Na Korin, o orgânico sagrado busca um capital virtuoso

Controlada pela Igreja Messiânica do Brasil, marca sinônimo de frangos livres de antibióticos, transgênicos e promotores de crescimento busca parceiro para ampliar impacto da 'alimentação natural'

Na Korin, o orgânico sagrado busca um capital virtuoso
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A Korin desbravou o mercado de carnes produzidas de forma natural num tempo em que lanches à base de salsicha ainda eram bem vistos.

O que começou com o frango livre de promotores de crescimento com antibióticos, em 1994, evoluiu para um portfólio de mais de 200 produtos que ainda tem a ave-símbolo do Plano Real como carro-chefe, mas que inclui carnes bovinas e peixes e se estende por grãos, cereais, cafés, castanhas, sementes e mel.

Quase 27 anos depois da sua fundação, a marca virou referência de alimentos orgânicos e saudáveis no Brasil. Em certos restaurantes, o “frango Korin” no cardápio atesta a qualidade e procedência do ingrediente. E o mercado que não merecia a atenção de ninguém lá nos anos 90, hoje está quente no mundo todo, pronto para ser ocupado.

Mas para a Korin, o que deveria ser a hora de se refestelar num farto banquete de quitutes saudáveis, impõe um enorme desafio.

A Korin (pronuncia-se kôrin) é uma empresa controlada pela Igreja Messiânica Mundial, religião de origem japonesa com cerca de 2 milhões de fiéis no país. 

E, se por um lado, essa é a razão da própria existência da empresa, uma vez que a alimentação natural é um dos pilares da igreja, de outro é uma trava para que consiga dar um salto.

O xis da questão é o acesso a capital.

“Durante muito tempo, as empresas do ramo se beneficiaram com linhas como as do Finep ou a Lei do Bem. Embora nossa atividade se qualificasse para aderir a créditos incentivados do governo para pesquisa e inovação, éramos barrados porque somos ligados a uma igreja”, diz Reginaldo Morikawa, CEO da Korin Agropecuária. (Com alguns avanços em governança, hoje a empresa até consegue acessar algumas linhas.)

E quando não é o governo se incomodando com a presença da igreja, o veto a novas opções parte do controlador. 

Inovadora e posicionada num setor de crescimento, a Korin já foi abordada inúmeras vezes por grupos estratégicos ou investidores financeiros interessados em comprar o negócio ou investir nele. 

Na vez em que as conversas foram além de um cafezinho e chegaram à assinatura de um termo de confidencialidade, em 2017, um fundo de private equity propunha unir seu capital e capacidade de gestão à marca e potencial de crescimento exponencial da Korin. 

Os líderes da Igreja Messiânica foram contra e o negócio não avançou. 

“O pensamento foi: vai vir um grupo econômico que quer aumentar o tamanho da empresa dez vezes em cinco anos e depois vender. Quem comprar vai ter o mesmo objetivo e nós vamos perder a essência do desenvolvimento da agricultura natural. Não somos players, somos religiosos”, diz Morikawa, ele mesmo um reverendo da igreja.

 Agora, no entanto, há sinais de que a história pode virar. 

“Nós estamos com um tamanho que assusta a própria organização. A igreja já está mais aberta a escolher um parceiro, as coisas estão mudando”, diz ele, para logo depois admitir entre risos que o grau de dificuldade do movimento equivale ao de “encontrar um noivo para a filha de um sheik”.

“Mas é a hora de fazer uma joint venture, vender um pedaço para alguém. O momento é crucial: a gente é grande pra ser pequeno e pequeno para ser grande”, arremata. A Korin faturou R$ 200 milhões no ano passado. Foram quase 6 milhões de aves abatidas e 36 milhões de ovos produzidos.

A urgência se explica porque as gigantes do setor, como JBS e BRF, só para ficar nos frigoríficos, começaram a ciscar com vontade no terreno da Korin ao criar as suas próprias linhas orgânicas e sustentáveis, cientes do tamanho do mercado de alimentação saudável.

Apesar do terreno mais favorável, o avanço da ideia vai depender de muita costura e de um delicado balanço.

Para que a igreja finalmente aceite um estranho no ninho e concorde em abrir mão de ao menos parte do negócio em nome do crescimento, seus líderes precisam se convencer de que, mais do que se manter 100% fiéis a seus princípios, é importante ampliar o acesso à alimentação natural e gerar mais impacto. 

A origem

A Igreja Messiânica surgiu no Japão a partir dos ensinamentos do filósofo e religioso Mokiti Okada e chegou ao Brasil em 1955 pelas mãos de imigrantes missionários. 

A doutrina messiânica se apoia em três pilares para chegar a um mundo livre de conflitos, doenças e miséria: a espiritualidade, o cuidado com o belo e a mente e, por fim, a alimentação natural para se atingir a saúde perfeita. 

O nome Korin significa “anéis de luz” e o logo da marca é formado por três círculos que se interseccionam, representando esses três fundamentos. 

A igreja não fundou a Korin porque queria ter um braço de negócios. Longe disso.

