Roubini, o Dr. Apocalipse, lança fundo de olho (também) no clima

Economista que ganhou fama após prever a crise de 2008 diz que fundo levará em conta novos riscos, como os climáticos

O economista Nouriel Roubini
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Conhecido por seus cenários pessimistas sobre economia e mercados, o economista Nouriel Roubini previu a crise financeira global de 2008. Por isso, ganhou o apelido de Dr. Catástrofe ou Apocalipse. Agora, aos 66 anos, vai aplicar pela primeira vez suas previsões na administração de recursos.

Spoiler: os riscos climáticos ocupam lugar de destaque em sua tese de investimentos.

Ele será um dos três gestores do Atlas America Fund, um fundo listado em bolsa, classe conhecida como ETFs. A carteira será administrada ativamente e aplicará em uma variedade de ativos, como títulos do governo americano, títulos corporativos, imóveis, ações e ouro, de acordo com o registro do fundo na Securities and Exchange Commission (SEC). 

“Depois que publiquei [o livro] ‘Megathreats’ há dois anos, percebi que há uma variedade de riscos que estão surgindo, que são novos e diferentes e com os quais precisamos nos preocupar”, disse Roubini ao Financial Times.

Ele lista inflação mais alta, desvalorização do dólar, desdolarização global, escassez de alimentos e recursos, mudanças climáticas, pandemias, polarização política, guerras (quentes e frias), ataques cibernéticos e manipulação orientada por inteligência artificial (IA).

Para se proteger da inflação crescente, a estratégia da Atlas Capital será investir em títulos do Tesouro americano de até dois anos juntamente com uma cesta de ativos de baixa ou negativamente correlacionados: ouro, fundos de investimento imobiliário (conhecidos como REITs) “resilientes ao clima”, títulos do Tesouro protegidos contra a inflação e commodities agrícolas, considerados estrategicamente importantes por Roubini “quando o fornecimento de alimentos é ameaçado pelo clima e conflitos geopolíticos”.  

A promoção do fundo é ambiciosa (e um tanto megalomaníaca): Roubini e seu time não o descrevem apenas como um veículo de investimento, mas dizem vê-lo também como uma iniciativa de política pública semelhante ao Plano Marshall. 

“Queremos investir na reconstrução da infraestrutura dos EUA. Queremos garantir a segurança alimentar, repatriar a produção de metais verdes e terras raras”, disse o economista ao jornal inglês.

Mudanças climáticas

Essa aposta na reconstrução está centrada no mercado imobiliário e tem no clima sua tese de investimento. Roubini prevê que mudanças climáticas tornarão lugares como a costa da Flórida e do Texas quase inabitáveis. Ele destaca a fuga das companhias de seguros desses riscos. Isso pressionaria as finanças do governo federal, que por sua vez não poderá mais se dar ao luxo de atuar sozinho.

“Em um cenário de mudança climática extrema, até um terço da população norte-americana precisará se mudar. Literalmente milhões de pessoas a cada ano”, argumenta, acrescentando que milhões de pessoas ficarão presas em lugares muito úmidos, quentes ou expostos a furacões e incêndios florestais.  

Ele se baseia no movimento que aconteceu durante a pandemia de covid-19, em que a migração de pessoas de lugares como Nova York e São Francisco para Austin e Miami levou a oscilações de 15% a 20% nos preços dos imóveis.  

A estratégia do fundo será usar o aprendizado de máquina para analisar cada fundo imobiliário (REIT) usando um conjunto de dados hiper localizados em nível de CEP e atribuir a ele uma pontuação com base no risco climático. Roubini espera que isso ajude a financiar desenvolvimento imobiliário e de infraestrutura em áreas menos expostas a mudanças climáticas. 

Roubini detalhou suas previsões sobre as migrações causadas por emergências climáticas e conflitos em seu mais recente livro, chamado ‘Megathreats’. Previsões apocalípticas que sugerem que, com apenas 17 milhões de pessoas na Sibéria, o extremo leste da Rússia pode ser colonizado pelos chineses, fugindo das consequências das mudanças climáticas.

Para ele, todas as soluções econômicas ou tecnológicas que têm alguma chance de abordar a escala do problema, como impostos globais de carbono, são politicamente impossíveis ou proibitivamente caras. 

Do contra

Roubini ganhou fama por seus alertas sobre a bolha imobiliária americana que desencadeou a crise de 2008. Desde então, tem sido cético com relação à alta prolongada das ações nos EUA e questionado a saúde da economia americana. 

Ele também vai na contramão do discurso mais otimista difundido pelos defensores da nova economia e do modelo ESG de fazer negócios. Ele esteve mês passado no Brasil e, em um evento fechado, defendeu que há um descompasso entre os investimentos necessários para a transição para uma economia de baixo carbono e a velocidade de adoção de energias alternativas, como eólica e solar, que não compensaria a pressão pela queda nos investimentos em exploração de petróleo, na visão dele. 

“Há um trade-off entre crescimento econômico e descarbonização”, afirmou, segundo a Exame. O resultado é um aumento no custo da energia, o que leva à mais pressão inflacionária.