Aos poucos, com uma resolução do Banco Central aqui e outra da CVM acolá, o Brasil vem tentando avançar no tema das finanças sustentáveis.
Mas, se não quiser ficar fora da onda verde e fomentar iniciativas com benefícios socioambientais, o país precisa partir para a elaboração de uma estratégia nacional, no lugar de adotar políticas fragmentadas.
O diagnóstico é do Projeto Finanças Brasileiras Sustentáveis (FiBras), uma cooperação técnica entre Brasil e Alemanha para alavancar as finanças verdes, e conduzido pelo GIZ, agência alemã de cooperação internacional para o desenvolvimento sustentável, com participação da consultoria Sitawi.
Colocar todas as engrenagens para trabalhar na mesma direção num país pouco habituado ao planejamento de longo prazo é um desafio imenso, que depende essencialmente de muita vontade política.
Mas o caminho já está aberto. O FiBras desenhou o mapa da mina, com nove recomendações de políticas públicas para colocar o Brasil de fato na agenda das finanças verdes, num relatório que acaba de ser publicado e a que o Reset teve acesso em primeira mão.
“São recomendações de como estruturar o trabalho, porque precisamos de uma receita de bolo”, diz Erivaldo Alfredo Gomes, secretário de Assuntos Econômicos Internacionais do Ministério da Economia, o parceiro político do FiBras dentro do governo brasileiro.
A ideia é passar para “fases mais concretas”, diz ele, reconhecendo que o avanço da agenda depende de articulações e conversas nem sempre triviais. Banco Central e CVM, em sua visão, estão mais avançados que outros órgãos do governo.
“Precisamos desideologizar essa discussão e partir para a questão prática, de forma a tracionar nossa economia no sentido do desenvolvimento sustentável, não só ambiental, mas também social”, diz o secretário.
A seguir, as recomendações:
1. Definir uma taxonomia socioambiental para toda a economia
Antes de rotular produtos financeiros, pondera o estudo, é preciso definir quais setores, ativos e projetos da economia podem ser considerados sustentáveis.
E, nesse sentido, a primeira recomendação do relatório é justamente para que o governo brasileiro escolha um caminho: ou opte por criar um sistema de classificação próprio ou adote e adapte uma taxonomia já existente.
Um ponto de partida para uma classificação brasileira, segundo o relatório, seria a taxonomia para empréstimos sustentáveis que a Febraban acaba de reformar. O trabalho do Banco Central para adotar um sistema de classificação para identificar a exposição das carteiras de crédito a riscos socioambientais também é lembrado. Como exemplo do que poderia ser tropicalizado, é citada a taxonomia da União Europeia.
2. Ampliar a divulgação de fatores ESG das empresas
Hoje, a regulamentação sobre divulgação ESG obrigatória para as empresas listadas em bolsa são limitadas a exigências específicas da CVM e acontece via formulário de referência, um documento obrigatório para as empresas listadas.
A recomendação é que CVM e B3 se unam para criar uma divulgação obrigatória ampla, padronizada e comparável de riscos e impactos socioambientais e climáticos de todas as empresas listadas. O relatório também considera que, idealmente, grandes empresas não listadas e aquelas de médio porte com impacto socioambiental relevante deveriam ter que divulgar informações.
Essa divulgação deveria ser alinhada a protocolos reconhecidos internacionalmente, como GRI e TCFD, além da própria taxonomia brasileira a ser criada.
3. Mais transparência e supervisão das instituições financeiras
É difícil comparar exposições a riscos e estratégias de mitigação de riscos sociais entre as instituições financeiras devido à falta de métricas e formatos de divulgação padronizados, aponta o relatório. “Como as diretrizes são vagas e não há pressão suficiente sobre as instituições financeiras, as interpretações podem ser conflitantes.”
Com a agenda de sustentabilidade do BC, o regulador está trabalhando em regras para aumentar a transparência e prestação de contas, incluindo questões relacionadas ao clima e recomendações da TCFD.
A recomendação é para que o BC torne mais claras as exigências para as instituições financeiras. As normas existentes por ora não esclarecem, por exemplo, quais fatores de risco exatamente — como desmatamento, estresse hídrico ou questões trabalhistas — as instituições financeiras precisam considerar em seus processos de gerenciamento de riscos socioambientais. Da mesma forma, os fatores climáticos também são pouco claros.
O relatório ainda recomenda um reforço no ‘S’. Considera tímida a regulamentação sobre os aspectos sociais a serem observados pelos bancos ao conceder empréstimos, hoje restritos a um filtro de conformidade com a legislação para trabalho infantil e escravo e para saúde e segurança no local de trabalho.
4. Harmonizar a regulação socioambiental em todo o setor financeiro
Se por um lado a regulação do BC tem problemas, mas está avançando, a avaliação é que os demais segmentos de mercado, como fundos de pensão e seguradoras, estão ainda mais atrasados, limitando-se a recomendações para que fatores ESG sejam considerados nas decisões de investimento.
