Criar um negócio do zero e conseguir convencer investidores a injetar capital na ideia não é uma missão fácil. Ainda mais no Brasil, onde mais de 60% das empresas quebram antes de completar cinco anos.
Mais difícil ainda é fazer tudo isso já com uma política ESG clara e atuante.
A KPTL (lê-se “Capital”, em inglês) quer mudar este cenário. A gestora de venture capital que já realizou mais de 100 investimentos quer agora identificar e sanar os principais problemas de suas atuais e futuras investidas em aspectos ambientais, sociais e de governança.
Para fazer isso, firmou no começo do ano passado uma parceria com a consultoria Resultante, especializada em análise ESG e na identificação de riscos e oportunidades socioambientais.
“Algumas startups investidas pela KPTL já contribuem para o desenvolvimento sustentável, mas ainda há oportunidades de trazer novos elementos para alavancar a agenda”, diz Maria Eugênia Buosi, sócia-fundadora da Resultante.
Entre os exemplos descritos estão a Magnamed, que forneceu respiradores ao SUS, e a Agrotools, que usa tecnologia de precisão para aumentar a produtividade e identificar riscos socioambientais na agricultura.
Ao longo do último ano, KPTL e Resultante formularam uma metodologia para ser aplicada em todas as 60 empresas que atualmente fazem parte do portfólio da gestora. A análise leva em consideração 35 indicadores com critérios variados para cada empresa.
Entre os itens estão pontos como ecoeficiência e resíduos, mudanças do clima, inconformidades na questão ambiental; relacionamento com colaboradores e clientes, gestão de fornecedores e problemas com stakeholders na avaliação social; e integração à estratégia de transparência, integridade e escândalos de governança nos quesitos de governança.
Em outras palavras, são pontos que abordam desde o uso excessivo de água e de embalagens não sustentáveis até a falta de diversidade e de programas anticorrupção dentro do negócio.
Na prática, funciona da seguinte forma: a Resultante realiza um trabalho de investigação do negócio da startup e produz um relatório em que pontua a empresa de acordo com a metodologia.
A partir de então, é formalizado um plano de ação para lidar com cada um dos problemas. Este plano é sugerido para os gestores da startup que podem aceitar ou não seguir em frente.
“Não é algo imposto para a empresa. No fim, não queremos onerar as companhias e o objetivo é que exista a valorização do fundo e gerar a melhor contribuição para a empresa”, diz Christiane Bechara, CFO e head de compliance da KPTL.
Caso topem, o trabalho será monitorado periodicamente com o conselho de administração.
Todo o processo ainda está sendo escalado aos poucos. Das 60 investidas até agora, apenas 10 empresas já realizaram o ciclo completo para se adequarem às medidas identificadas e propostas pela KPTL ou estão em vias de fazer isso.
Já o restante ainda está em fase de diagnóstico e a tendência é que esta etapa possa demorar entre seis meses e um ano para ser finalizada.
A ideia é replicar a abordagem também nas próximas investidas, para que seja formulado um plano de ação assim que o cheque for assinado. “Essa análise já está sendo aplicada ao processo de diligência e cada fundo terá critérios mais ou menos rigorosos para avaliar as empresas que vão receber aportes”, diz Bechara.
Além do discurso
Entre as empresas que serviram de piloto para o projeto, uma delas é a Dress & Go.
A startup foi fundada em 2013 e cresceu apostando num modelo de locação de vestidos de festa pela internet. Ao longo dos últimos anos, passou também a vender as peças e a trabalhar com outros itens de vestuário, além de acessórios como bolsas, cintos, óculos e sapatos.
Após estudos do negócio, a KPTL e a Resultante formularam ao lado da startup um plano para o lançamento de um programa de revenda de peças baseado em economia circular. “Fizemos muitos estudos e descobrimos que a mulher usa somente 30% de seu guarda-roupa no dia a dia e o restante fica esquecido dentro do armário”, diz Barbara Diniz, cofundadora da startup ao lado de Mariana Penazzo.
Chamada de “Reloved”, a iniciativa já está operando e permite às consumidoras enviar suas roupas e acessórios usados para a startup que faz a curadoria, cadastra e disponibiliza os itens para aluguel ou venda no site.
Em troca, o antigo dono recebe um percentual de até 60% da venda ou até 30% do aluguel do produto e pode optar por sacar o dinheiro, deixar como crédito na loja virtual da Dress & Go ou apoiar uma causa beneficente.
O programa de revenda pode ajudar a resolver o problema do abandono de peças, mas cria outro: o que fazer com as roupas que não foram aprovadas para serem revendidas no site?
Duas sugestões foram apontadas pela KPTL. A primeira é destinar essas roupas para instituições que realizam a venda dos itens por valores bem mais baixos e cujo dinheiro arrecadado é destinado para filantropia. Outra ideia estudada é trabalhar ao lado de empresas de reciclagem para recuperar o tecido do produto para a criação de uma nova peça. Tudo ainda está em fase de maturação.
Fora da revenda, também foi sugerida a adoção de práticas para reduzir o uso de água utilizada na lavagem das roupas que são alugadas ou recebidas pelas consumidoras para serem expostas no site, o uso de entregadores de bicicleta e de embalagens feitas de material reciclável.
Como o trabalho é individualizado levando em conta as necessidades de cada empresa, as diferentes letras da sigla ESG podem ganhar mais ou menos destaque em cada caso.
Se na Dress & Go é o E de enviromental que se sobressai, na Colab, govtech que conecta cidadãos com governos, o foco está mais no S e no G.
A empresa que nasceu em 2013 formada por quatro homens e durante anos carregou a mesma sina de diversas outras empresas de tecnologia, que são dominadas por um quadro de funcionários com pouca diversidade, percebeu, por meio dos estudos feitos no último ano, que precisava trazer mais mulheres para dentro do negócio.
Hoje, o quadro de funcionários é composto em sua maioria por mulheres, que também ocupam 60% dos cargos de liderança da startup.
Além de mais contratações e mudanças na gestão, a companhia passou a rever processos internos para prover mais benefícios aos empregados. “Não havia nenhum tipo de benefício de saúde e notamos que isso era algo que precisava mudar”, diz Gustavo Maia, fundador e CEO da Colab.
Já no G, no que Maia diz que a companhia é mais especializada já que trabalha com projetos anticorrupção, a empresa passou a incorporar novas métricas e criou uma linha para denúncia de assédio dentro da companhia.
Mais práticas estão sendo estudadas. “Estamos em transformação, não se faz ESG do dia para a noite”, diz Maia.