JBS: relatório estima pegada de desmatamento da cadeia de fornecedores

Criadores que vendem para a companhia podem estar ligados a 8% do desmatamento na Amazônia desde 2008, aponta Chain Reaction Research

JBS: relatório estima pegada de desmatamento da cadeia de fornecedores
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Fazendas que fornecem gado direta ou indiretamente para JBS podem ter desmatado pelo menos 1,7 milhão de hectares de vegetação nativa na Amazônia e no Cerrado desde 2008, o equivalente a pouco mais de 10 cidades de São Paulo, estima a Chain Reaction Research (CRR), uma coalizão de três casas de pesquisa ESG da Europa e dos Estados Unidos, que se dedica a avaliar a cadeia de fornecimento de commodities. 

O número é equivalente a cerca de 8% de desmatamento nos dois biomas, aponta a CRR, tomando por base dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Em meio à falta de rastreabilidade da cadeia, as contas da CRR são uma estimativa — ou um ‘educated guess’, como se costuma dizer em inglês, para tentar avaliar o tamanho da exposição da companhia ao desmatamento. 

Mas a casa de análise aponta que a estimativa é ‘conservadora’. 

“A JBS tem uma exposição a desmatamento descomunal na sua cadeia de fornecimento de carne bovina”, concluem os pesquisadores Tim Steinweg, Gerard Rijk e Matt Piotrowski, que assinam o relatório de 24 páginas que acaba de ser publicado. 

A retirada de vegetação nativa não necessariamente diz respeito a desmatamento ilegal, em desconformidade com o Código Florestal. 

Mas a projeção dá o tamanho do telhado de vidro do maior frigorífico do planeta, que, junto com os outros concorrentes, fez um compromisso público em 2009 de não comprar gado de áreas desmatadas a partir daquele ano. 

Ainda que tenham avançado no monitoramento dos fornecedores diretos de gado, os principais produtores de carne do Brasil ainda têm um ponto cego relevante na cadeia indireta, especialmente dos fazendeiros que criam os bezerros e os revendem para engorda.

E investidores e clientes, como redes de supermercados, especialmente estrangeiros, têm cada vez mais cobrado que os fornecedores não estejam ligados à supressão de vegetação nativa, mesmo dentro de parâmetros legais. 

Para chegar à estimativa, a CRR localizou e monitorou 983 fornecedores diretos e 1874 fornecedores indiretos da JBS em seis Estados que fazem parte dos dois biomas: Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará e Tocantins. 

Os dados de desmatamento encontrados na amostra foram extrapolados para toda a rede de 9.730 fornecedores diretos e 56.241 indiretos identificados pela CRR nos Estados analisados. O resultado: 200 mil hectares de desmatamento teriam vindo de fornecedores diretos e 1,5 milhão dos indiretos. 

Na avaliação dos dados, a CRR identificou diversos casos nos quais fazendas que fazem o fornecimento direto e indireto têm o mesmo dono e são localizadas em lotes vizinhos, ainda que registradas sob titularidades distintas.  

“Isso permite que o gado seja criado em diferentes seções de uma única propriedade envolvida em desmatamento, mas ainda seja elegível para venda para a JBS dentro de seus compromissos de desmatamento”, dizem os analistas. 

Exemplo de desmatamento em uma fazenda em Nova Canaã do Norte (MT), vizinha de um fornecedor da JBS. Ambas as propriedades estão registradas sob o mesmo dono.
Fonte: Chain Reaction Research

Metodologia 

A análise, trabalhosa, foi feita usando as Guias de Transporte Animal (GTA), documentos sanitários emitidos sempre que o gado troca de propriedade, de 2019, cruzadas com dados de registro de propriedade rural e dados de desmatamento do Prodes, sistema do INPE que realiza o monitoramento do desmatamento da Amazônia Legal. 

E mostra o valor que investidores internacionais têm dado ao tema. A Chain Reaction Research conduz análises para analistas financeiros, de crédito, investidores institucionais e outros stakeholders. Parte do funding para a iniciativa, que une as casas de análise Aidenvironment, Profundo e Climate Advisers, vem da Norwegian Agency for Development Cooperation (Norad). 

Os pesquisadores apontam que a estimativa é conservadora porque parte de algumas premissas restritivas. Eles optaram por não considerar o desmatamento que aconteceu além dos limites das fazendas analisadas, ainda que, em diversos casos, houvesse indícios de a supressão de vegetação ultrapassasse as fronteiras das propriedades. 

Além disso, as projeções foram feitas usando apenas os dados de GTAs do ano passado, excluindo, portanto, fazendas que não forneceram para a companhia no ano passado, mas o fizeram em outros anos. Rondônia e Acre também ficaram de fora da pesquisa.

Procurada, a JBS afirmou que refuta a metodologia por “extrapolar uma média de desmatamento associada a uma amostra de propriedades para o total de fornecedores da companhia (diretos e indiretos), e considerar que 100% das fazendas possuem desmatamento”. 

Políticas da JBS 

A JBS diz ter uma política de tolerância zero ao desmatamento e ter sido “uma das primeiras empresas do setor a investir em políticas e tecnologias para combater, desencorajar e eliminar o problema em toda sua cadeia direta de fornecimento”. 

Em relação ao fornecimento indireto, a companhia ainda não tem sistemas para monitorar seus fornecedores. 

“A JBS indicou ao CRR que está em discussões ativas com o Ministério da Agricultura do Brasil para explorar a possibilidade dos chamados ‘GTAs verdes’ — incluindo nos registros de movimentos também informações sobre embargos ambientais e trabalhistas”, escreveram os analistas.  “Essas discussões, no entanto, vêm acontecendo desde 2013 e auditores independentes em 2019 descreveram esses esforços como ‘ainda sem sucesso’.” 

A JBS também diz estar testando, em caráter piloto, tecnologias de blockchain e índices de produtividade — que medem o risco de ‘lavagem de gado’ ao avaliar o tamanho da propriedade e o tanto de gado que fornece — como uma forma de tentar resolver a questão de exposição indireta. 

Custo da dívida 

Numa análise detalhada, a CRR atenta para os riscos de longo prazo para a JBS associados ao desmatamento. Um dos principais é o custo da dívida, já que um terço do financiamento da companhia se dá por meio de investidores e bancos europeus, que estão adotando critérios ESG mais restritivos. 

Dos 20 principais financiadores, metade — com US$ 10 bilhões de exposição a JBS — tem políticas de desmatamento-zero ou que estão convergindo para essa meta. 

Entre os principais credores da companhia que se encaixam nessa categoria estão  Barclays, JP Morgan, Rabobank, Santander e Credit Suisse.

O relatório na íntegra pode ser conferido aqui.

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