Você piscou e tem nova empresa brasileira emitindo alguma variação de título de dívida ESG.
Só no primeiro semestre, foram captados quase R$ 55 bilhões com esse tipo de emissão no país, quase o dobro de todo o volume de 2020, segundo a Sitawi. Lá fora, o mercado é cavalar. De janeiro a junho, foram emitidos US$ 577 bilhões em títulos rotulados, US$ 100 bi a mais que todo o volume do ano passado, de acordo com a Bloomberg — e a expectativa é que seja ultrapassada a marca de US$ 1 tri no ano.
Os números revelam que há cada vez mais recursos sendo canalizados para financiar projetos com benefícios ambientais ou sociais ou para catalisar a agenda ESG de empresas.
Mas, se entender o mercado tradicional de dívida já é algo para iniciados, compreender a revolução do mundo dos green bonds, social, e sustainable bonds — sem esquecer dos sustainability-linked bonds (SLBs), o primo mais jovem e que vem ganhando cada vez mais notoriedade — está longe de ser trivial.
Resumimos em sete tópicos o que você precisa saber para entender o mercado de dívida ESG:
1. O que são os green bonds?
Primeiro, um passo atrás. Antes do “green”, o que são os “bonds”: títulos de dívida, ou seja, papéis que representam a dívida de uma empresa ou governo, que pagam juros e que são vendidos a investidores.
Os green bonds ou títulos verdes são papéis de dívida emitidos especificamente para financiar projetos com benefícios ambientais. O que os caracteriza é justamente a destinação de recursos (ou ‘use of proceeds’, no jargão do mercado).
Ou seja, o dinheiro captado via green bond é carimbado e só pode ser destinado para o projeto específico que foi declarado pela empresa ou governo no momento da emissão.
Os tipos mais comuns de projetos associados à emissão de títulos verdes são energia renovável, eficiência energética, prevenção e controle de poluição, agricultura e pecuária sustentável e transporte limpo — mas o uso varia.
Foram os green bonds que deram origem ao mercado de dívida ESG, com uma emissão pioneira do Banco Mundial, em 2008.
No Brasil, uma série de instrumentos financeiros de dívida podem receber o ‘selo verde’: debêntures, debêntures de Infraestrutura, Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e cotas de Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC).
2. O que são os social e sustainable bonds?
Espécie de irmão mais novo dos green bonds, os social bonds seguem a mesma lógica de dinheiro carimbado, mas, no caso, os projetos financiados têm que ter benefícios sociais definidos.
Exemplos: acesso a infraestrutura básica, como água, esgoto, saneamento, transporte e energia; acesso a serviços essenciais, como saúde e educação; habitação a preços acessíveis; alívio a desemprego decorrente de crises (ex: pandemia); segurança alimentar e sistemas alimentares sustentáveis (ex: combate a desperdícios).
Há, por fim, o “combo”: os sustainable bonds, ou bonds sustentáveis, que financiam projetos com benefícios sociais e ambientais.
Neste caso, os emissores mais contumazes são empresas de saneamento — que aliviam tanto a poluição quanto melhoram a saúde da população ao dar acesso a esgoto e água limpa — e os bancos, que podem direcionar o dinheiro captado para financiar sua carteira de crédito tanto verde quanto social.
3. Sustainability-Linked Bond (SLB), o primo mais novo
A família dos títulos ESG cresceu recentemente com uma nova categoria despontando e ganhando tração, os Sustainability-linked Bonds.
Neles, diferentemente dos green bonds e social bonds, o dinheiro não é carimbado, o que dá mais liberdade no uso dos recursos. Mas, ao emitir um SLB, a empresa tem que se comprometer com metas ambientais e ou sociais objetivas dentro de determinado prazo.
Caso falhe em atingi-las, sofre uma penalidade, na forma de um prêmio sobre a taxa de juro, que encarece o seu custo de crédito. Esse mecanismo é chamado de ‘step up’ de taxa. (Há emissões em que ocorre o contrário: há um ‘step down’, ou seja, a taxa cai caso a meta seja cumprida, mas esse tipo de incentivo é menos popular entre investidores.)
A ideia aqui é financiar a melhoria da performance ESG das empresas.
Basicamente, a empresa tem que selecionar bons indicadores-chave de desempenho, os famosos KPIs, e definir metas claras a serem cumpridas. E a boa prática rege que tanto indicadores quanto metas têm que atender ao princípio de materialidade, ou seja, precisam ser relevantes dentro da atividade da empresa.
O Brasil tem exibido uma variedade de emissões de SLBs desde o ano passado, desde que a fabricante de celulose Suzano estreou nesse mercado. Rumo, B3, Movida, Simpar, Natura e Klabin estão entre as companhias que já acessaram o mercado externo com esse tipo de dívida.
