Em meio à profusão de fundos que se dizem ESG, verdes, sustentáveis e as variações do tema, a Anbima, entidade que reúne participantes dos mercados financeiro e de capitais, saiu com uma autorregulação para tentar começar a colocar ordem na bagunça.
O texto da norma, inspirado na regulação europeia, foi considerado um grande avanço por especialistas no setor. Mas a primeira leva de fundos aprovados pela Anbima caiu como um balde de água fria.
A impressão – inclusive entre pessoas que participaram da confecção da norma – é que, na aplicação das regras, a barra para o que constitui um “investimento sustentável” ficou bem baixa.
“O texto da norma era muito bom, nos colocava três casas à frente na jornada, mas a execução equivocada nos fez voltar cinco”, afirma Gustavo Pimentel, sócio-fundador da Nint, consultoria especializada em ESG. “Antes, o mercado estava perdido e não tínhamos um mapa. Agora temos um mapa errado.”
No cerne da autorregulação da Anbima, há uma diferenciação relevante.
O texto diz que só poderiam usar termos como ESG e suas variantes no nome do fundo aqueles que têm um “objetivo de investimento sustentável”, ou seja, aplicam os recursos em soluções para resolver ou mitigar desafios ambientais, sociais ou de governança.
Esses fundos poderiam usar atributos ESG no nome e ganhariam o sufixo “IS”, de investimento sustentável, de forma a diferenciá-los para o investidor.
Numa segunda categoria criada pela Anbima estão os fundos de “integração ESG”, que investem em qualquer tipo de ativo, mas incluem de forma sistemática questões ambientais, sociais e governança no seu processo geral de investimento.
É nesse segundo grupo que parece estar a maior parte dos produtos no mercado brasileiro.
Nesse caso, eles não poderiam incluir o ESG no nome, mas sim a frase de que “o fundo integra fatores ESG no seu processo de gestão” nos materiais de venda.
Nos materiais de orientação, a Anbima afirma que a categoria do IS foi inspirada no artigo 9 da Sustainable Finance Disclosure Regulation (SFDR) da União Europeia.
É uma regra bastante restritiva, que inclui o que convencionou-se chamar de “dark green” e inclui apenas fundos que investem ativamente em atividades e teses que promovam diretamente a sustentabilidade – como saneamento, energia renovável, redução das emissões de carbono e afins.
No mercado europeu, poucos fundos conseguem essa classificação.
Verde pálido
Por aqui, na primeira leva de aplicação da autorregulação por parte da Anbima o IS serviu para abrigar os vários tons de verde que formam a paleta ESG.
Dos 22 fundos aprovados de acordo com as novas regras, 17 ganharam o aval para se intitularem de “investimento sustentável” e apenas cinco de “integração ESG”.
De 45 fundos que estão em análise por parte da Anbima, 31 deram entrada para adotar o sufixo IS, enquanto 14 afirmam que integram questões ESG no processo.
Dentre os fundos considerados IS pela entidade, estão alguns que fazem o que parece uma integração ESG mais clássica.
Um fundo de BDRs da Caixa considerado IS usa escores de provedores ESG para calibrar sua estratégia. O Ethical, do Santander, um dos mais antigos a incorporar a lente socioambiental, também investe em bolsa brasileira privilegiando aquelas que têm melhor pontuação ESG.
“Alguns fundos que estão na lista de IS talvez sequer deveriam ter entrado como de ‘integração ESG'”, diz uma pessoa que participou ativamente do processo para confecção das normas e preferiu não ser identificada.
“Lamentável a Anbima ir por esse caminho. Está muito claro na normativa que IS se trata de sustentabilidade e impacto. Isso não tem nada a ver com ESG, que diz respeito a processo, e não produto”, afirma Fabio Alperowitch, gestor da Fama Investimentos, um dos mais vocais da agenda ESG no mercado brasileiro. “É um retrocesso.”
O fundo de ações da Fama se cadastrou na Anbima como de integração ESG e foi um dos cinco a ganhar o aval da entidade até agora.
Há quem argumente que, diante do universo restrito da bolsa brasileira, um fundo de renda variável com foco em Brasil teria dificuldade em se enquadrar como de investimento sustentável se as regras fossem aplicadas ao pé da letra.
“Dá para usar essa lente em renda fixa e até em investimentos internacionais, mas no universo de ações Brasil é bem complicado”, pontua Pimentel, da Nint.
Investidor no escuro
Outro problema é que, do ponto de vista do investidor, ainda não está claro quem realmente já ganhou a aprovação para usar IS no nome.
A lista de aprovados pela Anbima até o momento tem apenas 17 nomes. Mas uma busca rápida na página da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) mostra que pelo menos mais duas dezenas de fundos já incluíram o IS na nomenclatura.
A questão é o processo definido pela entidade: o fundo precisa fazer a alteração na nomenclatura e no regulamento para só então submeter a documentação à Anbima. E, por enquanto, ainda não há um repositório por parte da entidade para mostrar quem já passou pelo seu crivo.
“Pretendemos construir, sim, uma base de dados pública para consulta”, diz Juliana Agostino, gerente executiva de inovação e sustentabilidade da entidade.
Por ora, o investidor ainda está no escuro.
Com a palavra, a Anbima
A Anbima afirma que está em processo de aprendizado e que deve fazer melhorias no processo de autorregulação.
“Vamos olhar o que o mercado está falando, que é fundamental para as melhorias, e olhar os fundos que vieram com a solicitação e fazer os ajustes necessários”, afirmou ao Reset Carlos “Cacá” Takahashi, vice-presidente da Anbima e líder do comitê de sustentabilidade da entidade.
A Anbima optou por adotar uma estratégia que chama principiológica, avaliando menos a composição das carteiras e mais o fundo e sua gestora têm processos e estruturas adequadas para fazer a gestão ESG de acordo com o que está se propondo.
A questão é que, neste primeiro momento, a entidade focou na parte documental e não entrou no mérito do que constitui de maneira legítima o que considera um “objetivo de investimento sustentável”.
“Já estamos vendo que talvez tenha outros elementos que a gente possa acrescentar nesse checklist de análise inicial”, afirma Agostino.
Definir o que é um investimento sustentável não é tarefa fácil – e mesmo entre jurisdições que tratam há tempos do tema, como a europeia, ainda há uma série de bolas divididas.
Por lá, existe uma taxonomia que ajuda a dar um norte. Ela determina quais atividades podem ser consideradas sustentáveis para fins de investimento, como parte de um esforço de estado para alocar capital na transição para uma economia mais verde.
Mas qualquer ambição de classificar fundos passa de alguma forma por uma análise qualitativa.
“A gente sempre tem o risco de colocar a barra muito alta ou muito baixa, principalmente quando você está tratando de um tema que, sob o ponto de vista da autorregulação, é novo”, diz Takahashi.
“Temos duas preocupações principais: não inviabilizar o desenvolvimento de um mercado relevante de alguma maneira, através da inexequibilidade, e ao mesmo tempo trazer uma experiência adequada para investidor.”