Entidades e empresas que gravitam em torno do ecossistema de negócios de impacto no Brasil se uniram para oferecer crédito emergencial a micro e pequenas empresas e tentar ajudá-las a chegar do outro lado da pandemia.
Para colocar de pé o CoVida20, nome da iniciativa, recorreram a uma estrutura financeira ainda pouco usada no Brasil: o blended finance.
Como sugere o nome, a ideia é misturar capitais de naturezas diferentes para oferecer uma solução financeira que dificilmente seria alcançada de outra forma.
O pulo do gato é que o dinheiro da filantropia entra na conta para absorver calote e, com isso, atrair o capital de investidores que se somam para dar escala à operação.
No CoVida20, a doação inicial de valor não revelado partiu da siderúrgica Gerdau. A locadora de veículos Movida também está injetando dinheiro, porém como investidora, a juro zero. Ou seja, embora não queira ser remunerada pela ajuda, a empresa receberá o capital de volta ao fim do projeto.
O programa foi idealizado pelo Sistema B, que reúne as B-Corps brasileiras, pela rede Capitalismo Consciente, Din4mo e Trê.
Além do fundo filantrópico, que será administrado pela Sitawi, há duas outras camadas de funding: aportes de grandes investidores, acima de R$ 100 mil, com taxa de retorno de 0,5% ao mês, e investidores de varejo, a partir de R$ 500 e a mesma remuneração de 0,5%.
O caso mais conhecido de blended finance no Brasil é o da startup Programa Vivenda, que faz reformas em moradias populares. Para dar crédito aos clientes da empresa, a Din4mo e a securitizadora Gaia criaram uma estrutura em que doações, entre elas a de um fundo ligado à fundação Tide Setubal, entraram para absorver as primeiras perdas numa debênture que foi integralmente vendida a clientes do private banking do Itaú.
No CoVida, os investimentos e empréstimos serão feitos num esquema peer-to-peer (P2P), em que o investidor escolhe diretamente o negócio para o qual quer emprestar. A plataforma a ser usada é a da Mova, autorizada pelo Banco Central para operar como uma SEP, Sociedade para Empréstimos entre Pessoas.
A meta é conseguir reunir R$ 15 milhões para financiar o capital de giro de 50 a 100 empresas. O prazo de pagamento será de até 60 meses, com 12 de carência e taxa de 0,5% ao mês.
A empresa candidata tem que faturar até R$ 10 milhões, existir há pelo menos 18 meses e se comprometer a manter empregos durante o prazo em que estiver recebendo os aportes.
Tanto investidores quanto empresas interessadas no crédito podem se cadastrar no site do programa CoVida20.
Os organizadores sabem que o objetivo é ambicioso — e ainda está longe de ser alcançado. “Estamos recebendo muitos contatos de investidores grandes”, diz André Melman, diretor da Trê, que vai assessorar a captação e os empréstimos.
Seriam necessários aproximadamente R$ 5 milhões em doações, mais R$ 5 milhões de grandes investidores e, por fim, R$ 5 milhões de pequenos investidores.
A batalha agora, explica Melman, é para conseguir mais doadores. “Convencer os doadores é o que está se mostrando o mais difícil”, diz ele, que tem mantido conversas com empresas, bancos e fundações.
A fase de captação de grandes investidores já começou e a de varejo ainda deve levar mais tempo. Pelo cronograma de desembolsos, essa será a última piscina de recursos a ser acessada.
“Muitas ações na pandemia estão indo para a filantropia, mas era necessário fazer algo para ajudar na recuperação econômica e acelerar a transição para uma nova economia”, diz Francine Lemos, diretora-executiva do Sistema B Brasil.
Ela conta que empresas B saudáveis de pequeno porte se viram sem caixa para enfrentar três meses de crise e a situação a levou a conversar com as lideranças do Capitalismo Consciente.
A pandemia tem levado o mercado brasileiro a buscar soluções novas para apoiar pequenos empreendedores. Na semana passada foi lançado o primeiro “relief fund” com capital 100% filantrópico.
Agora, o CoVida20 foi pensado e montado em apenas duas semanas e, por isso, muita coisa ainda está se ajustando.
Haverá o match imaginado entre as três fontes de dinheiro? Os recursos filantrópicos serão suficientes para cobrir as perdas que ocorrerem? Os organizadores ainda não têm essas respostas.