Um relatório preparado pela Climate Bonds Initiative (CBI) em parceria com o Ministério da Agricultura identificou US$ 163 bilhões em potencial de investimentos para práticas sustentáveis de agricultura que poderiam ser financiados via green bonds ou outros instrumentos financeiros verdes até 2030.
O levantamento faz parte de uma parceria firmada entre as duas instituições para atrair recursos privados para financiar o agronegócio brasileiro e faz parte de um esforço consciente do ministério para mostrar que o setor vai muito além dos problemas com o desmatamento na Amazônia, que tem dominado a atenção dos investidores internacionais.
“O Mapa [Ministério da Agricultura e Pecuária] tem grande interesse nisso, por todos os motivos, inclusive para mostrar para o mundo as coisas boas que a agropecuária brasileira tem feito”, disse a ministra Teresa Cristina, em teleconferência promovida hoje pela CBI para anúncio do estudo.
No estudo detalhado lançado hoje, a CBI traz um bê-a-bá completo do setor, com práticas, regulações ambientais, programas governamentais e fontes de financiamento, e identifica oportunidades de investimento em diversos segmentos do agronegócio.
Os maiores valores potenciais foram identificados no Programa de Regularização Ambiental (PRA), pelos quais as propriedades rurais, em determinadas circunstâncias, podem se adequar às exigências de vegetação nativa pregadas pelo Código Florestal, além de recuperação de pastagens degradadas para uso agrícola.
O mapeamento inclui ainda potenciais investimentos na cadeia de transporte, com ferrovias para escoamento de produção, e eficiência energética.
“Esse é um primeiro mapeamento e são as oportunidades mais óbvias, temos certeza de que há bem mais potencial aí”, disse Justine Leigh-Bell, vice-CEO da CBI.
A instituição, que é a principal autoridade sobre títulos verdes no mundo, pretende lançar uma cartilha com os critérios para elegibilidade de projetos verdes no agronegócio já no próximo mês, de forma a facilitar a emissão.
Do total de mais de US$ 840 bilhões em green bonds que já foram emitidos no mundo, apenas 3% foram para o setor de agronegócio — e, nesse caso, principalmente para o setor de papel e celulose.
No Brasil, dos US$ 5,9 bilhões em emissões feitas desde 2012, 35% foram para títulos de ‘uso da terra’, notadamente também para o setor de papel e celulose, com emissões relevantes de players como Suzano e Klabin no mercado internacional.
As emissões direcionadas à produção agrícola sustentável são considerada mais desafiadoras, principalmente devido à complexidade de produtos e atividades, às restrições de tamanho para a emissão — muitos produtores são de pequeno e médio portes — e à falta de critérios de mercado para rotular produtos financeiros verdes no setor.
“Capitalizar esses investimentos vai demandar um entendimento do que entendemos como verde”, disse Leigh-Bell, da CBI.
O governo vem anunciado parcerias com a Climate Bonds Initiative para tentar fomentar a adoção de green bonds.
Recentemente, o Ministério de Infraestrutura firmou uma parceria com a CBI para que os projetos de ferrovias que virão a mercado pelo Programa de Parcerias de Investimento (PPI) já saiam com permissão para emitir títulos verdes.
Na prática, as ferrovias vão tirar caminhões de circulação, contribuindo para a redução de emissões de gases de efeito-estufa.
“São projetos desafiadores, mas que vão provocar uma revolução em aumento de produtividade, com atuação forte na descarbonização da nossa matriz”, disse o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, que participou do lançamento do estudo.
Segundo ele, a CBI já está analisando o projeto da Ferrogrão, que liga o Mato Grosso ao Pará, e deve ser encaminhado em breve para o Tribunal de Contas da União (TCU). A expectativa é que a ferrovia venha a mercado no começo de 2021.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, também participou do webinar na manhã de hoje e disse que a autoridade monetária também trabalha em formas de estimular a emissão de títulos verdes.
“Do ponto de vista do BC temos algumas ideias de como atrair mais esses investimentos, estimular investidores a olhar mais essa parte verde dos ativos de renda fixa”, disse.
“Mesmo que a gente pense que esse tema [ambiental] é político, polêmico, inconclusivo, a verdade é que o mundo já está mudando nesse ponto. Se a gente pensar o que está sendo consumido e o que está sendo investido, vemos que escolhas fundamentais estão sendo direcionados por esse tema.”
Campos Neto disse ainda que o Banco Central vê com bons olhos a precificação de carbono. “Quando nós estávamos discutindo no começo do governo formas de atuar e de colocar o Brasil no mapa, uma das ideias que foram apresentadas é que o Brasil fosse um grande centro negociador de carbono. Esse é um projeto que na época olhamos”, disse, sem dar mais detalhes.
O relatório sobre o agronegócio brasileiro produzido pelo Climate Bonds Initiative está disponível aqui.