Primeiro veio a necessidade de atender os messiânicos, depois a vontade de disseminar a prática da alimentação natural. 

“Nós resolvemos fazer porque nenhuma empresa tinha interesse em fazer isso lá atrás. Como pregamos a conversão dos agricultores para o orgânico, primeiro criamos um centro de pesquisas e depois a empresa para ser o elo de ligação entre o produtor e o consumidor”, resume Morikawa. 

Houve uma tentativa de puxar a produção de carnes e vegetais orgânicos a partir de uma rede de supermercados natural, à la Whole Foods. Mas a concorrência acirrada numa fase de forte consolidação no varejo brasileiro nos anos 90 levou ao fechamento de lojas e fez a Korin se fixar na produção.

O modelo de fornecimento da empresa se baseia totalmente na agricultura familiar. São 43 produtores de frango e nove produtores de ovos que operam de forma integrada com a empresa, recebendo transferência tecnológica e assistência técnica.

“Hoje muito se fala em capitalismo de stakeholders e a Korin já nasceu com isso no DNA. O lucro sempre foi um meio e nunca um fim”, diz Tarcila Ursini, conselheira independente da empresa desde junho do ano passado e uma especialista em sustentabilidade, com presença em comitês e conselhos de outras empresas, como Duratex, Baumgart, JSL e Agrogalaxy.

Virtuoso e paciente

Além de virtuoso, o capital que eventualmente seja atraído para a Korin terá que ser paciente.

“Precisamos de um investimento que não vise retorno em menos de 5 anos. Porque será preciso investir na infraestrutura de uma empresa que vende relativamente pouco”, diz Morikawa. 

Nas contas da equipe da Korin, seria possível conseguir cortar o preço do frango em 20% com uma infraestrutura melhor. “Essa parte do custo advém de obsolescências produtivas, industriais, de equipamentos que não temos mesmo”, diz Morikawa. 

Considerado o estado da arte no setor, o abatedouro da Korin tem capacidade para apenas 23 mil aves/dia.

As projeções indicam que a redução de 20% no custo, por sua vez, alavancaria as vendas em quatro vezes. “Se investíssemos R$ 150 milhões, estaríamos falando de um crescimento do faturamento que não tenho zeros suficientes para colocar na frente.”

Mesmo com o capital escasso, a empresa cresce na casa dos dois dígitos. No ano passado, o faturamento avançou 15% e a ideia é repetir a dose neste ano. 

A margem de lucro costuma ficar na casa dos 2% e todo o lucro é reinvestido no negócio, que, no passado, também recebia aportes pontuais da igreja. 

O foco da empresa em 2021 está na racionalização da linha de produtos, hoje com 240 itens. “Vamos reduzir o desenvolvimento de novas linhas, porque isso consome muito do Ebitda.”

A ideia é ainda crescer a receita e aumentar a rentabilidade cortando produtos que não dão retorno e agregando valor a alguns dos já existentes. Um exemplo é o hambúrguer orgânico, que será descontinuado no futuro. 

Além da saudabilidade

Numa preparação para receber dinheiro de fora, nos últimos anos a empresa passou por dois processos. O conselho de administração foi remontado depois de décadas inativo, com o recrutamento de Tarcila Ursini como único membro independente, e a KPMG foi contratada para auditar as contas. 

A empresa se prepara para acessar instrumentos de crédito com benefícios para empresas consideradas sustentáveis, uma tendência no mercado.

Na visão de Morikawa, a Korin está muito à frente das pares quando se trata de saudabilidade alimentar e o foco tem que se ampliar. “Estamos investindo muito em atender os ODS [Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU], ainda mais preocupados com a comunidade e o meio-ambiente”, diz. A ideia é ser certificada como Empresa B, aquelas que visam bem-estar social e meio-ambiente além do lucro.

A filosofia, diz, é sempre estar um passo à frente do que a sociedade precisa aprender, mas não muito, para que a mensagem não seja incompreensível.

“Temos coisas muito avançadas nos ensinamentos de Mokiti Okada que nem conseguimos trazer para a sociedade ainda. A gente começa a falar em alimentação à base de insetos e queremos começar pelo gafanhoto.” 

A empresa também está investindo no desenvolvimento de alimentos à base de plantas, afinal, a filosofia da igreja, que considera que todos os animais têm espírito e merecem ser respeitados, tende ao vegetarianismo no futuro. 

“Mas não queremos fazer como a maioria das empresas, que busca a substituição da carne, o plant based travestido de hambúrguer. A ideia é desconectar mesmo.” 

Outra aposta é se tornar um fornecedor de bioinsumos. 

Para isso, em 2018 foi criada a divisão Korin Agricultura e Meio Ambiente, que tem como CEO Luiz Carlos Demattê Filho, antigo diretor industrial da agroindústria, e que já conta com fábrica de sementes e rações orgânicas. 

“Com o mercado de orgânicos crescendo, a Korin tem tudo para virar um polo de referência em consultoria e fornecimento de bioinsumos para os players que querem fazer a transição”, diz Tarcila Ursini.