Tadeu Carneiro mal podia imaginar que uma das maiores aventuras de sua vida profissional estava prestes a começar quando pendurou as chuteiras em dezembro de 2016, depois de dirigir por dez anos a CBMM, a maior produtora de nióbio do mundo, controlada pela família Moreira Salles.
Com 61 anos recém completados, está agora enfronhado numa startup pré-operacional altamente disruptiva e com potencial de alcançar escala global.
Carneiro é o CEO da Boston Metal, empresa nascida dentro do MIT que tem em mãos uma tecnologia que pode virar o jogo da produção de aço no mundo, zerando a emissão de CO2 de uma das indústrias mais poluentes do planeta, responsável por 8% de todo o gás despejado na atmosfera.
Pesos-pesados da indústria estão apostando que a empresa pode ser uma das vencedoras na corrida mundial pelo aço verde. Estão no seu captable o Breaktrough Energy Ventures, venture capital de Bill Gates, o The Engine, fundo de VC que nasceu dentro do MIT, o OGCI Climate Investments, fundo das ‘majors’ de óleo e gás, a gestora americana Fidelity, as mineradoras Vale e BHP e a montadora BMW.
“Existem várias tentativas de resolver esse problema. A nossa tecnologia é realmente a mais abrangente de todas. Porque ela se aplica a qualquer dos minérios de ferro que existem no mercado, dos mais ricos, como o da Vale, àqueles com menor concentração de ferro”, disse Carneiro ao Reset.
Até agora, a empresa já levantou US$ 100 milhões. Com os US$ 60 milhões captados na série B, no primeiro trimestre, a ideia é levar a tecnologia comprovada nos laboratórios para uma escala pré-industrial.
“Agora, o risco não é mais tecnológico, é de engenharia de processo”, diz Carneiro, completando que acredita ser uma questão de tempo até que os ajustes sejam feitos.
Além de servir para qualquer tipo de minério, a tecnologia, diz o executivo, terá preço para ganhar mercado. O que realmente tornou a tecnologia da empresa viável foi o barateamento das fontes de energia renováveis nos últimos anos.
“Nas nossas contas, se tivermos eletricidade [de fontes renováveis] no mesmo custo que a indústria do alumínio tem hoje, nosso preço será competitivo com o custo atual de se produzir aço”, diz. “Não precisamos que o carbono seja taxado.”
No início desta semana, em discurso em antecipação à Cúpula do Clima marcada por Joe Biden, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, citou a Boston Metal como exemplo de solução que pode contribuir para a crise climática.
O segredo da startup
Desde que o mundo emprega aço em quase tudo, de prédios a carros, de lava-louças a armas, o metal é feito do mesmo jeito.
Nos altos fornos aquecidos a temperaturas altíssimas, o minério de ferro é misturado ao coque, um combustível derivado do carvão mineral, que numa reação química ‘rouba’ o oxigênio do minério e libera o ferro. O subproduto dessa reação química é o CO2.
Uma das alternativas mais testadas por grandes siderúrgicas, como ArcelorMittal e SSAB, é o uso do gás de hidrogênio como substituto do carvão para fazer a transformação do minério de ferro em ferro metálico. A técnica teve resultados em testes de laboratório, mas ninguém até agora a executou em escala industrial.
O grande limitador é que o processo exige que a matéria-prima seja um minério de ferro de alto teor de pureza. “Funciona para o minério super rico que a Vale extrai, mas aquilo é uma quantidade limitada do minério que há no mundo”, diz Carneiro.
O que a Boston Metal conseguiu, dentro de laboratórios, foi criar um processo de eletrólise para extrair o ferro. Uma corrente elétrica aplicada a uma sopa de vários minerais — que podem compor os minérios menos puros — consegue quebrar a molécula de minério de ferro (Fe2O3). E, em vez do gás carbônico, o subproduto é o oxigênio.
Não à toa BHP e Vale quiseram assegurar seu lugar na janelinha. A participação acionária não garante exatamente um acesso privilegiado às primeiras entregas, mas os testes em escala industrial serão feitos com o minério das duas gigantes, o que por si só já é uma vantagem.
Além disso, as mineradoras estão particularmente atraídas pela tecnologia da empresa porque ela pressupõe uma estrutura bem menos grandiosa. Enquanto os alto fornos são gigantes, o sistema da Boston Metal é formado por células menores, que podem ser utilizadas num sistema modular.
Isso quer dizer que, se uma mineradora tiver energia disponível na mina, pode instalar células lá mesmo e começar a produzir, transportar e vender um metálico, com mais valor agregado, em vez do minério em estado bruto.
Sem revelar nomes, Carneiro diz que outra das líderes globais em mineração também quis abrir a carteira na última rodada, mas com a condição de assumir o controle da Boston Metal, algo descartado pelos fundadores e acionistas.
Desvio de rota
Ao se aposentar da CBMM, Carneiro tinha planos de ir morar em sua casa na praia de Perequê, no litoral paulista. Mas acabou em Boston.
“Falei pra minha mulher: vou comprar dois pijamas e a gente vai para a praia. Mas nunca cheguei à loja de pijamas”, brinca.
Foi interceptado por um inesperado convite para montar um curso na área de metais no MIT. Já por lá, começou a ser sondado por Donald Sadoway, o professor que desenvolveu a tecnologia, e o brasileiro Ingo Wender, primeiro investidor da empresa, que buscavam alguém capaz de transformar a Boston Metal num negócio.
Desde que aceitou o desafio, três anos atrás, Carneiro diz que a pressão sobre os fabricantes de aço para descarbonizar a indústria aumentou de forma incrível.
“Hoje tem nomes importantes da indústria automotiva fazendo o inventário de carbono da sua cadeia de fornecedores. A ponto de as siderúrgicas começarem a prometer coisas para daqui a 20 ou 30 anos sem ter planos e soluções. É um caminho que não tem mais volta.”
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