Uma das maiores gestoras de recursos do Reino Unido, a Aviva gere nada menos que 355 bilhões de libras — e acaba de prometer zerar as emissões desse portfólio mastodôntico até 2040, no maior compromisso desse tipo feito por um grupo segurador no mundo.
Para além das promessas, a Aviva tem um histórico de ações concretas para mostrar no universo ESG, especialmente no engajamento com as investidas.
No ano passado, votou contra a eleição de diversos conselheiros de administração em empresas brasileiras — que representam uma fatia pequena do portfólio —, alegando falta de diversidade. E contra a proposta de remuneração de outras companhias nacionais, alegando falta de transparência, não raro sendo um voto solitário em casos que não estavam sendo alvo de ativismo.
Tudo detalhado num amplo relatório que mostra como a gestora votou, proposta a proposta, na assembleia de acionistas de cada investida em cada país do globo.
Agora, na temporada de assembleias deste ano, que está prestes a começar, a Aviva está pronta para levar esse engajamento para o campo do clima, votando contra empresas que não adotarem o TCFD, padrão global de reporte de riscos e oportunidades das mudanças climáticas.
O alerta foi feito por Steve Waygood, o chefe de investimento responsável da gestora, em entrevista concedida ao Reset.
Com mais de duas décadas de experiência, Waygood comanda a integração ESG da Aviva há 12 anos e é um dos mais respeitados executivos na agenda de finanças sustentáveis na Europa, parte do grupo de experts no assunto consultado pela Comissão Europeia, que lidera a pauta da retomada verde.
Em uma conversa de uma hora, o executivo falou sobre as preocupações com o desmatamento na Amazônia, por que prefere se engajar com as companhias a desinvestir, estratégias passivas versus estratégias ativas e deu um recado ao Brasil: “Não é possível atingir o desenvolvimento sustentável sem que governos e investidores trabalhem juntos”.
A Aviva foi uma das signatárias da famosa carta ao governo de Jair Bolsonaro no ano passado escrita por investidores estrangeiros preocupados com a questão do desmatamento na Amazônia. Passado quase um ano, como vocês veem o Brasil em relação a esse assunto e como ele afeta a alocação da Aviva no país?
Somos um grupo segurador e não preciso dizer o quanto uma seguradora está exposta à mudança climática. Quanto mais os pulmões do mundo deixam de funcionar, maior o risco de eventos climáticos extremos. E, se há incêndio, seca ou quebras de safra, isso é ruim para os nossos negócios. Não é uma cruzada ambiental, é um desafio financeiro.
Damos muito apoio ao Acordo de Paris e queríamos que o Brasil, como país, também desse mais apoio a ele. Portanto, sim, isso afeta nossa percepção. A posição do país em relação à Amazônia e ao Acordo de Paris é um ‘net negative’ para nossa alocação — mas é sempre bom lembrar que o ESG é um dos fatores de investimento e nosso interesse nas jurisdições é formatado por uma série de outros fatores dinâmicos.
Vocês são bastante ativos nas propostas levadas pelas empresas para as assembleias. E votam com alguma frequência contra propostas da administração, especialmente em composição do board, por falta de diversidade, e política de remuneração dos executivos, por falta de transparência. O quanto esse assunto é relevante?
Diversidade é um assunto muito relevante não só porque é importante para as pessoas do planeta, mas porque é relevante para a criação de valor de longo prazo. Quanto maior o equilíbrio nos conselhos — não apenas em gênero, mas de idade, raça, backgrounds regionais —, mais equilibradas as decisões que tomam. Nessa dimensão, nós estamos desafiando muito ativamente os conselhos compostos apenas por homens a mudar. Isso se torna uma questão muito pessoal quando votamos contra a eleição do chairman porque ele não consegue explicar como e quando pretende mudar a composição do board.
E você vê mais apoio de outras gestoras a essa agenda recentemente?
Na Europa e no Reino Unido, o apoio é muito significativo. No Oriente Médio, no Sudeste da Ásia e na África, não vimos essa mudança cultural ainda. Na América do Norte, isso está começando a mudar.
E qual a prioridade de engajamento de vocês para a próxima temporada de assembleias, que está prestes a começar na maior parte do mundo?
O Task Force on Climate-Related Financial Disclosures [TCFD] é uma prioridade absoluta para nós. Estamos no nosso quinto reporte de acordo com o TCFD na Aviva, ninguém no mundo fez mais que isso. Nos últimos dois anos, estávamos incentivando as companhias do portfólio a produzir esses reportes. Neste ano, isso vai se traduzir em voto [nas assembleias] .
