As mudanças climáticas são a maior ameaça enfrentada pela humanidade em toda a sua história. Mais do que uma frase de efeito, a declaração de Klaus Schwab, fundador do Fórum Econômico Mundial, reflete um entendimento que é consenso entre os principais líderes globais: eventos climáticos extremos estão se tornando mais comuns e graves, gerando custos humanitários e econômicos devastadores.
Diante disso, é fundamental reverter a tendência, tanto por razões éticas quanto comerciais. Afinal, empresas de diferentes setores são afetadas diretamente pelas mudanças no clima.
Ainda que tenhamos visto em 2020 uma queda de 10% nas emissões de gases poluentes, como resultado das medidas de isolamento impostas pela pandemia de covid-19 — a maior redução desde a Segunda Guerra Mundial — o percentual está longe de ser suficiente.
Para tomar medidas de longo prazo e desacelerar o aquecimento global, é preciso promover uma transformação estrutural que reduza os níveis de emissão continuamente.
Nesse processo, descarbonizar a cadeia de suprimentos é fundamental: as oito principais cadeias de abastecimento globais (alimentos, construção, moda, bens de consumo, eletrônicos, automotivos, serviços profissionais e transporte) respondem por mais de 50% das emissões globais de gases de efeito estufa.
Se o impacto sistêmico da descarbonização de tais cadeias é significativo, o investimento pode ser menor do que as expectativas. Em todos os setores mencionados, 40% das emissões podem ser eliminadas com medidas que geram retornos econômicos para as empresas — seja por abatimento de despesas ou uso de novas tecnologias que permitam maior eficiência.
Dessa forma, o custo da descarbonização completa tende a ser relativamente baixo para o consumidor final, com acréscimo de apenas 1% a 4% no preço dos produtos.
Apesar de essencial e custo efetiva, a descarbonização não é uma tarefa fácil. Engajar um ecossistema de fornecedores frequentemente fragmentado é desafiador, especialmente quando as emissões estão entranhadas nos elos mais distantes da cadeia de valor ou quando abordá-las pode exigir uma ação coletiva de toda a indústria.
Um estudo recém-publicado do Boston Consulting Group (BCG), em parceria com o Fórum Econômico Mundial, identificou nove ações que toda empresa pode colocar em prática para contribuir com a descarbonização dessa rede.
1. Construir uma visão robusta das emissões, com dados específicos do fornecedor
De início, estabelecer uma linha de base é fundamental. As emissões da cadeia de suprimento podem ser calculadas com níveis diferentes de granularidade. Dados mais granulares podem ser usados para os principais fornecedores e para produtos, componentes e commodities que mais contribuem para as emissões.
2. Definir metas ambiciosas de redução e relatar publicamente o progresso
Uma vez que as empresas tenham transparência sobre as emissões da sua cadeia de suprimentos, é hora se comprometer com uma meta de net-zero em todos seus escopos e entender o que isso significa para o seu negócio em específico.
3. Redesenhar os produtos em prol da sustentabilidade
Para os itens e serviços já em produção — e para os quais é mais difícil implementar mudanças fundamentais –, faz sentido reduzir a pegada de energia das operações dos fornecedores ou aumentar a parcela de materiais recicláveis, por exemplo. Para novos produtos, as opções são enormes.
4. Reconsiderar estratégias geográficas de abastecimento para otimizar as emissões de CO2
Ter fornecedores mais próximos geograficamente reduz tanto as emissões de logística quanto aumenta a resiliência da cadeia contra potenciais choques — um ponto que se tornou ainda mais relevante no mundo pós-covid.
5. Integrar métricas de emissões em padrões e monitorar o desempenho
Estabelecer padrões de compra — como um percentual específico de energia renovável, níveis de eficiência nos processos ou uso de materiais recicláveis — para os fornecedores é uma das alavancas mais diretas para atacar a questão das emissões da cadeia de suprimentos.
6. Trabalhar com fornecedores para abordar questões relacionadas às suas emissões
Em muitos casos, será necessário trabalhar diretamente em conjunto com fornecedores, seja em iniciativas de educação, suporte técnico ou compartilhamento de metodologias, especialmente em relação a iniciativas de eficiência. A Danone, por exemplo, tem um programa de treinamento para os fazendeiros para melhorar custos e estimular boas práticas de sustentabilidade. Já o Google ajuda fornecedores a identificar oportunidades de eficiência energética.
7. Engajar-se nos ecossistemas das indústrias para compartilhar as melhores práticas
Iniciativas setoriais são outra forma de as companhias aumentarem seu impacto. Esse ponto é especialmente relevante para setores que dependem de soluções de descarbonização muito intensivas em capital. Companhias ambiciosas devem colocar pressão nos órgãos setoriais. Um bom exemplo é o da AP Moller-Maersk, que vem pressionando publicamente por mais ação climática no setor de navegação e já uniu forças com vários parceiros para criar um centro de pesquisa e desenvolvimento voltado em navegação zero-carbono.
8. Ampliar os ‘grupos de compra’ para incentivar a demanda por produtos sustentáveis
Compromissos do lado da demanda são outra forma de encorajar tecnologias de descarbonização. A plataforma ‘Mission Possible’ do Fórum Econômico Mundial visa juntar vários players da cadeia de valor para estabelecer projetos colaborativos e construir demanda para cimento, aço, produtos químicos e soluções de transporte mais verdes. Numa abordagem diferente, os membros do Oil and Gas Climate Initiative (OGCI) investiram de maneira conjunta de um hub de projetos para escalar tecnologias de captura e armazenagem de carbono.
9. Introduzir uma governança de baixo carbono para alinhar incentivos internos e capacitar a organização
Mais importante: empresas que queriam descarbonizar suas cadeias de suprimento precisam mudar a forma como elas operam. Isso exige que funções como desenvolvimento de produto, compras, finanças, estratégia e sustentabilidade se envolvam. É necessário que metas e cobranças estejam completamente alinhadas.
Segundo o Carbon Disclosure Project (CDP), cerca de metade das grandes empresas europeias já atrela o pagamento de executivos de alguma forma à ação climática. Da mesma forma, as empresas podem atrelar os KPIs e compensação dos times a iniciativas de redução de emissões de carbono.
A adoção dessas medidas é uma grande oportunidade, especialmente para empresas voltadas para o consumidor final, cujas emissões da cadeia de suprimentos com frequência superam as de fabricação.
Mas é preciso agir.
O futuro é um tema urgente e, se quisermos ter sucesso, as crises econômica e de saúde devem ser abordadas em conjunto, com soluções neutras em carbono, capazes de acelerar a construção de um futuro mais saudável e resiliente.
* Jorge Hargrave é diretor do BCG Brasil