4. Afinal, quem diz o que são os títulos ESG?
Os títulos ESG não são regulados até o momento.
O que existe é uma autorregulação e padrões amplamente aceitos por emissores e investidores. O principal deles é o Green Bond Principles da International Capital Markets Association (ICMA), uma organização global de autorregulação dos mercados de capitais, uma espécie de Anbima global. Na mesma linha, há o Social Bonds Principles, o Sustainability Bond Principles, ambos também da ICMA.
Os SLBs também são autorregulados pelos princípios criados no âmbito da associação.
Outro padrão amplamente utilizado quando se trata de emissões para projetos com benefícios climáticos é o do Climate Bond Initiative, que inclusive tem um programa brasileiro.
A União Europeia está tentando criar um ‘padrão ouro’ para emissões verdes. Em julho, a Comissão Europeia divulgou uma proposta para o seu Green Bond Standard.
O padrão tem adesão voluntária, aberto a emissores de qualquer país e não só europeus. Para poder usar o nome de ‘european green bond’, o projeto atrelado ao bond em questão tem que se enquadrar na taxonomia verde do bloco. Muita gente no mercado considerou a regra restritiva demais.
5. Quem dá o selo? O parecer de segunda opinião
Tanto para os títulos com dinheiro carimbado quanto para aqueles atrelados a metas ESG, a ICMA recomenda que os emissores, empresas ou governos, contratem uma revisão externa antes da emissão.
Esse revisor é quem verifica e atesta o alinhamento da emissão aos ‘princípios’, especialmente a adequação dos projetos no caso dos green e social bonds, e dos indicadores-chave e metas, no caso dos SLB.
A boa prática no mercado indica que, logo ao lançar uma emissão, a empresa divulgue também o parecer de segunda opinião, atestando a aderência aos princípios e fazendo as devidas ressalvas, quando necessário.
Uma das limitações desta contratação é que, assim como nos ratings de crédito, quem paga a conta é o próprio emissor. Hoje, no mercado, a realidade demonstra que a qualidade dos pareceres é irregular e tampouco há uma regulação da atividade.
Alguns exemplos de empresas que emitem ‘Second Party Opinion’ (SPO): Sustainalytics, ISS, Bureau Veritas, Vigeo Eiris, Sitawi e Resultante.
6. E qual o papel dos bancos?
Os bancos de investimento originam e estruturam as operações de títulos ESG. Ou seja, são eles quem conversam com as empresas sobre a oportunidade de emitir uma dívida com essas características.
Por essa razão, na prática, eles assumem o papel de emissor de ‘primeira opinião’, ao filtrar as operações que merecem o rótulo ESG. Assim como no caso dos emissores de parecer de segunda opinião, a atividade não é regulada.
Alguns bancos têm se esforçado para dar transparência às suas práticas ao levar operações rotuladas ao mercado, com a divulgação dos seus frameworks. É o caso do espanhol BBVA e do alemão Deutsche Bank.
Nenhum banco brasileiro tem um framework público sobre suas práticas nesse sentido até o momento.
7. Afinal, emissões ESG saem mais barato para os emissores?
Em tese, a demanda crescente de investidores por títulos com características sustentáveis justificaria a existência de um prêmio verde para os emissores. Ou seja, a empresa pagaria juros menores para captar com títulos com características ESG.
A existência ou não do ‘greenium’ é um debate recorrente e demonstrá-lo é tarefa complexa. Só é possível atestar a existência de um prêmio quando a empresa é uma emissora recorrente, com vários títulos de prazos diferentes no mercado e um curva de vencimentos semelhantes que permita comparar as emissões ESG com as tradicionais.
No Brasil, algumas emissões recentes têm demonstrado evidências de greenium. E o caso mais evidente é o da Suzano, tanto em suas emissões em 2020, como agora em 2021.
Lá fora, o Climate Bond Initiative, que cunhou o termo ‘greenium’, faz um acompanhamento periódico sobre as condições de preço dos green bonds. No primeiro semestre, o CBI analisou 69 emissões e conseguiu comparar as taxas de 33 deles com emissões ‘plain vanilla’ e encontrou evidências de greenium em 79% dos casos.
Mas há quem aponte motivos para que o prêmio verde tenda a desaparecer ao longo do tempo. Tanto porque os investidores estão se tornando mais exigentes em relação aos emissores, quanto por um equilíbrio entre demanda e oferta, com o aumento do volume de emissões ESG.
Os benefícios para as empresas pode ir além do prêmio na emissão. Pesquisas apontam o efeito do ‘green halo’ ou ‘auréola verde’, mostrando que a emissão de green bonds tem efeito sobre toda a curva de custo da dívida e que se estende até mesmo sobre o preço da ação e a performance operacional.