Muito se falou sobre investimentos ESG em 2020.
Mas, afinal, o quanto da atenção do mercado se traduziu em dinheiro depositado nesse tipo de produto no Brasil?
Um levantamento feito pela Morningstar a pedido do Reset mostra que os fundos ESG captaram ao menos R$ 2,5 bilhões em 2020 — e passaram de R$ 3,1 bilhões para R$ 6,8 bilhões ao longo do ano, já considerando a valorização dos ativos no período.
Embora ainda pequena diante de todo o volume captado pela indústria de fundos em 2020, que foi impulsionado pela busca por retorno num mercado com juro básico a 2%, a cifra na casa dos bilhões para um segmento que ganhou relevância no país apenas recentemente chega a animar.
Um olhar mais a fundo revela que por trás da ‘big picture’ há dados ainda bastante inconsistentes e conversas com gestores e plataformas para qualificar os números indicam uma indústria em construção, em que o lado da oferta anda mais rápido que o da demanda.
Para chegar ao número, a Morningstar filtrou todos os fundos que são registrados em sua base como sustentáveis.
Como em todo levantamento do tipo, o resultado obtido depende da base e dos critérios aplicados — e, nesse caso, não houve pretensão de fazer uma avaliação da qualidade da integração ESG. A maioria dos fundos é de renda variável, mas o universo contempla produtos com estratégias de gestão muito distintas entre si.
Seja como for, os números captam ao menos uma tendência com clareza: a indústria local começou de fato a se estruturar. Segundo a Morningstar, foram criados 85 novos rotulados como sustentáveis pelos gestores em 2020, enquanto em 2019 haviam sido apenas seis.
Com 130 produtos nas prateleiras em 31 de dezembro, a oferta continuará crescendo, porque claramente houve uma aceleração dos lançamentos perto do fim do ano.
Pouco mais de metade da captação, R$ 1,4 bilhão, veio de novos produtos, criados nos últimos 12 meses. São poucos os que já exibem uma captação vistosa. Apenas seis deles receberam mais de R$ 100 milhões ao longo do ano, enquanto outros quatro tiveram um ingresso entre R$ 50 milhões e R$ 100 milhões.
Internacionalização via ESG
O destaque ficou por conta do Manager JSS Sustainable Equity Global, do Safra, que captou que R$ 582 milhões em oito meses, chegando a 3,8 mil cotistas. Trata-se de um fundo de ações global do J. Safra Sarasin, banco suíço controlado pelo Safra, que tem um longo histórico de investimento sustentável e que passou a ser oferecido aos brasileiros em abril.
Entre os veteranos, o destaque também ficou para produtos que capturaram a tendência de internacionalização — e não necessariamente têm a ver com ESG.
O BB ESG BDR Nível I do Banco do Brasil levantou R$ 475 milhões, influenciado principalmente pelo bom desempenho dos recibos de ações internacionais negociados no Brasil. O fundo teve uma valorização de nada menos que 49% no ano e saiu de 4 mil para 19 mil cotistas.
Mas a conversão para o ESG é recente.
Lançado em 2015, o produto passou por uma repaginação apenas em dezembro, incluindo as três letrinhas no nome e na política de investimentos. A carteira ainda está em processo de adaptação e, desde o mês passado, só são elegíveis empresas que fazem parte dos índices MSCI USA ESG Select e S&P 500 ESG.
Com o sinal verde da CVM em setembro para que investidores em geral — e não apenas os qualificados, com mais de R$ 1 milhão investidos — comprassem BDRs diretamente, esse tipo de fundo passou a ser menos atrativo.
“Nosso produto de BDR, que era talvez antes a grande alternativa para diversificação internacional para o varejo, deixou de ter essa exclusividade”, diz Vinícius Vieira, head de gestão de fundos ativos da BB DTVM. “Sentíamos falta de ter algo ESG mais global para o varejo e nesse caso casamos a demanda por internacionalização com ESG.”
O movimento se reflete em outras casas: o Warren Green BDR Nível I lançado no fim de 2019 chegou a 15 mil cotistas e captou R$ 30 milhões.
Outro destaque de captação ficou por conta do XP Trend ESG Global, que foi para a rua em junho. O fundo, composto por ETFs ESG mundo afora, captou R$ 127 milhões na sua versão hedgeada, com quase 11 mil cotistas.