Se as empresas não divulgarem relatórios do TCFD e a mudança climática for uma questão material para o negócio, vamos votar contra. A forma como isso vai se dar depende da jurisdição. Pode ser um voto contra a aprovação de contas, contra a remuneração dos executivos, porque no fundo não leva essas questões em consideração. Pode ser na eleição dos conselheiros.
Temos muitos gestores no Brasil moldando suas políticas de investimento responsável. A Aviva tem muito enraizado o engajamento e não o desinvestimento ou lista de exclusão de empresas. Qual o racional por trás dessa decisão?
Se eu jogo meu lixo do outro lado da cerca, alguém tem que pegar para mim. Isso é ser responsável? É a mesma coisa com o desinvestimento. Você está jogando o lixo para fora do portfólio para alguém lidar com esse problema.
Nós somos grandes investidores, e com isso podemos afetar a mudança. Se você se importa com tópicos como mudança climática e direitos humanos, é melhor vocalizar sua preocupação e se engajar com a companhia para fazer com que ela melhore, do que ir embora. Você está realmente mudando o mundo e não apenas mantendo sua consciência limpa.
Para além do argumento moral, tem a oportunidade de alpha [geração de valor acima do mercado]. Se você é acionista de uma companhia e ela melhora em alguma questão material e o mercado reconhece, você captura esse ganho no portfólio.
Mas recentemente vocês deram um ultimato público, ameaçando desinvestir de empresas de óleo e gás e mineração que não tivessem planos claros de descarbonização e transição…
Engajamento e desinvestimento não são mutuamente exclusivos, podem ser duas vias do mesmo caminho. Nós fazemos o engajamento, mas, se em última instância, a companhia continua intransigente e não muda, o que você pode fazer? Precisa ter uma sanção final.
Se a empresa realmente não concorda com um assunto tão fundamental, não vamos colocar nosso dinheiro para funcionar e prejudicar o futuro do clima. Não é uma coisa ética ou ambiental, ainda é financeira. Achamos que o dinheiro dos nossos clientes está sendo aplicado de uma forma que prejudica o futuro desses mesmos clientes. E isso não faz sentido.
Cada vez mais, o mundo está caminhando para os investimentos passivos, feitos por meio de ETFs ou outros fundos de índices. E tem muitos gestores utilizando ETFs ESG nas suas carteiras. Você acha que é possível impulsionar a mudança com investimento passivo?
Sinceramente, há uma ou duas dessas grandes casas de investimento passivo que realmente levam o assunto de forma séria. Algumas delas falam muito sobre o assunto, mas nem todas realmente o colocam em prática. Acho que, em face da mudança climática e outros desafios para alcançarmos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), precisamos ser ativos. Você pode ser um acionista ativo com um portfólio passivo, mas tem poucos fazendo isso.
O problema fundamental é que fundos de investimento passivo partem de um modelo de negócio de economia de escala e as margens são muito pequenas. E prestar atenção em ESG, investir em pesquisa, e em engajamento efetivo requer um investimento considerável. Prejudica as margens. Além disso, na perspectiva de longo prazo, os investidores passivos perdem essa oportunidade de dar a última sanção, que é o desinvestimento, o que deixa as empresas numa posição mais confortável.
Tanto a União Europeia quanto a maior parte dos países europeus têm planos de recuperação econômica verde e estão fortes na agenda climática e ambiental. Os Estados Unidos sob Biden também estão indo nessa direção. Aqui no Brasil, não podemos dizer o mesmo. Até que ponto essa agenda de investimento responsável pode prosperar e fazer a diferença sem que o governo vá junto?
A resposta simples é: sem dúvida nenhuma precisa ser uma parceria para que haja um crescimento efetivamente sustentável. Nós não formatamos o mercado. Não regulamos, não estabelecemos padrões, não criamos esquemas de comércio de emissões [de carbono], não estabelecemos os impostos. Essas são todas coisas que os governos fazem. E são essas coisas que internalizam as externalidades, para que o custo de capital reflita o custo ambiental, por exemplo.
Como investidores, o que podemos fazer? Podemos explorar as ineficiências de mercado, a vantagem de informação, colocar no nosso processo de valuation e garantir que nosso portfólio esteja bem posicionado e bem protegido usando informações ESG.
Mas são dois conceitos importantes e diferentes: ineficiência de mercado é você explorar a estupidez de outros gestores de recursos para avaliar melhor seus ativos e ter retornos superiores. Falhas de mercado são a estupidez do governo, que não corrigiu o mercado. Podemos arbitrar as ineficiências, mas não corrigimos as falhas. Governos corrigem as falhas de mercado.
Nós podemos encorajá-los a fazer isso. E como credores de governos, por meio de dívida soberana, o fazemos sempre que encontramos com ministros da economia e banqueiros centrais. Mas não é possível atingir o desenvolvimento sustentável sem que governos e investidores trabalhem juntos.