É preciso harmonizar a divulgação socioambiental no setor financeiro como um todo, para reduzir assimetrias de informações sobre riscos e limitar o greenwashing.
5. Disponibilizar dados socioambientais agregados para o público
Os dados socioambientais são fragmentados nas esferas municipal, estadual e federal no Brasil, o que limita o papel das autoridades financeiras.
Para o setor da agricultura, o BC já coleta dados socioambientais sobre atividades econômicas a partir de operações de crédito e, como parte da agenda sustentável, vai aprimorar e divulgar seu primeiro banco de dados, criando um birô verde para o crédito rural. Seguindo um modelo de open banking, o birô permitirá o compartilhamento de dados entre os bancos.
A recomendação é para que o seu escopo seja expandido para além do agro, abarcando setores como infraestrutura, manufatura, produção industrial, e outros setores com altos riscos e impactos socioambientais.
Além disso, o relatório sugere que outros ministérios e agências de governo se unam ao BC para formar um grande banco de dados socioambiental disponível a todo o mercado, com informações relacionadas a condições de trabalho, biodiversidade e uso do solo e uso de recursos naturais.
6. Criar uma plataforma de projetos de infraestrutura sustentável
O Ministério da Infraestrutura deveria criar um banco de dados online com projetos identificados e selecionados com base em critérios de sustentabilidade definidos conforme a taxonomia brasileira a ser criada e classificados de acordo com os impactos esperados.
“A plataforma funcionaria como uma ferramenta, com apoio público, para a conexão entre investidores e projetos”, diz o relatório.
Outra recomendação é a eliminação progressiva de isenções fiscais para projetos não sustentáveis, para ajudar a internalizar parte das externalidades negativas destes projetos.
7. Promover investimentos em agricultura sustentável
O relatório considera robusta a atualização do Código Florestal, em 2012, que introduziu regras para conciliar o desenvolvimento sustentável com a preservação de florestas nativas remanescentes, rios, solo e biodiversidade. Segundo o Código Florestal, os proprietários devem monitorar as exigências através do Cadastro Ambiental Rural, o CAR, um cadastro digital em que são documentadas as informações ambientais das propriedades.
“O problema é que a implementação total do CAR tem encontrado desafios: o prazo final para sua adoção já foi adiado repetidas vezes, e menos de 10% das propriedades rurais cadastradas no sistema foram avaliadas e validadas”, nota o relatório, complementando que isso faz com que o setor financeiro não possa contar totalmente com as informações para avaliar o uso do solo.
As recomendações para fomentar o investimento em agricultura sustentável são, além da maior aplicação do Código Florestal, a inclusão da agricultura sustentável na regulação de instrumentos do mercado de capitais e a criação de incentivos para emissão de títulos para financiar uma agricultura sustentável (a exemplo dos títulos verdes para infraestrutura).
8. Criar rotulagem oficial para fundos sustentáveis
Apesar do crescente interesse de investidores por fundos sustentáveis, ou ESG, ainda não existe no Brasil um sistema de rotulagem de produtos financeiros. Os fundos são autorrotulados e os ativos que lastreiam as carteiras não necessariamente são verificados.
Atualmente, a Anbima trabalha para criar uma classificação de fundos sustentáveis, num movimento de autorregulação.
A recomendação do relatório é de criação de um sistema oficial de rótulos de sustentabilidade, validado pela CVM — contando com o apoio da Anbima.
No entanto, o relatório aponta três pré-requisitos para a criação da rotulagem: a taxonomia sustentável, exigências de divulgação socioambiental e, por fim, criar um mecanismo de homologação das consultorias que fazem a verificação da conformidade dos rótulos.
9. Presença mais robusta do Brasil em fóruns de finanças sustentáveis
Para participar do debate internacional sobre finanças sustentáveis e ajudar a moldá-lo, além de apresentar perspectivas nacionais, o Brasil precisa ter uma participação mais robusta em fóruns internacionais sobre o tema.
Essa participação se intensificou no último ano com o Banco Central se tornando membro da Central Banks and Supervisors Network for Greening the Financial System (NGFS), ao mesmo tempo em que o LAB, laboratório de inovação financeira liderado pela CVM, se tornou o primeiro membro sul-americano da International Network of Financial Centres for Sustainability, ou FC4S. Os centros financeiros membros da FC4S representam 80% dos mercados globais de renda variável.
Um próximo passo, recomenda o relatório, é a participação do país, via Ministério da Economia, na International Platform on Sustainable Finance (IPSF), fórum que reúne formuladores de políticas de diversos países com o objetivo de ampliar a mobilização de capital privado para investimentos sustentáveis e está coordenando os esforços de harmonização de taxonomias entre a UE e a China.
(Crédito da Imagem: T.H.Chia/Unsplash)