Fundos ESG ganham novo fôlego com renda fixa e Selic nas alturas

Oferta de produtos sustentáveis e captação aumentaram em 2024; educação de investidores e nova regra da CVM devem reforçar investimentos nos próximos anos

O Brasil entrou na rota dos investimentos climáticos do capital estrangeiro
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Depois de anos de vacas magras, os fundos com rótulo sustentável renovaram forças em 2024. Em meio à elevação dos juros no Brasil, esses produtos encontraram seu espaço no mercado de renda fixa. 

Tanto o número de produtos quanto os recursos captados aumentaram, também impulsionados pela educação crescente de diferentes atores sobre o tema e a oferta de produtos mais flexíveis. A expectativa é que o movimento continue ao longo deste ano. 

O número de fundos sustentáveis subiu de 134 para 257, nos dez meses entre dezembro de 2023 e outubro de 2024, segundo a Anbima, que autorregula o mercado de capitais. Já a captação de dinheiro novo (net new money) foi de R$ 10,9 bilhões no mesmo período, mais de dez vezes o valor levantado em todo o ano de 2023, de acordo com levantamento do Itaú BBA.

As regras sobre os rótulos passaram a valer em 2022, em um esforço da Anbima para dar ordem aos fundos que se intitulavam “verdes” ou “ESG” sem qualquer critério. Foram duas as classificações criadas: a de “investimentos sustentáveis”, para os fundos cujos ativos têm entre seus objetivos gerar externalidades ambientais e ou sociais positivas, e a dos que integram fatores ESG na sua gestão, independentemente do objetivo do investimento. 

Aqueles que se encaixam na primeira categoria, com regras mais rigorosas, podem levar a sigla “IS” no nome. 

Apesar do crescimento, os produtos sustentáveis representam apenas 0,24% de toda a indústria de fundos brasileira. “O copo ainda é pequeno, mas está cada vez mais cheio”, diz Carlos Takahashi, diretor da Anbima e presidente do conselho da BlackRock Brasil.

Um dos esforços para que esses fundos se tornem mais atraentes para os investidores está na oferta de diferentes classes de ativos nas prateleiras ESG das gestoras. 

“Temos que entender o ciclo econômico em que estamos, ver como conseguimos construir estratégias que vão atender a demanda do investidor de forma eficiente e então trazer elementos da temática ESG”, diz Renato Eid, chefe de estratégias indexadas e investimento responsável da Itaú Asset.

A Selic esteve em pelo menos 10,5% ao longo de todo o ano de 2024. Na reunião de dezembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu elevar a taxa para 12,25%, acima do que o mercado esperava, e indicou que outras duas altas estão por vir.

Diante do cenário de juros básicos nas alturas e baixo risco de investimento, a fuga para a renda fixa é natural. Na indústria ESG, os fundos de ações foram os pioneiros, mas perderam relevância, em quantidade e volume.

Desde o fim do ano passado, o mercado de fundos sustentáveis dobrou de tamanho e alcançou os R$ 22,2 bilhões – desses, 63% estão alocados em renda fixa, 29% em ações e 8% em estratégias de hedge (que investem em diferentes classes de ativos, de acordo com o cenário macro e microeconômico).

Retomada de crédito

Depois da crise de 2023, com o escândalo da Americanas, e do calote da Light, 2024 foi um ano de recuperação para o mercado de crédito brasileiro. 

“Esse mercado andou bastante bem no último ano, o que ajudou muito a tese”, diz Alexandre Gazzotti, analista-sênior de ESG da Itaú Asset. Alguns fundos de crédito ESG performaram melhor que os pares convencionais por não terem na carteira empresas que viveram o choque de crédito, segundo o analista.

Integrar análises de questões ambientais, sociais e de governança serve justamente para se ter uma camada adicional na avaliação de risco, afirma Henri Rysman, líder de crédito no BNP Paribas. 

