacidade de planejar o futuro sem recomeçar do zero a cada quatro anos. A transição climática não será possível sem um pacto mínimo de estabilidade e previsibilidade.
É nesse ponto que o setor de seguros pode exercer um papel menos óbvio, porém decisivo. O seguro nasce justamente para lidar com o imprevisível. É um mecanismo que transforma risco em cálculo, incerteza em possibilidade. Num cenário de transição climática, ele pode ser o instrumento que permite que investimentos de longo prazo saiam do papel, porque onde há proteção, há espaço para ousar.
Falar de seguro, nesse contexto, é falar de viabilidade. Nenhum projeto de energia limpa, infraestrutura verde ou adaptação climática prospera se não houver quem esteja disposto a garantir sua execução diante de riscos crescentes. O seguro cria o terreno de confiança sobre o qual a economia verde pode florescer.
Mas esse papel exige também um novo olhar do próprio mercado segurador. Não se trata apenas de indenizar perdas e sim de antecipar soluções, cruzando dados climáticos, financeiros e sociais para desenhar produtos e políticas que reduzam riscos antes que eles se materializem. O setor pode ser um catalisador de inovação e um agente que integra o conhecimento técnico ao compromisso coletivo.
E isso vem acontecendo na prática. Iniciativas como o seguro social catástrofe e o seguro rural garantem proteção imediata a famílias e agricultores diante de eventos extremos, enquanto os green bonds e a proteção de investimentos em infraestrutura garantem resiliência financeira de projetos estratégicos.
Ferramentas como o Hub de Risco Climáticos e a Taxonomia Sustentável Brasileira permitem cruzar dados para antecipar riscos e orientar decisões sustentáveis, ao mesmo tempo em que as oluções Baseadas na Natureza (SbN) ampliam a capacidade de prevenção com a utilização de ecossistemas para prevenir desastres naturais.
Essas são iniciativas encabeçadas pela CNseg que, em conjunto com as seguradoras, trabalha para que o setor de seguros esteja cada vez mais preparado para enfrentar os desafios climáticos. Além disso, esses esforços mostram que além de cobrir perdas, o setor de seguros atua como catalisador de inovação, integrando conhecimento técnico e compromisso coletivo para construir uma sociedade mais resiliente e preparada para o futuro.
A COP30 será um evento histórico para avançar nessas questões, mas o que realmente importará é o que faremos depois que a COP acabar. O Brasil tem a oportunidade de provar que pode crescer sem repetir os erros do passado, equilibrando desenvolvimento, proteção e justiça social.
No fim, tudo volta a uma palavra simples: confiança. Seja entre governos, empresas ou cidadãos. Sem ela, o investimento se retrai, a inovação se intimida e a mudança não acontece. O seguro, por sua natureza, é uma aposta na confiança. E talvez seja exatamente isso que o Brasil precise resgatar para transformar seu potencial em legado após um evento de impacto tão relevante como a COP30.
* Fátima Lima, formada e pós-graduada em marketing pela FAAP e em gestão empresarial pela Universidade de Navarra (Espanha), é diretora de sustentabilidade da seguradora Mapfre e presidente da comissão ASG da Confederação Nacional de Seguros (CNSeg).