Novo pré-sal? O que está em jogo no petróleo da Foz do Amazonas

Petrobras pressiona por licença ambiental, mas ambientalistas querem, no mínimo, estudos mais amplos. O Planalto deve ser o fiel da balança

Novo pré-sal? O que está em jogo no petróleo da Foz do Amazonas
A A
A A

Alvo de disputa entre ambientalistas e a indústria petrolífera há quase dez anos, a Bacia da Foz do Amazonas voltou a ganhar as manchetes neste ano com a nova tentativa da Petrobras de conseguir licença ambiental para explorar a região. 

Considerada uma das principais fronteiras exploratórias pela estatal, a região é apontada como um possível “novo pré-sal”, com potencial para produzir 1,1 milhão de barris por dia (bpd) a partir de 2029, nas contas do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). 

É o equivalente a quase a totalidade da produção dos campos de Tupi e Búzios, dois dos maiores produtores do pré-sal, somados.

Os blocos da chamada Margem Equatorial — que vai do Rio Grande do Norte até o Amapá e inclui quatro outras bacias sedimentares — foram licitados em 2013, mas desde então nenhum poço foi perfurado em águas profundas. 

A francesa TotalEnergies, que era a operadora de cinco blocos, teve a licença negada em 2018 e transferiu sua participação para a Petrobras, sócia na empreitada. A BP também não teve sucesso no licenciamento e seguiu o mesmo caminho, passando sua participação para a estatal em 2021. 

Agora, a Petrobras assumiu as rédeas do processo e decidiu ir de all-in, apostando na sua expertise — e num empurrãozinho político — para desbravar a área.

Com um discurso de “tirar a última gota de petróleo do mundo”, que já foi reforçado pelo CEO Jean Paul Prates, a companhia aposta no potencial do Brasil de produzir petróleo de baixo custo para ser o último produtor em meio à transição energética. 

Alimentado pelos preços recordes da commodity em meio à Guerra da Ucrânia, o discurso vai de encontro aos alertas da Agência Internacional de Energia (AIE) de que, para evitar as principais consequências da mudança climática, é necessário parar de furar novos poços. 

E encontra oposição dentro do próprio governo. Enquanto o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, é um dos maiores entusiastas da exploração na Foz do Amazonas, a ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, tem fortes ressalvas ao projeto.

Para além da questão climática, a preocupação é com o impacto que a exploração de petróleo na região pode ter tanto sobre a vida marinha quanto nas comunidades locais. 

A costa amazônica abriga um rico sistema de recifes — numa área cuja biodiversidade ainda é pouco conhecida e mapeada —, além de ser casa de 80% dos manguezais do país. São sistemas sensíveis e de vital importância por servir de berçário para diversas espécies por sua capacidade de estocar carbono. 

Perfuração exploratória

Localizada entre o Pará e o Amapá, a Bacia da Foz do Amazonas chama atenção das petroleiras por ter um perfil geológico similar ao da vizinha Guiana, que já tem mais de 11 bilhões de reservas provadas de petróleo — quase a totalidade das reservas brasileiras, apesar do território muito menor. 

O que a Petrobras está pedindo ao Ibama é uma licença para fazer uma perfuração exploratória no bloco 59, que fica a 160 km da costa do Amapá (e a 500 km da foz do rio Amazonas em si). Ou seja, a estatal pretende furar primeiro poço para investigar se de fato há petróleo em quantidade e qualidade adequados a fins comerciais. 

Em teoria, é uma licença pontual, para essa campanha específica, que não deve levar mais de seis meses. 

Se for bem sucedida, a petroleira precisa entrar com pedido para uma licença de operação para entrar na fase de produção comercial. No Brasil, em média, leva-se cerca de seis anos entre a perfuração e o início da exploração em si. 

Há um temor de que, em caso de acidente, mesmo a perfuração exploratória já impacte a região. 

No caso do processo da Total, a negativa do Ibama se deu principalmente pelo fato da companhia não ter comprovado a capacidade operacional de enfrentar acidentes, afirma a então presidente do Ibama (2016-2018) e especialista sênior de políticas públicas no Observatório do Clima, Suely Araújo. 