“Acredito que estamos vivendo uma virada do ponto de vista dos investidores pessoa física. Conseguimos provar que a integração ESG foi uma das razões pelas quais passamos ilesos pelos eventos de crédito de 2023, e que ela gera alfa justamente por reduzir esses eventos de risco de cauda”, diz o gestor, referindo-se a eventos extremos e raros no mercado. 

Mais CPFs

O fortalecimento desse mercado no Brasil vem em meio a várias notícias sobre a retaliação ao ESG (ou ESG backlash, em inglês) nos Estados Unidos, com saques nesses fundos. Mas dois aspectos fundamentais são distintos entre os dois países: em grande parte dos casos, as retiradas nos EUA são de fundos de ações, não de renda fixa, e o perfil dos investidores não é o mesmo. 

“Há uma ou outra justificativa por rendimento, mas definitivamente há uma questão política nos Estados Unidos. São alguns fundos de pensão fazendo esse movimento”, afirma Takahashi. No Brasil, essa indústria ainda é pequena e pulverizada entre pessoas físicas. 

Quem investe em ESG ainda é um público específico, com entendimento do valor que a agenda de sustentabilidade traz para sua carteira, diz o diretor da Anbima. A vantagem seria de uma permanência maior naquela alocação, numa espécie de “capital paciente”. “O investidor não vai abrir mão do retorno, mas a consciência com relação à causa e o alinhamento a seus princípios vêm primeiro.”

Um entendimento comum entre os gestores é de que a educação financeira dos investidores sobre ESG é parte essencial para o desenvolvimento desse mercado, com uma maior compreensão sobre fundos com essas estratégias, o que elas significam e quais suas vantagens. Investidores de alta renda, do private banking ou family offices, são os que mais buscam informações sobre o tema, na percepção dos administradores. 

Para quem oferece os produtos, o trabalho ainda tem sido desconstruir a ideia de que investir em fundos ESG equivalem a praticar filantropia e sacrificar rendimentos. 

“Alguns investidores foram atraídos, primeiramente, pela temática. Outros, pelo retorno. E tudo bem”, diz Eid. Uma vez que o risco e o retorno estejam em equilíbrio com outras alternativas do mercado, os impactos positivos sustentáveis e sociais se tornam um valor adicional. “Há quem invista e só depois entenda o que de fato o fundo faz [em relação a ESG].”

‘Verde escuro’

Os fundos com rótulo IS, aqueles que têm objetivos sustentáveis em seu mandato, representam mais de 70% de todos os veículos sustentáveis, em número e em volume. Em outubro de 2024, existiam 186 fundos IS com R$ 21,2 bilhões em patrimônio líquido, ante 71 fundos que integravam questões ESG e somavam R$ 7,1 bilhões. 

O cenário é bastante diferente do da União Europeia, que concentra mais de 80% dos fundos ESG ao redor do mundo. Lá, o arcabouço regulatório para transparência sustentável, o Sustainable Finance Disclosure Regulation (SFDR), enquadra os veículos com rótulos sustentáveis em duas categorias: sob o artigo 8, quando um produto integra fatores ESG; e sob o artigo 9, quando tem o investimento sustentável como objetivo.

Para conquistar o carimbo do artigo 9, atribuído aos produtos “dark green” (verde escuro), os fundos precisam atender a critérios mais rigorosos que os do artigo 8. Já no Brasil, as questões operacionais são bem parecidas entre os rótulos IS e de integração ESG, afirma Rysman, o que justificaria o foco da oferta na categoria mais elevada. 

Pelo lado da demanda, os fundos com sufixo “IS” possuem um objetivo ESG explícito e chamam a atenção de investidores já pelo nome. “Eles transmitem uma mensagem mais clara de qual é seu propósito e, para quem investe, é mais fácil de compreender”, diz Takahashi.