Oferta e demanda
Gestores de fundos que conversaram com o Reset disseram sentir que a demanda de investidores ainda não está tão aquecida quanto o zum-zum-zum em torno do tema poderia sugerir.
Ao menos dois grandes gestores independentes que preferiram não ser identificados relataram que sua captação positiva esteve mais relacionada ao retorno alcançado do que efetivamente à busca do investidor pelo alinhamento do portfólio a critérios ESG.
Para Guilherme Bragança, sócio da área de relações com investidores da JGP, uma das casas pioneiras na integração ESG no país, o lado da oferta de produtos está andando mais rapidamente que o da demanda.
“Isso é natural. O mercado financeiro costuma se antecipar a movimentos que identifica e está fazendo isso agora em relação à tendência clara de aceleração da captação de produtos ESG no mundo. A aceleração da demanda vai ser exponencial”, completa ele, que já vê sinais de que em 2021 a captação será bastante superior à do ano passado.
Bragança diz que dentro do mercado, entre plataformas de investimento, bancos de varejo e alocadores de recursos, o tema já está muito disseminado. “O esforço dos canais de distribuição para reforçar a oferta é grande. Nos últimos meses, criamos muitos feeders e fundos espelho do nosso produto ESG.”
Atualmente, a gestora tem produtos em mais de dez plataformas e conversa com os principais bancos para entrar em seus canais de varejo.
Seis meses após os primeiros grandes lançamentos nessa seara, a XP fechou o ano com 15 produtos ESG na sua plataforma, que somam ao todo 20 mil investidores.
“Ainda é pouco quando a gente olha o que pode ser, mas deixou de ser uma ideia, um barulho, para ser uma realidade”, diz Gustavo Pires, diretor responsável por fundos de investimento na XP. “2020 foi um período de consolidação, tanto do ponto de vista da oferta de produtos quanto de novos investidores, e é uma tendência que vai acelerar neste ano.”
Pesquisas encomendadas pela corretora no ano passado mostram que de 70% a 80% dos clientes têm intenção de ter portfólios mais alinhados a fatores ambientais, sociais e de governança.
“O varejo teve uma ótima reação, muito melhor que a gente esperava dada a novidade do tema e o ineditismo”, diz Marta Pinheiro, head de ESG da XP.
A educação do mercado ainda é um fator relevante: a corretora está trabalhando tanto em cursos para os próprios gestores quanto para os agentes autônomos, de forma a tentar desenvolver e sofisticar oferta e demanda.
Luzia Hirata, analista ESG do Santander, que tem um dos fundos de ações ESG mais antigos do Brasil, o Ethical, também vê um apetite maior por parte do investidor de varejo.
“A gente sempre foi procurado por investidores institucionais para conversas, mas essa demanda não era tão significativa e no passado isso mudou um pouco”, aponta. “Mas o que mais observei foi o crescimento significativo do interesse do investidor pessoa física.”
Mercado doméstico
Para além dos produtos passivos e que replicam estratégias de casas internacionais, a oferta de produtos ativos e de estratégia dedicada no Brasil ainda é mais tímida.
Os fundos dedicados a ESG da Constellation e da JGP foram destaque no levantamento da Morningstar, com captação superior a R$ 100 milhões e R$ 50 milhões, respectivamente.
O Selection FIC FIA, da XP, um fundo de fundo que reúne estratégias ESG locais, tinha cerca de R$ 40 milhões de patrimônio ao fim do ano e 812 cotistas. A maior parte dos recursos vem dos R$ 100 milhões de capital semente que a gestora separou para fomentar novas estratégias ESG.
Nesse caso, os produtos mais jovens têm uma certa desvantagem. Com uma oferta ainda recente, a amostra dos fundos é curta para conseguir comparar a rentabilidade ante o mercado em geral.
E, com empresas de commodities puxando a recuperação da bolsa no fim do ano, boa parte dos fundos ativos, e de estratégia ESG — que normalmente fogem de Petrobras e Vale —, ficaram atrás do benchmark nos meses que se seguiram ao lançamento.
Além do crivo da rentabilidade, a própria estratégia ESG deve passar por um pente fino.
“Com o assunto em alta, muitos gestores enxergam oportunidades de lançar produtos específicos. Mas lançar o produto é relativamente fácil”, diz Hirata, do Santander. “O movimento agora vai além disso: a gente vai ter um escrutínio muito maior em relação a processos, metodologias e critérios para seleção de papéis, o que ainda é uma grande caixa preta.”