Ela traz outra questão: “Tanto os blocos da Total, quanto esse agora da Petrobras ficam próximos já da Guiana Francesa. Em caso de acidentes, rapidamente o óleo atingiria as águas de outro país”. 

Abrindo a porteira? 

Mas a principal questão dos ambientalistas é que o projeto não pode ser considerado de forma isolada — e que, antes de começar qualquer campanha de exploração é preciso fazer uma avaliação mais integrada de toda a bacia. 

O temor é que a campanha da Petrobras, na prática, possa abrir a porteira para outros projetos na região, sem uma análise aprofundada dos seus impactos. 

Em entrevista à Sumaúma, Marina Silva frisou que o processo não pode ser visto como um caso isolado. “Estou olhando para esse desafio do petróleo na foz do Amazonas do mesmo jeito que olhei para Belo Monte”, disse, destacando o caráter ‘altamente impactante’ do projeto. 

Um mecanismo criado pelo durante o governo de Dilma Rousseff em 2012 — um ano antes da concessão dos blocos na Margem Equatorial — já prevê a necessidade de estudos aprofundados e multidisciplinares para identificar potenciais impactos socioambientais de atividades de exploração de petróleo e gás. 

Chamado de Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), o dispositivo nunca de fato saiu do papel e foi enfraquecido no governo de Jair Bolsonaro. 

O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, já sinalizou que a realização de uma avaliação estratégica — que seria de responsabilidade do MME em conjunto com o MMA — é uma possibilidade real. 

Nesse caso, o processo de licenciamento da Petrobras seria paralisado pelo menos até que os estudos fiquem prontos — o que não aconteceu ao longo de três governos. 

“Na prática, o Brasil tem quase ignorado essa portaria nesses dez anos”, diz Araújo. 

A realização de estudos mais abrangentes é um dos principais pleitos de um documento entregue ao governo por 80 organizações da sociedade civil neste mês para tentar frear o processo no Ibama. 

Sob pressão

Com o mundo caminhando em direção a energias renováveis, a Petrobras tem pressa para tirar o petróleo do chão antes que ele passe a valer cada vez menos — e, para isso, vem defendendo um processo mais célere.

A estatal já afirmou estar pronta para abrir o poço exploratório assim que a licença for emitida e mantém uma sonda de perfuração parada em águas profundas na costa do Amapá desde o fim de janeiro, com custo diário de US$ 500 mil, de acordo com o MME.

Dos US$ 6 bilhões previstos para investimento em exploração de novas fronteiras em seu plano estratégico para os próximos quatro anos pela Petrobras, metade é destinado para a Margem Equatorial. 

Com a cacofonia entre os membros do governo, pessoas próximas ao debate avaliam que, mais que técnico, o veredicto será político — e caberá, em última instância, ao Planalto. “O Estado terá de decidir se isso vai adiante ou não”, afirmou Prates, da Petrobras, em entrevista à Bloomberg. 

Se de um lado o governo federal tem a emergência climática e a proteção da Amazônia como uma de suas principais bandeiras diplomáticas, por outro, enfrenta a pressão dos potenciais recursos financeiros que o petróleo poderia trazer para as regiões Norte e Nordeste, as mais pobres do país.

Transformar esses recursos em desenvolvimento social, contudo, também depende de um canal de diálogo que por ora não está aberto. 

“Se não houver desde já um amplo diálogo com a população local e preparação do território para essas atividades e recursos, dificilmente um valor que venha a ser recebido em royalties se reverte em benefícios e desenvolvimento para a região”, diz a analista de políticas públicas do WWF-Brasil, Daniela Jerez. “Basta olhar para o Rio de Janeiro.”

Os povos indígenas e comunidades ribeirinhas também poderiam ser afetados pela exploração. 

“Existe uma economia de pesca, extrativismo e turismo que sustenta centenas de famílias ali”, diz Nicole Oliveira, diretora executiva do Instituto Arayara, organização com atuação na América Latina e Central pela transição energética justa. “Quando se traz um empreendimento que é tão danoso e pode prejudicar essa economia local, isso também tem que ser colocado na ponta do lápis”.

(Com edição de Natalia Viri)