A vez da CVM

Os rótulos pela Anbima compõem uma maneira de autorregulação do mercado de capitais, mas na metade deste ano acaba o prazo de implementação da norma 175 da CVM, que alinha o mercado local às práticas internacionais. O regulador provocou uma mudança estrutural nos fundos brasileiros, no que Rysman chama de “tempestade perfeita” para a rotulagem de novos veículos sustentáveis. 

“Nossa carteira de fundos de crédito abertos no Brasil será totalmente composta por produtos IS ou com integração ESG. Já projetamos vários fundos para serem enquadrados nessas normas, mas estamos esperando para fazer tudo de uma vez, conforme a 175”, diz o gestor no BNP. “Acredito que há essa questão operacional e burocrática que pode também justificar uma expectativa pelo lançamento de novos fundos [sustentáveis] em 2025, como será o nosso caso”. 

Além do número de fundos, há uma expectativa de que a norma da CVM melhore a transparência dos investimentos sustentáveis, com a maior descrição das metodologias usadas. 

“É caro mesmo, dá trabalho mesmo. Entendemos isso. Mas se você escolheu ser uma gestora que segue pelo caminho de produtos IS, precisa ter equipe e acompanhamento”, diz Fernanda Camargo, CEO e sócio-fundadora da gestora de patrimônio Wright Capital, que aloca parte dos recursos dos clientes em ativos sustentáveis.

Do público ao privado, diferentes atores no Brasil têm trabalhado para abocanhar a parte que lhes cabe do prometido (e enorme) bolo para a economia verde no país. 

Os investidores institucionais estrangeiros ainda são poucos na indústria ESG brasileira, mas a Itaú Asset e a Vinci Partners, por exemplo, já enquadram um de seus fundos na regulação europeia. O governo federal, por sua vez, fechou uma parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para oferecer proteção contra a variação da taxa de câmbio brasileira em projetos verdes, como reflorestamento e agricultura de baixo carbono e, assim, tentar atrair mais capital estrangeiro para financiar a transição ecológica da economia local. 

Zoom nas ações

Ainda que decrescente, a participação dos fundos de ações é maioria no mercado ESG e, de acordo com dados da Anbima e Itaú BBA, esses produtos têm tido um bom desempenho em comparação a produtos convencionais da mesma classe.

Desde abril de 2022, quando o primeiro fundo IS foi registrado, a indústria de fundos de ações teve, em média, alta de 14,5%. Enquanto isso, os fundos de equity IS performaram com alta de 31,6% e aqueles que integram fatores ESG, de 26,5%.

Na composição dos fundos, a exposição a ativos em mercados estrangeiros tem crescido desde o início de 2023, na contramão da alocação em investimentos domésticos. “Essa realocação pode explicar ao menos uma porção da performance dos fundos de equity ESG, uma vez que o S&P 500 [principal índice de grandes companhias nos EUA] subiu 20% até outubro de 2024, enquanto o Ibovespa perdeu 3%”, escreveram analistas do Itaú BBA. 

Até o último mês de agosto, as dez companhias que mais apareceram nos portfólios ESG foram Vale, Microsoft, Nvidia, Itaú, Google, Amazon, Petrobras, WEG, Eletrobras e Bradesco.

A presença da mineradora e da petroleira brasileira nessas carteiras é polêmica. Takahashi é do time que não considera essa alocação como um sinal de greenwashing. “É preciso olhar qual é o objetivo desse fundo, o processo de gestão e a análise de risco”.

Já Eid observa que a agenda de investimentos responsáveis tem se transformado, saindo de estratégias de exclusão para a de transição, com o entendimento de que “não dá para se comprometer simplesmente a tirar o plugue da tomada”, uma vez que há pessoas dependentes daqueles recursos.

“Mais do que o número de fundos ESG surgindo, devemos olhar a qualidade, e ela está aumentando. Hoje, o investidor que está num fundo ESG tem muito mais informação e clareza sobre aquele tipo de investimento do que há 10 anos”, diz o gestor.