Para efetivamente conter o aquecimento global, o mundo precisa parar de investir em novos projetos de exploração de petróleo e gás. Já.
O alerta é da Agência Internacional de Energia (AIE), órgão criado em 1974 pelos países desenvolvidos após a crise do petróleo para garantir a oferta da commodity e a segurança energética — e cujas previsões são seguidas de perto por governos, reguladores e investidores.
A proposta é parte de um cenário desenhado pela agência sobre formas de chegar a emissões líquidas de carbono até 2050 capazes de garantir a meta do acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais.
Detalhado em mais de 200 páginas, o relatório “Net Zero até 2050” foi feito para balizar as discussões da COP 26, a conferência do clima prevista para o fim do ano, e vêm depois de muita pressão de ativistas para que o órgão desenhasse seu cenário para um mundo neutro em carbono.
Além da neutralidade em carbono, a AIE levou em consideração um cenário que garanta a segurança energética a preços acessíveis.
Com as raízes da agência remontando ao petróleo, o diagnóstico foi visto como um dos mais duros recados aos produtores de combustíveis fósseis. Parte deles argumenta que precisam furar novos poços para atender às necessidades de economias emergentes.
No Brasil, a Petrobras tem dito que precisa furar novos poços para extrair valor do pré-sal e se manter como produtor de baixo custo num cenário de longo prazo em que os preços devem declinar e empresas com custos superiores serão deslocadas do mercado.
“Os países cujas economias dependem de receitas de petróleo e gás vão enfrentar grandes desafios”, disse Faith Birol, diretor-executivo da AIE, em teleconferência promovida na manhã de hoje. “Trouxemos 400 pontos relevantes [para a transição] e um deles é: não há necessidade de novos desenvolvimentos em petróleo, gás e carvão.”
Ao mesmo tempo, a IEA reconheceu que “investimentos contínuos nas fontes já existentes de produção de petróleo são necessários”.
O modelo previsto pela agência prevê que, num mundo neutro em CO2, a demanda por carvão cairia 90%, a demanda por gás cairia pela metade e a demanda por petróleo diminuiria quase 75% até 2050. A solar seria a maior fonte de energia, atendendo a 20% da demanda global.
Mudança radical
Num momento em que 70% do PIB global tem compromissos de neutralidade de carbono, o cenário traçado pela AIE mostra o quanto o mundo ainda está longe de transformar o discurso em prática e deixa claro que, muito além de mudanças graduais e incrementais, será necessária uma “transformação radical”.
“O caminho para o net zero é estreito, mas alcançável se os governos agirem agora”, escreveu Birol num post no Linkedin, comentando o relatório.
Além do corte drástico no consumo de combustíveis fósseis, o estudo prevê a necessidade de um salto sem precedentes nos gastos com tecnologias de baixo carbono. Seriam cerca de US$ 5 trilhões em investimentos por ano até 2030 e de US$ 4,5 trilhões em 2050, contra os US$ 2 trilhões que vêm sendo investidos atualmente.
O documento prevê uma eletricidade livre de carbono em 2040, junto com a disparada de financiamento para pesquisa ao longo da próxima década para desenvolver novas tecnologias como baterias e eletrolisadores de hidrogênio.
Ao mesmo tempo, a AIE estima que melhoras na eficiência energética podem levar a demanda global por energia a cair 8% em 2050 em relação ao patamar atual, mesmo com a economia mundial dobrando no período.
Apesar de levar em conta projetos de captura de carbono, o estudo da AIE não considera offsets fora do setor de energia — como créditos de carbono gerados por conservação florestal, que vêm sendo utilizados por grandes empresas, como a Shell, como estratégia para compensar as emissões.